Um Homem Enviado por Deus
Vincent Cheung, “The View from Above” (2009).
Surgiu um homem enviado por Deus, chamado João. Ele veio como testemunha, para testificar acerca da luz, a fim de que por meio dele todos os homens cressem. Ele próprio não era a luz, mas veio como testemunha da luz. (João 1:6–8)
O Evangelho chama João Batista de um homem “enviado por Deus”. Isso significa que Deus o concebeu e decretou que ele serviria a um propósito específico. E depois que ele nasceu, Deus o preparou para ser o instrumento exato que ele queria que ele se tornasse. Então, Deus o autorizou e o ungiu com seu Espírito. João estava consciente de seu propósito porque Deus comunicou isso a ele. Ele recebeu uma comissão de Deus. João estava ciente de sua obrigação e autoridade para falar e agir por causa dessa comissão. Dentro dos limites definidos pela comissão, João estava falando e agindo em nome de Deus com a autoridade de Deus, uma vez que foi enviado por Deus.
Há uma crise de confiança e autoridade entre os ministros cristãos. Em parte, isso se deve à confusão sobre a base adequada da autoridade espiritual. O problema existe entre todos os grupos e denominações. A teologia de ministério deles é totalmente inadequada para explicar a legitimidade de seu trabalho.
Suponha que eu pergunte: “Quem o autorizou a liderar e falar — os homens ou Deus?”. Eu não obteria uma resposta adequada do ministro típico, cuja autoentendimento costuma ser deficiente.
Se a autoridade dele veio de homens, então por que ele está falando por Deus? O que torna os homens que o autorizaram melhores do que outros homens que acreditam em coisas muito diferentes e que, portanto, poderiam não tê-lo autorizado para o ministério? E já que a autoridade dele veio de homens, por que tenho a obrigação de ouvi-lo? Se ele argumenta que esses homens foram colocados em posição de autoridade por Deus, de modo que exercem autoridade legítima, neste contexto isso não muda quase nada. Ainda não explica qual ministro em particular tem autoridade sobre mim, ou se devo dar atenção à autoridade de todos os ministros ordenados por homens que se opõem uns aos outros. Se o argumento equivale a dizer que um homem tem autoridade legítima se for autorizado por qualquer grupo organizado de homens, então, a menos que algumas qualificações sejam feitas para isso, também legitimaria qualquer religião que tivesse qualquer tipo de estrutura de autoridade. Mas se para responder a isso ele apela à autoridade da revelação divina, de modo que nem todas as autoridades são legítimas em matéria de religião, então isso nos traz de volta a todas as questões anteriores: Quem o autorizou, os homens ou Deus? Qual grupo de homens, mesmo homens “cristãos”, são legítimos? As respostas dele parecem não torná-lo diferente de qualquer outra pessoa.
Talvez ele estaria relutante em dizer que sua autoridade veio dos homens, mas que o próprio Deus o autorizou a realizar a obra do ministério. Mas então suponha que eu diga: “Ótimo. Com base em que você diz que sua autoridade veio de Deus?”. Ele pode dar uma resposta que novamente apela à aprovação dos homens. Por que eu devo acreditar que você sabe de alguma coisa? “Bem, eu tenho um diploma do seminário”. Mas muitas vezes isso me diz apenas sobre os péssimos padrões do seminário, de modo que alguém como ele pudesse vir dele, ou que o seminário havia esquecido um fracasso — ou provavelmente milhares de fracassos. Que autoridade você tem para liderar e falar? “Bem, eu fui ordenado pela minha denominação”. Certo, mas por que eu devo respeitar sua denominação? Quem autorizou sua denominação? Se a denominação é apenas um grupo de homens que aprovam uns aos outros, e se a sua ordenação é apenas mais um exemplo dessa aprovação mútua, então não é muito diferente do que um bando de fariseus se chamando de justos. É totalmente sem sentido. A aprovação humana muitas vezes não dá autorização divina.
Quando eles falam sobre a canonização da Escritura, eles insistem que a igreja apenas reconheceu a autoridade divina que já estava na coleção de documentos inspirados, e não conferiu autoridade sobre ela. A Bíblia teria a mesma autoridade, mesmo se a igreja não a reconhecesse por qualquer razão decretada pela providência divina. Claro, embora a Escritura reivindique autoridade divina para si mesma, uma vez que não promete que a igreja como uma comunidade reconheceria sua autoridade, em princípio devemos permitir a possibilidade de que a igreja possa ter falhado em reconhecer a autoridade da Escritura. Caso contrário, faríamos o reconhecimento da igreja o teste da autoridade da Escritura, o que faria com que a autoridade da Escritura ficasse sob a autoridade da igreja, o que por sua vez iria derrotar a própria doutrina que a igreja tenta afirmar, que ela apenas reconheceu a autoridade que já estava lá.
