Um Espinho na Carne
Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelações, foi-me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satanás, para me atormentar. (2 Coríntios 12:7)
Uma alegação popular é que o “espinho na carne” se refere a uma doença que Deus se recusou a curar. A aplicação é que nossas orações pela cura podem não ser respondidas, mas ele proverá a “graça” para que suportemos o sofrimento. No entanto, esta interpretação é fraudulenta.
A Bíblia usa expressões similares em várias passagens e se referem a pessoas, não a objetos ou condições, como doenças:
Se, contudo, vocês não expulsarem os habitantes da terra, aqueles que vocês permitirem ficar se tornarão farpas em seus olhos e espinhos em suas costas. (Números 33:55)
Assim também eu disse: Não os expulsarei de diante de vós; antes estarão como espinhos nas vossas ilhargas, e os seus deuses vos serão por laço. (Juízes 2:3 ACF)
Se, todavia, vocês se afastarem e se aliarem aos sobreviventes dessas nações que restam no meio de vocês, e se casarem com eles e se associarem com eles, estejam certos de que o SENHOR, o seu Deus, já não expulsará essas nações de diante de vocês. Ao contrário, elas se tornarão armadilhas e laços para vocês, chicote em suas costas e espinhos em seus olhos, até que vocês desapareçam desta boa terra que o SENHOR, o seu Deus, deu a vocês. (Josué 23:12–13)
Alguns versículos não têm a expressão completa, mas ainda usam “espinhos” para representar pessoas, não objetos, condições ou doenças:
Mas os perversos serão lançados fora como espinhos, que não se ajuntam com as mãos. (2 Samuel 23:6)
E você, filho do homem, não tenha medo dessa gente nem das suas palavras. Não tenha medo, ainda que o cerquem espinheiros, e você viva entre escorpiões. Não tenha medo do que disserem, nem fique apavorado ao vê-los, embora sejam uma nação rebelde. (Ezequiel 2:6)
Israel não terá mais vizinhos maldosos agindo como roseiras bravas dolorosas e espinhos pontudos. Pois eles saberão que eu sou o Soberano SENHOR. (Ezequiel 28:24)
Nosso versículo mostra que Paulo segue esse uso da expressão. Ele chama o espinho de “mensageiro de Satanás” (v. 7), não um objeto, condição ou doença.
Ele também chama isso de “fraqueza” (v. 9). Isto é, quando ele orou para que fosse removido, o Senhor respondeu: “Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (v. 9a). Então, Paulo diz que ele se gloriaria, portanto, das suas “fraquezas” (v. 9b). Para entender o que ele quer dizer com isso, precisamos olhar para o contexto maior.
Paulo estava defendendo o seu ministério contra a influência de falsos apóstolos (2 Coríntios 10–12). Embora esses personagens se apresentem como “super-apóstolos” (11:5), Paulo os chama de “obreiros enganosos, fingindo-se apóstolos de Cristo” (11:13). Ainda assim, eles foram aceitos pelos coríntios: “Pois, se alguém lhes vem pregando um Jesus que não é aquele que pregamos, ou se vocês acolhem um espírito diferente do que acolheram ou um evangelho diferente do que aceitaram, vocês o suportam facilmente” (11:4).
Para afirmarem a sua autoridade, eles fizeram grandes reivindicações sobre suas credenciais e experiências. Paulo se queixou de que isso era “insensatez” (11:1, também vv. 16–21), mas ele diz que mesmo que tais padrões fossem usados, ele ainda não é inferior aos falsos apóstolos (12:11). Essas pessoas são descendentes de Abraão? “Eu também” (11:22). Eles são servos de Cristo? “Eu ainda mais” (11:23). Ele lista algumas das coisas que ele sofreu e que mostram que ele é mais um servo de Cristo do que os impostores:
Trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas. (11:23–28)
Os falsos apóstolos fazem declarações jactanciosas que os retratam como “fortes”, mas não exibem traços que marcam um apóstolo. Paulo aponta que os coríntios tolerariam “quem os escraviza ou os explora, ou quem se exalta ou lhes fere a face” (11:20). Ele sarcasticamente admite: “Para minha vergonha, admito que fomos fracos demais para isso!” (11:21). Em contraste, ele pregou aos coríntios “gratuitamente” (11:7), às suas próprias custas e às custas de outras igrejas (11:8). Portanto, é estranho que os coríntios abandonassem aquele que foi um pai para eles, e seguissem aqueles que exploravam e abusavam deles.