A questão é se o mesmo pensamento se aplica a como a igreja considera a autoridade divina em outras áreas, como indivíduos chamados para o ministério. Encontramos um exemplo em Atos 13: “Enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: ‘Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado’. Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram” (vv. 2–3). O Espírito Santo já havia chamado esses homens. Não cabia à igreja autorizá-los ou não, mas apenas concordar e obedecer. Novamente, Deus já os havia chamado, então mesmo se a igreja tivesse desobedecido, os homens ainda teriam sido comissionados e autorizados por Deus, assim como a Bíblia permaneceria uma revelação divina mesmo que ninguém reconhecesse isso.
Da mesma forma, assumir que a igreja reconheceria sem qualquer falha toda pessoa que Deus chamou não deixa nenhuma possibilidade para uma igreja imperfeita ou mesmo apóstata. No entanto, a Escritura não diz que a igreja, sem qualquer falha reconhecerá todo ministro legítimo, ou que nenhuma igreja pode ser imperfeita ou mesmo apóstata. Às vezes, é dito que mesmo se um indivíduo for chamado por Deus, ele não deve ser autorizado a servir até que receba o reconhecimento da igreja. Mas a Bíblia não ensina isso em lugar nenhum, e a doutrina é bastante suspeita. Tal doutrina concede à igreja o direito de ignorar ou anular o chamado de Deus. Também torna os reformadores da igreja impossíveis — pelo menos torna todos eles pecadores até que seus pontos de vista se tornem a norma. Se a afirmação é que o próprio Deus instituiu a ordem da igreja e, portanto, garantirá seu funcionamento adequado, isso é refutado por exemplos de igrejas confusas e desobedientes no Novo Testamento. A Escritura deixa espaço para Deus levantar servos fiéis para se dirigirem e corrigirem igrejas que se desviaram de seus princípios e que falhariam em reconhecer a autoridade legítima.
Se for concordado que a ordenação da igreja apenas reconhece uma comissão divina, então a comissão existe sem a ordenação, e deve haver uma base para a autoridade diferente e antes da ordenação. Em outras palavras, nossos ministros têm seu evento de Atos 13:3, mas onde está seu evento de Atos 13:2? A conclusão da Escritura torna isso desnecessário? A doutrina do cessacionismo torna isso impossível? Mas a Escritura não afirma a relevância de sua conclusão para esta questão, e não aprova a doutrina do cessacionismo. Essas são tradições religiosas inventadas pelos homens para encobrir sua própria incredulidade e deficiências, e para desviar a atenção de questões sobre sua competência e autoridade. Tudo isso é pura bobagem inventada.
Um verdadeiro representante de Deus exerce autoridade divina porque recebeu uma comissão de Deus e foi capacitado pelo Espírito. Você tem um diploma de seminário? Os homens irão desprezá-lo. A menos que você tenha o que é necessário independente de seu diploma de seminário, isso só irá acentuar sua incompetência. Você tem papéis de ordenação? Tente usar isso no lugar do escudo da fé. O diabo vai rir disso e cravar seus dardos inflamados direto em seu coração. Independentemente de quantos homens o endossem, a aprovação humana nunca se transformará em autoridade e poder divinos. Afinal, um diploma, ordenação e outras coisas nada mais são do que a opinião dos homens a respeito de suas qualificações. Um verdadeiro homem de Deus é ensinado por Deus e cheio do seu Espírito. Um homem que recebeu uma comissão de Deus é um homem que tem autoridade de Deus, e ele produzirá frutos que são consistentes com a descrição bíblica de um homem de Deus. Se uma pessoa se apóia na aprovação humana em seu próprio pensamento ou em se defender perante os outros, isso mostra que ela não recebeu comissão de Deus ou que está em tal estado de fraqueza e incredulidade que não tem confiança nisso.
Deixe-me dar um exemplo de como a perda da autoridade divina pode distorcer nosso pensamento sobre o ministério. Pode ser sutil demais para algumas pessoas perceberem e, talvez por esse motivo, é uma boa ilustração da profundidade do dano.