Quanto às experiências, não importa o que os falsos apóstolos afirmam ter tido, Paulo também as teve, e mais ainda. Ele escreveu: “É necessário que eu continue a gloriar-me com isso. Ainda que eu não ganhe nada com isso, passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que há catorze anos foi arrebatado ao terceiro céu. Se foi no corpo ou fora do corpo, não sei; Deus o sabe. E sei que esse homem — se no corpo ou fora do corpo, não sei, mas Deus o sabe — foi arrebatado ao paraíso e ouviu coisas indizíveis, coisas que ao homem não é permitido falar” (12:1–4).
Embora Paulo se coloque a parte desta experiência, ele está obviamente falando de si mesmo, porque prossegue dizendo: “Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelações, foi-me dado um espinho na carne” (12:7). De fato, o espinho na carne foi enviado a ele “por causa da grandeza dessas revelações”. Então, quer estejamos falando de credenciais humanas ou experiências divinas, a resposta de Paulo é que somente um “insensato” confirmaria seu apostolado por meio dessas coisas, mas que, mesmo fazendo isso, Paulo em nada seria inferior aos super-apóstolos (12:11). Ele se coloca a parte disso então, porque prefere se gloriar de suas “fraquezas” (12:5), para que ninguém pense mais dele do que convém (12:6).
Em primeiro lugar, os milagres não são prerrogativas que marcam um verdadeiro apóstolo; caso contrário, o foco de Paulo seria refutar as afirmações feitas por outros, em vez de igualá-las ou excedê-las, e então dizer que isso é “insensatez” (11:1) e que “não ganha nada com isso” (12:1) com toda este orgulho. É um erro pensar que 2 Coríntios 12:12 ensina que o poder de operar milagres é a marca de um apóstolo ou mesmo que o poder de operar milagres pertence exclusivamente ao apóstolo. Algumas traduções praticamente prescrevem essa interpretação em suas versões. A KJV e a ESV são melhores: “Verdadeiramente os sinais do meu apostolado foram manifestados entre vós, com toda a paciência, por sinais, prodígios e maravilhas”; “Os sinais de um verdadeiro apóstolo foram realizados entre vós com a maior paciência, com sinais, prodígios e milagres”. No dia de Pentecostes, os apóstolos eram somente dez por cento daqueles que receberam o poder de realizar milagres (Atos 1:8, 15), e o próprio Paulo declara: “A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum” (1 Coríntios 12:7).
A alegação de que os milagres são “sinais de um apóstolo” ou até mesmo os sinais exclusivos de um apóstolo seria um tiro pela culatra contra Paulo. Sabemos que muitos crentes, além dos apóstolos, operaram milagres. Algumas das mais espetaculares visões e milagres registrados na Bíblia aconteceram com outros discípulos, como Estevão (Atos 6:15, 7:55–56) e Filipe (Atos 8:39–40). A alegação feita então é que, mesmo se milagres foram realizados por outros, eles foram feitos por aqueles que estavam associados com os apóstolos e aprovados pelos apóstolos. A Bíblia contradiz isto (Marcos 9:38–39); além disso, uma vez que isto é adicionado à afirmação original, 2 Coríntios 12:12 se tornaria irrelevante como uma afirmação do apostolado de Paulo, porque significaria que ele não poderia ser nada mais do que um associado de um apóstolo. Na verdade, parece que ele às vezes teve que refutar precisamente essa acusação, e quando o fez, ele não se concentrou em seus milagres como se fossem sinais de um apóstolo, mas ele relatou a história de seu chamado, apelou a Deus como seu testemunha (Gálatas 1:11–2:10), e como ele faz nesta carta aos Coríntios, referiu-se à maneira e ao fruto de seu ministério (Mateus 7:15–23; Gálatas 2:7–8; 2 Coríntios 1:12–14, 3:1–3, 4:1–2, 5:11–20, 6:3–13, 7:2–7, 10:1–12:10).
Ao invés de listar as coisas que fariam uma pessoa parecer forte e qualificada, mas que não poderia mostrar que alguém é um verdadeiro servo ou apóstolo, Paulo escreve: “Se devo me orgulhar, que seja nas coisas que mostram a minha fraqueza” (11:30). Mais uma vez, o que ele quer dizer com “fraqueza”? Ele nos diz imediatamente: “O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é bendito para sempre, sabe que não estou mentindo. Em Damasco, o governador nomeado pelo rei Aretas mandou que se vigiasse a cidade para me prender. Mas de uma janela na muralha fui baixado numa cesta e escapei das mãos dele” (11:31–33). Este é um exemplo das coisas que ele lista em 11:23–28.
Portanto, por “fraqueza” ele se refere às situações difíceis e embaraçosas que ele frequentemente enfrentava. Esses eventos muitas vezes o faziam parecer derrotado, e tiravam-lhe todos os vestígios de dignidade, talvez em nítido contraste com a impressionante ostentação dos falsos apóstolos e falsos mestres. Enquanto os falsos apóstolos jantavam nos melhores restaurantes com ricos homens de negócios, Paulo estava preso em uma cela de prisão imunda ao lado de ladrões e assassinos, e tratado como se fosse um deles. Enquanto os falsos mestres trabalhavam em conjunto com os líderes de construções de igreja, Paulo naufragou, flutuando em mar aberto. Depois, quando teve a chance de visitar alguns de seus filhos espirituais, eles se voltaram contra ele. Eles o desprezavam porque ele não era refinado o suficiente, nem eloquente o suficiente, nem divertido o suficiente.
É decepcionante que nosso texto tenha sido tão frequentemente usado com o propósito de assegurar às pessoas que Deus regularmente se recusa a curar os doentes. Doente? Você está brincando? Paulo recebeu trinta e nove chicotadas cinco vezes (11:24). Eles não utilizavam toalhas de algodão para chicotear pessoas. É incrível que ele ainda tinha costas para serem chicoteadas nas outras quatro vezes. Ele foi espancado com varas três vezes (11:25). Em vez de ficar na cama pelo resto de sua vida com uma espinha quebrada e pernas esmagadas “para a glória de Deus”, ele ainda estava andando — mais do que aqueles que nunca foram chicoteados ou espancados — e pregando o evangelho.
Doente? Com uma doença ocular, você diz? Isso é hilário. Isso é extremamente engraçado. Ele foi apedrejado (11:25). Os judeus não estavam de brincadeira. Quando apedrejavam alguém, apedrejavam para matar. Eles sabiam como fazer isso. Eles eram bons nisso. Estevão foi morto dessa maneira (Atos 7:54–60). Eles não estavam atirando bolinhos para ele. Eles estavam jogando pedras, tão duras quanto podiam, fervendo de raiva e com a intenção de matar — na cabeça, no rosto e em todo o corpo. Eles fizeram isso até se darem por satisfeitos de que ele estaria morto (Atos 14:19). Depois “ele se levantou e voltou à cidade” (v. 20). Os discípulos não o levantaram, nem o levaram de volta. Ele se levantou. Voltou à cidade. Perdoe-o se ele ficou mancando por alguns dias! E só porque você está com uma gripe, você acha que é como ele! Doente? Seria o mesmo que dizer que um homem espiritual estava “passando mal”,¹ cambaleando por todos os lados, por isso é bom que estejamos doentes também, o que na verdade significa que este homem estava se recuperando por ter recebido um corte na cabeça alguns dias antes.
Um apelo à nossa passagem é um erro estratégico para aqueles que desejam minar o poder sobrenatural de Deus, especialmente quando eles estão tão ansiosos para tomar a resposta do Senhor a Paulo e aplicá-la a todos os cristãos. É uma mina terrestre de milagres de cura e experiências carismáticas. Ela só pode aumentar drasticamente nossa fé no poder de cura de Deus e nossa expectativa de que tipos de milagres e experiências são possíveis para aqueles que confiam nele.
Isto é o que Paulo quer dizer com “fraqueza”. Se tem alguma coisa a ver com doenças físicas, está se referindo a algo que deveria ter sido incapacitante, até mesmo fatal. Assim, ele escreve: “Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias” (12:10). Todos os itens vêm em categorias semelhantes, e nenhum deles significa doença. Essa é outra indicação de que a fraqueza não se refere à doença.