Primeiro, precisamos ler 1 Pedro 4:10–11. A passagem diz: “Cada um exerça o dom que recebeu para servir os outros, administrando fielmente a graça de Deus em suas múltiplas formas. Se alguém fala, faça-o como quem transmite a palavra de Deus. Se alguém serve, faça-o com a força que Deus provê, de forma que em todas as coisas Deus seja glorificado mediante Jesus Cristo, a quem sejam a glória e o poder para todo o sempre. Amém”.
A passagem faz uma declaração ampla de que todos os crentes devem administrar fielmente as habilidades que Deus lhes deu, e então divide esses crentes em dois grupos — aqueles que têm o dom de falar e os que têm o dom de servir. Claro, todo crente pode falar a verdade sobre Deus, mas Pedro tem em mente aqueles que receberam um dom espiritual para o ministério da fala. Além disso, falar é servir em certo sentido, mas uma distinção é feita aqui, de modo que servir enfatiza aquelas obras espirituais cujas características principais não envolvem falar. Pedro está dizendo que cada pessoa deve usar qualquer dom que recebeu. Aquele que fala deve usar seu dom para falar, e assim fazê-lo como quem fala as próprias palavras de Deus. Aquele que serve deve usar seu dom para servir, e assim fazê-lo com a força que Deus fornece.
Ora, John Piper cita essa passagem em seu livro The Supremacy of God in Preaching; no entanto, de acordo com sua interpretação, o que Pedro quer dizer é que quem fala deve usar a Bíblia!¹ É claro que devemos usar a Bíblia, mas a passagem apresenta um ponto totalmente diferente. Pedro não disse: “Se alguém falar, deve citar a Bíblia”. Não. Ele diz, primeiro, que cada crente deve usar o dom que recebeu para realizar seu ministério. Portanto, se ele falar, que fale usando o dom que recebeu, e ele o faria como quem fala as próprias palavras de Deus. Se ele serve, que sirva usando o dom que recebeu, e o faria pela força de Deus.
Piper transfere toda a autoridade apenas para a Bíblia, embora Pedro esteja falando sobre a pessoa que Deus chamou e dotou. Pedro declara três vezes o princípio associando um crente a um dom carismático (“graça”), mas Piper muda o segundo para que aquele que fala seja agora associado ao texto público e objetivo da Escritura. Mas então aquele que fala é cortado de qualquer relação com um dom carismático, subvertendo a estrutura e o significado da passagem.
Como se para manter uma relação entre a pessoa e o dom, Piper combina os dois grupos em um, e interpreta a passagem dizendo que aquele que fala deve falar a Bíblia com a força do Espírito. Esta é uma alteração completa do que Pedro diz, feita para manter o preconceito teológico de alguém. O que Pedro quer dizer é claro que aquele que serve pode servir na força de Deus porque recebeu o dom carismático de servir, e aquele que fala pode fazê-lo como quem fala as próprias palavras de Deus, porque recebeu o dom carismático de falar.
Isso é embaraçoso para aqueles que afirmam o cessacionismo ou que rejeitam esse aspecto do ensino bíblico. Pode significar que eles não estão falando pelo dom de Deus, ou que eles não são chamados para falar de forma alguma e, portanto, não têm o dom. Estou convencido de que a maioria dos ministros ordenados de qualquer religião ou denominação estão nesta posição. Em que base você fala comigo? Por qual autoridade você me ensina? Você fala comigo com base em credenciais humanas e pela autoridade dos homens? Saia! Envie alguém que saiba que recebeu uma comissão de Deus, que foi dotado com um dom de Deus e que pode se dirigir a mim como alguém que fala as próprias palavras de Deus.
━━━━━━━━━━━━━━━
¹ John Piper. The Supremacy of God in Preaching. Baker Books, 1990, pp. 39–40. [Nota do Tradutor: Publicado pela Editora Vida Nova com o título Supremacia de Deus na Pregação.]
Vincent Cheung. A Man Sent from God. Disponível em The View from Above (2009), pp. 32–35. Tradução: Luan Tavares (11/05/2021).
━━━━━━━━━//━━━━━━━━
© Vincent Cheung. A menos que haja outra indicação, as citações bíblicas usadas neste artigo pertencem à BÍBLIA SAGRADA, NOVA VERSÃO INTERNACIONAL ® NVI ® Copyright © 1993, 2000, 2011 de Sociedade Bíblica Internacional. Todos os direitos reservados.