Paulo diz: “Se devo me orgulhar, que seja nas coisas que mostram a minha fraqueza” (11:30). Agora entendemos o que isso quer dizer. E por que ele se orgulharia de sua fraqueza? Ele continua: “Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim… Pois, quando sou fraco é que sou forte” (12:9–10). Quando um cristão confia em Jesus Cristo e não em credenciais humanas, eloquência ou carisma, o poder do Senhor é “aperfeiçoado” nele. Quanto mais as pessoas se opõem a ele, e mais o envergonham, e mais o despojam de sua dignidade, mais o poder de Cristo se manifesta.
Nesse contexto, este poder não pode apenas se referir a um poder ético, como sendo uma integridade forte, ou uma resistência emocional. Se estivesse se referindo à uma resistência, deveria incluir uma resistência sobrenatural que permitiria sobreviver a lapidação, chicotadas, espancamentos e naufrágios. É também um poder que permite receber “visões e revelações” (12:1), uma vez que o espinho na carne veio por causa destes em primeiro lugar (12:7), e a declaração do Senhor: “o meu poder é aperfeiçoado na fraqueza” (12:9), refere-se ao mesmo. Este “poder” é mantido num sentido completamente carismático. Mesmo que signifique mais do que isso, não pode significar menos. Se a passagem tem alguma aplicação para o cristão, é esta. Esta aplicação não pode ser negada, e é seguramente traiçoeiro afirmar uma aplicação oposta, como a maioria dos eruditos parecem fazer.
Enquanto estamos nesse assunto, devemos dar uma olhada em Gálatas 4:13: “Como sabem, foi por causa de uma doença que lhes preguei o evangelho pela primeira vez”. Se alguns cristãos estão tão obcecados em limitar o poder da cura de Deus na vida de Paulo, para que eles possam justificar sua própria incredulidade ou encontrar um consolo para sua derrota, este versículo poderia ser mais plausivelmente distorcido para este fim do que 2 Coríntios 12:7.
Primeiro, há alguns que não pensam que o versículo está se referindo a uma doença. Muitas traduções assumem que o versículo faz assim e o declaram como tal, mas algumas colocam “fraqueza da carne” ou “enfermidade da carne”. Adam Clarke acha que Paulo estava apenas sobrecarregado, mas isso parece ser especulação, como as teorias que atribuem doenças específicas no versículo. De qualquer forma, ele aparentemente discorda dessas outras teorias.
John Gill sugere uma série de possibilidades, das quais uma enfermidade física é apenas uma entre várias opções: “Intencionando ou a fraqueza deles, a qual o apóstolo se acomodou na pregação do Evangelho a eles, […] ou a fraqueza de sua presença corporal, a exterior aparência mediana que ele tinha, a desprezibilidade de sua voz, e a grande humildade com que ele se comportou; ou melhor, as muitas censuras, aflições e perseguições que o acompanhavam”.
Embora pareça possível que Gálatas 4:13 esteja se referindo a uma doença, não podemos ter certeza disso. Ninguém pode provar que esteja se referindo a uma doença, não importa o quão veemente seja a tentativa. E se a “fraqueza da carne” não é uma doença, então nada mais precisa ser dito sobre ela em relação ao nosso assunto. No entanto, para que a discussão continue, e para que possamos considerar suas implicações sobre a doutrina da cura no que segue, vamos fingir que o versículo realmente esteja referindo a uma doença. Vamos fingir que Paulo estava realmente doente quando ele pregou aos gálatas.
Se esta “fraqueza da carne” era uma doença, então, contrário ao que muitos comentaristas dizem, é certo que Gálatas 4:13 não se refere à mesma coisa que 2 Coríntios 12:7 — isto porque já estabelecemos que o “espinho na carne” de 2 Coríntios 12:7 não pode se referir a uma doença. Uma vez que Gálatas 4:13 se refere a outra coisa, e não ao “espinho na carne”, isso significa que a resposta do Senhor em 2 Coríntios 12:9 não se aplica à situação de Gálatas 4:13. Não se pode dizer que o Senhor se recusou a curar Paulo em Gálatas 4:13 com base no que ele diz a Paulo em 2 Coríntios 12:9.
Então, mesmo se identificarmos ambos à força, embora toda indicação seja contra isso, ainda seria apenas um caso de uma doença que não foi curada. A aplicação geral seria impossível, pois é óbvio que há muitos casos de cura na Bíblia, e também de promessas amplas de cura (Tiago 5:15). Assim, mesmo se abusássemos de passagens como esta, seria possível fazer apenas um ligeiro progresso na direção da doença. Mas, novamente, isso seria um abuso da Escritura, e portanto, de fato isso não poderia ser feito.
Continuaremos com a suposição de que Gálatas 4:13 esteja se referindo à uma doença. Existe alguma indicação de que tipo de doença pudesse ser? Os comentaristas muitas vezes gostam de sugerir malária por causa da situação local, ou oftalmia por causa de várias expressões que Paulo usou.
Muitos eruditos bíblicos gostam de agir como detetives, contudo, na maioria das vezes acabam mais como a Pantera Cor-de-Rosa do que como Sherlock Holmes. O investigador desajeitado entra na cena do crime. Ele inspeciona o chão com uma lupa, e encontra pegadas formadas por uma substância marrom. Ele pega um pouco e coloca em sua boca… “Hum! Oficial, registre essas pegadas! O criminoso usava botas deste tamanho e, a julgar pelo gosto do estrume, ele veio de uma fazenda próxima!”. O oficial responde: “Senhor, só você que entrou aqui, depois de pisar em algum cocô de cachorro lá fora. São suas pegadas”.
A Bíblia não inclui nenhuma indicação real da situação local, e mesmo se o fizesse, não conteria nenhuma indicação de que Paulo contraiu uma doença que era comum nessa área. É especulação total. Então, outros eruditos leem: “ Que aconteceu com a alegria de vocês? Tenho certeza que, se fosse possível, vocês teriam arrancado os próprios olhos para dá-los a mim” (Gálatas 4:15). Aha! Doença ocular! No entanto, como “o espinho na carne”, que não tem nada a ver com um espinho real, isso poderia ser apenas uma expressão para a forte preocupação das pessoas e disposição sacrificial para com o apóstolo.
Você poderia dizer: “E levaria um tiro por ele”, quando ninguém está realmente atirando no seu amigo. Ou: “Ele é tão gentil cavalheiro que imediatamente lhe daria tudo o que precisasse”,² quando ninguém precisa de uma camisa e ninguém deixou cair nenhum chapéu. Se Paulo tivesse uma doença ocular, o versículo 15 seria consistente com isso, mas o versículo em si não pode indicar que ele tinha essa doença. Então, 6:11 é apenas sua assinatura. Eu conheço alguém que tem uma assinatura tão grande que sua esposa tem que deixar um espaço extra para ele em cada cartão que emitem. Se ele deseja ser enfático, ele pode fazer sua assinatura ainda maior do que o habitual. Não tem nada a ver com a condição de seus olhos.
Outra possibilidade é que Gálatas 4:13 se esteja referindo aos efeitos do seu apedrejamento. Isso poderia implicar que um número significativo de seus leitores o ouviu pela primeira vez após Atos 14:19, ou a ordem dos eventos não seria condizente.
Há várias vantagens para essa teoria. É a única opção que pode ser conectada a algo realmente registrado na Bíblia, e que ocorreu em torno do tempo e do local onde Paulo primeiramente pregou aos seus leitores. O apedrejamento o teria deixado severamente desfigurado, com ferimentos em todo o seu corpo. Sua aparência teria sido muito pior do que se tivesse oftalmia. Isso torna ainda mais impressionante o fato de que os gálatas não trataram Paulo com desprezo por causa de sua aparência (4:14). O sofrimento foi intenso e memorável para ele: “Contudo, vocês sabem muito bem… o que me aconteceu em Antioquia, Icônio e Listra e as perseguições que suportei” (2 Timóteo 3:10–11 NIV). Os cristãos gostam de se identificar com essas coisas, mas Paulo acrescenta: “O Senhor, porém, me livrou de tudo isso” (v. 11), por isso vamos nos identificar com isso também.
No entanto, se isso é o que Gálatas 4:13 refere, então o que parece ser um registro da doença torna-se um testemunho do poder de cura de Deus. De qualquer maneira, nós temos tal testemunho em Atos 14:19–20, entretanto, a questão é se este versículo em Gálatas se refere às consequências do mesmo evento. Em Atos 14, os judeus apedrejaram Paulo até pensarem que ele havia morrido (v. 19). Mesmo que não estivesse morto, aparentemente ele estava tão ferido que os judeus imaginaram que ele estivesse. Se houve algum sinal de movimento, fala, respiração ou qualquer outro sinal de vida, eles não conseguiram detectar. Se ele morreu, Deus o ressuscitou dos mortos. A partir de tal situação, Paulo levantou-se e voltou para a cidade. No dia seguinte, ele estava bem o suficiente para viajar (v. 20). Então, imediatamente ou logo após, ele estava bem o suficiente para pregar, para designar presbíteros, para orar e jejuar, e para viajar um pouco mais (vv. 21–25).
Esta é uma medida assustadora do poder de cura. O homem se recusou a morrer, e se morreu, recuperou-se da própria morte. Isso aconteceu independentemente do que Gálatas 4:13 está falando. No entanto, como não há nada definitivo que relacione Atos 14:19 a Gálatas 4:13 desta maneira, permanece apenas uma possibilidade de que a “fraqueza da carne” esteja se referindo às feridas restantes do apedrejamento.
Preste atenção ao que está no versículo, e ao que não está lá. Podemos dizer com certeza que Paulo tinha uma condição que ele chama de “fraqueza na carne”. Isso poderia ter sido uma doença ou um ferimento. Sua natureza exata é desconhecida. A condição existia quando ele pregou pela primeira vez a tais leitores. Embora os gálatas pudessem tê-lo considerado com desprezo por causa disso, não fizeram isso.
Não podemos dizer que esta era uma doença crônica, porque o texto não diz isso. Não podemos dizer que ele nunca se recuperou, porque o texto não diz isso. Não podemos dizer quanto tempo essa condição permaneceu, se dez horas ou dez anos, porque o texto não diz isso. Ele diz que tinha essa condição quando pregou aos gálatas pela primeira vez. Ele poderia ter se recuperado durante o tempo que esteve com eles ou no momento em que ele os deixou, ou talvez ele nunca se recuperou. Com base no texto, ninguém pode saber, porque não nos diz.
Portanto, o texto por si só não fortalece ou prejudica uma expectativa de cura, porque não nos diz se ele recebeu a cura, e não nos diz se ele nunca recebeu a cura. Ele mostra que um cristão pode ser atacado pela doença, mas isso não é novidade. A Bíblia nos diz o que fazer a respeito: “ Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. E a oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado” (Tiago 5:14–15). Muitas outras passagens encorajam uma expectativa para a cura.
A Bíblia também ensina que a cura pode ser instantânea, mas também pode demorar um pouco. O próprio Jesus ministrou duas vezes a um cego antes deste ficar completamente curado (Marcos 8:22–25). Tiago se refere à oração de Elias no contexto da oração pela cura, e Elias orou sete vezes antes que a resposta viesse (Tiago 5:17–18; 1 Reis 18:41–46). Eliseu teve que orar e se estender sobre uma criança mais de uma vez antes que a criança fosse ressuscitada dos mortos e totalmente restaurada (2 Reis 4:32–35). Muitos têm testemunhado que, embora às vezes levassem horas, dias ou semanas de oração, até mesmo casos incuráveis e terminais foram curados. Assim, mesmo se Paulo não tivesse se recuperado antes de pregar aos gálatas, isso não significa que ele nunca se recuperou. Em vez disso, seu ponto não é que ele estava doente, mas que seus leitores não o desprezaram.
Algumas pessoas fazem grandes esforços para mostrar que Paulo estava doente e não recebeu a cura, ou que ele orou por alguém e essa pessoa não recebeu a cura, mas isso não pode fazer nada além de expor a idolatria deles. Os argumentos deles estão errados, mas colocando isso de lado por enquanto, a questão é por que devemos nos importar com isso, em primeiro lugar. “Foi Paulo crucificado em favor de vocês? Foram vocês batizados em nome de Paulo? […] Afinal de contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos quais vocês vieram a crer” (1 Coríntios 1:13, 3:5). Nós olhamos para Cristo quando pedimos a cura, não para Paulo — e o próprio apóstolo teve que olhar para Cristo.
Quando oro para que alguém receba a cura, eu não oro a Paulo ou em nome de Paulo, mas a Deus e em nome de Jesus Cristo. Portanto, eu olho para as promessas de Deus com respeito a fé, cura e oração. Se Deus diz que a cura nos pertence, então eu posso recebê-la mesmo se Paulo a recebeu ou não. Se Deus disse que podemos orar pelos enfermos e que eles se recuperarão, então eu posso esperar que Deus os cure, mesmo se Paulo foi ou não bem sucedido nisso. Quando as pessoas olham para Paulo para a cura, ou quando baseiam sua crença em teorias sobre a experiência de Paulo, já estão derrotadas. Essas pessoas olham para os homens, e é por isso que elas são fracassadas. Elas estão doentes de espírito, que é o pior tipo de doença. Satanás tem oprimido seus corações, mas Jesus pode livrá-las até mesmo disso.
A verdade é que aqueles que minam a cura na vida de Paulo não querem aprender com ele. Querem usá-lo. Querem distorcer as palavras dele, pisarem nas costas dele, e usá-lo para se exaltarem. Eles querem que suas vidas inúteis e patéticas pareçam faróis de glória.
O espinho na carne foi enviado para aquele que teve as mais extremas experiências carismáticas, que viveu os mais dramáticos milagres, visões, sinais e maravilhas. E isso não pode ser usado para amortecer as expectativas carismáticas, porque foi aplicado sobre alguém que já realizou expectativas carismáticas muito além dos carismáticos medianos, e mesmo além das histórias que os falsos apóstolos inventavam.
Se você afirma que tem um “espinho na carne”, então eu quero ouvir você contar sobre todas as visões e revelações que recebeu, até mesmo a “grandeza” das experiências sobrenaturais. Se você afirma que tem uma enfermidade que Deus se recusa a remover, então eu quero ser testemunha da extrema medida do poder sobrenatural que repousa sobre você — o poder dele está sendo aperfeiçoado na fraqueza. Que milagres de cura, milagres da natureza e milagres do julgamento de Deus devem ter sido realizados através de você!
Eu não quero sobre ouvir como você permaneceu prostrado durante muitas horas por causa de uma terrível diarreia que sofreu depois de alguma comida tailandesa ruim. Não, eu quero ouvir sobre como você estava pregando em algum lugar desconhecido do mundo, e um xamã nativo decapitou sua cabeça. Você subiu ao céu, jogou queimada com os anjos, e Jesus era o árbitro. Então você retornou dos mortos, colocou sua própria cabeça no lugar e ainda conseguiu continuar caminhando e pregando o evangelho enquanto guerreiros nativos o perseguiram com bazucas apontadas para suas costas, porque o poder da cura de Deus que se desencadeou através de você permanecia como a maior ameaça à indústria de armas biológicas deles. Eu aceitaria isso como uma versão moderna do que Paulo experimentou. Agora, se você afirmasse que tem um espinho na carne, eu não diria uma palavra.
Se você não tem nada, então você não tem um espinho na carne. Você tem muitas desculpas, incredulidade, falsa doutrina e orgulho religioso. Você não tem um espinho na carne. Você é um espinho na carne daqueles que confiam em Deus para receberem libertação. Você não tem enfermidades. Você tem pequenos aborrecimentos em sua vida que você exagera, a fim de fazer perecer que é alguém grande, quando na verdade você é um hipócrita religioso.
Os falsos mestres do cessacionismo e da tradição vêm a nós pregando um Jesus diferente (aquele que não batiza com o Espírito Santo: Mateus 3:11; Marcos 1:8; Lucas 3:16; João 1:33), um espírito diferente do Espírito Santo, que não concede poder miraculoso (Atos 1:4–8, 2:1–4, 17–18; 1 Coríntios 12:7), e um evangelho diferente (um evangelho que não inclui a cura e os milagres: Mateus 8:17; Gálatas 3:5; Tiago 5:14–18). Vamos aturar isso? Em vez de se aventurar no mundo com fé e poder, e correr o risco de enfrentar os perigos que Paulo encontrou, a doutrina da doença permite que alguém sofra no conforto da sua própria casa e se sinta como um herói ao mesmo tempo. Ele é elogiado apenas por estar doente. Ele é uma fraude religiosa. A Bíblia ensina uma doutrina de cura, poder e milagres. Quando isso resulta em alívio e conforto, damos graças a Deus e testemunhamos a sua bondade, e usamos nossa força renovada para cumprir a comissão do Senhor.
Eles se queixam de que um evangelho de cura e poder promete aos homens que a fé em Deus os isentará de todos os problemas. Se algumas pessoas ensinam isso, não se tratando de alguma deturpação ou declaração tirada do seu contexto, deve ser tão raro que eu nunca ouvi em mais de vinte anos, nem mesmo daqueles que são considerados os mais zelosos mestres da “saúde e riqueza”. De fato, mesmo os mais heréticos, ninguém pode ouvi-los por muito tempo antes de eles alertarem sobre o mal-entendido de que a fé em Deus implicaria numa vida livre de problemas, nem mesmo dos menores problemas. A crítica é apenas um espantalho e calúnia.
Em vez disso, frequentemente eles referem ao versículo: “O justo passa por muitas adversidades, mas o SENHOR o livra de todas” (Salmo 34:19). Essas pessoas insistem que os cristãos enfrentarão problemas, mas também pregam a libertação, porque a Bíblia promete isso. Os cristãos podem ser atacados, mas podem vencer, pela fé em Deus. Por outro lado — e é claro que eu não estudei todos os sermões do mundo inteiro — eu não ouço seus críticos usarem este versículo. A primeira parte lhes ofereceria conforto, mas a segunda parte seria um espinho na carne. Eles evitam passagens da Bíblia que prometem cura, provisões e respostas à oração. Quando as mencionam, então sufocam-nas sob mil restrições, e denunciam aqueles que acreditam nelas.
Eles retratam a fé como um engano que faz coceira nos ouvidos, mas a incredulidade como uma defesa do evangelho. Deus quer que tenhamos uma fé que possa mover montanhas, e que possa receber respostas à oração (Marcos 11:22–24). Se existe o perigo de uma fé equivocada ou presunçosa, a heresia da incredulidade é muito pior. É a ilusão satânica de que a dor é igual à piedade. Mas não nos enganemos de que nunca iremos encontrar problemas, porque sabemos que quando saímos para realizar as obras de Cristo, mesmo que os pagãos se regozijem com o evangelho, os cessacionistas estarão lá para nos impedir. Deus pode removê-los, mas muitas vezes ele só aumenta o poder (Atos 4:29–31; 2 Coríntios 12:9–10).
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¹ Nota do Tradutor: A expressão usada aqui no original foi under the weather, que passa a ideia de um mal-estar muito generalizado. Uma tradução válida é a expressão em português “passar mal”. Isso porque “passar mal” pode ser qualquer coisa: dor de cabeça, ressaca, indisposição, queda de pressão, etc. O ponto do autor é que muitas pessoas tendem a associar qualquer “mal-estar” que sentem, por mais bobo que seja, ao sofrimento do nível que o apóstolo Paulo sofreu.
² Nota do Tradutor: O texto original diz: “He is such kind gentleman, he would give you the shirt off his back at the drop of a hat”, sendo que a expressões the shirt off (one’s) back e at the drop of a hat não se traduzem e nem devem ser entendidas literalmente. The shirt off (one’s) back, numa tradução literal (e errada, diga-se de passagem) seria algo como “a camisa das costas (de alguém)”, mas a tradução correta significa qualquer coisa ou tudo que alguém possui para oferecer. Semelhantemente, a expressão at the drop of a hat literalmente significa “ao cair de um chapéu”, mas na verdade se trata de uma metáfora que significa “imediatamente”, “rapidamente” ou “num piscar de olhos”. O ponto do autor é que os tais eruditos bíblicos entendem literalmente certas expressões metafóricas da Bíblia, “quando ninguém precisa de uma camisa e ninguém deixou cair nenhum chapéu”.
Vincent Cheung. A Thorn in the Flesh. Disponível em Sermonettes — Volume 8, pp. 4–13. Traduzido por Luan Tavares em 29/07/2019.