Teologia da Guerra

Vincent Cheung, Renewing the Mind (2013).

As Obras de Vincent Cheung
18 min readSep 19, 2021

A fé cristã é essencialmente não violenta. No entanto, algumas pessoas afirmam que ela proíbe toda a força física, independentemente das circunstâncias. Elas pensam que a posição cristã é o pacifismo religioso — é imoral e pecaminoso participar de qualquer guerra, e ninguém nunca tem o direito ou o dever de tirar vidas. Embora essas pessoas se considerem cheias de amor e obediência, a posição delas na verdade representa um desafio flagrante contra o que Deus revelou sobre o assunto.

A Bíblia registra muitos casos em que o povo de Deus foi para a guerra por sua ordem ou aprovação:

Sucedeu que os amalequitas vieram atacar os israelitas em Refidim. Então Moisés disse a Josué: “Escolha alguns dos nossos homens e lute contra os amalequitas. Amanhã tomarei posição no alto da colina, com a vara de Deus em minhas mãos”. Josué foi então lutar contra os amalequitas, conforme Moisés tinha ordenado. Moisés, Arão e Hur, porém, subiram ao alto da colina. Enquanto Moisés mantinha as mãos erguidas, os israelitas venciam; quando, porém, as abaixava, os amalequitas venciam. Quando as mãos de Moisés já estavam cansadas, eles pegaram uma pedra e a colocaram debaixo dele, para que nela se assentasse. Arão e Hur mantiveram erguidas as mãos de Moisés, um de cada lado, de modo que as mãos permaneceram firmes até o pôr do sol. E Josué derrotou o exército amalequita ao fio da espada. Depois o SENHOR disse a Moisés: “Escreva isto num rolo, como memorial, e declare a Josué que farei que os amalequitas sejam esquecidos para sempre debaixo do céu”. Moisés construiu um altar e chamou-lhe “o SENHOR é minha bandeira”. E jurou: “Pelo trono do SENHOR! O SENHOR fará guerra contra os amalequitas de geração em geração”. (Êxodo 17:8–15)

Depois da morte de Moisés, servo do SENHOR, disse o SENHOR a Josué, filho de Num, auxiliar de Moisés: “Meu servo Moisés está morto. Agora, pois, você e todo este povo preparem-se para atravessar o rio Jordão e entrar na terra que eu estou para dar aos israelitas. Como prometi a Moisés, todo lugar onde puserem os pés eu darei a vocês. Seu território se estenderá do deserto ao Líbano, e do grande rio, o Eufrates, toda a terra dos hititas até o mar Grande, no oeste. Ninguém conseguirá resistir a você todos os dias da sua vida. Assim como estive com Moisés, estarei com você; nunca o deixarei, nunca o abandonarei. (Josué 1:1–5)

Deus iniciou uma série de guerras para cumprir seus planos e propósitos, e muitas delas não foram travadas em legítima defesa. Quando o rei Saul desobedeceu a Deus e poupou o rei Agague, Samuel se apressou em cumprir a tarefa: “Samuel, porém, disse: ‘Assim como a sua espada deixou mulheres sem filhos, também sua mãe, entre as mulheres, ficará sem o seu filho’. E Samuel despedaçou Agague perante o SENHOR, em Gilgal” (1 Samuel 15:33).

Quando o povo de Deus o questionava sobre as decisões militares, ele frequentemente respondia com aprovação e segurança, e às vezes ditava as estratégias que os levavam à vitória:

Quando Davi e seus soldados chegaram a Ziclague, no terceiro dia, os amalequitas tinham atacado o Neguebe e incendiado a cidade de Ziclague. Levaram como prisioneiros todos os que lá estavam: as mulheres, os jovens e os idosos. A ninguém mataram, mas os levaram consigo, quando prosseguiram seu caminho. Ao chegarem a Ziclague, Davi e seus soldados encontraram a cidade destruída pelo fogo e viram que suas mulheres, seus filhos e suas filhas tinham sido levados como prisioneiros. Então Davi e seus soldados choraram em alta voz até não terem mais forças. As duas mulheres de Davi também tinham sido levadas: Ainoã, de Jezreel, e Abigail, de Carmelo, a que fora mulher de Nabal. Davi ficou profundamente angustiado, pois os homens falavam em apedrejá-lo; todos estavam amargurados por causa de seus filhos e de suas filhas. Davi, porém, fortaleceu-se no SENHOR, o seu Deus. Então Davi disse ao sacerdote Abiatar, filho de Aimeleque: “Traga-me o colete sacerdotal”. Abiatar o trouxe a Davi, e ele perguntou ao SENHOR: “Devo perseguir esse bando de invasores? Irei alcançá-los?” E o SENHOR respondeu: “Persiga-os; é certo que você os alcançará e conseguirá libertar os prisioneiros”. (1 Samuel 30:1–8)

Então o Espírito do SENHOR veio sobre Jaaziel, filho de Zacarias, neto de Benaia, bisneto de Jeiel e trineto de Matanias, levita e descendente de Asafe, no meio da assembleia. Ele disse: “Escutem, todos os que vivem em Judá e em Jerusalém e o rei Josafá! Assim diz o SENHOR a vocês; ‘Não tenham medo nem fiquem desanimados por causa desse exército enorme. Pois a batalha não é de vocês, mas de Deus. Amanhã, desçam contra eles. Eis que virão pela subida de Ziz, e vocês os encontrarão no fim do vale, em frente do deserto de Jeruel. Vocês não precisarão lutar nessa batalha. Tomem suas posições, permaneçam firmes e vejam o livramento que o SENHOR dará, ó Judá, ó Jerusalém. Não tenham medo nem desanimem. Saiam para enfrentá-los amanhã, e o SENHOR estará com vocês’”. Josafá prostrou-se com o rosto em terra, e todo o povo de Judá e de Jerusalém prostrou-se em adoração perante o SENHOR. (2 Crônicas 20:14–18)

E disse o SENHOR a Josué: “Não tenha medo! Não desanime! Leve todo o exército com você e avance contra Ai. Eu entreguei nas suas mãos o rei de Ai, seu povo, sua cidade e sua terra. Você fará com Ai e seu rei o que fez com Jericó e seu rei; e desta vez vocês poderão se apossar dos despojos e dos animais. Prepare uma emboscada atrás da cidade”. (Josué 8:1–2)

Como disse Davi: “Bendito seja o SENHOR, a minha Rocha, que treina as minhas mãos para a guerra e os meus dedos para a batalha” (Salmo 144:1). A Bíblia retrata o próprio Deus como um poderoso guerreiro, um lutador ativo na guerra, vencendo seus inimigos:

O SENHOR é guerreiro, o seu nome é SENHOR. (Êxodo 15:3)

Sempre que a arca partia, Moisés dizia: “Levanta-te, ó SENHOR! Sejam espalhados os teus inimigos e fujam de diante de ti os teus adversários”. (Números 10:35)

Os carros de Deus são incontáveis, são milhares de milhares; neles o SENHOR veio do Sinai para o seu Lugar Santo. Quando subiste em triunfo às alturas, ó SENHOR Deus, levaste cativos muitos prisioneiros; recebeste homens como dádivas, até mesmo rebeldes, para estabeleceres morada. (Salmo 68:17–18)

O SENHOR sairá como homem poderoso, como guerreiro despertará o seu zelo; com forte brado e seu grito de guerra, triunfará sobre os seus inimigos. (Isaías 42:13)

O Novo Testamento não contém o mesmo tipo de passagens sobre a guerra, mas isso não se traduz em falta de clareza sobre o assunto, porque o Novo está em concordância implícita com o Antigo. Não há razão para supor uma dicotomia nítida entre o Antigo e o Novo Testamento, quando a própria Bíblia afirma uma unidade essencial. Como Loraine Boettner escreve: “Não há absolutamente nenhuma dúvida de que no Antigo Testamento as guerras eram sancionadas como um meio de obter fins justos […]. Quando entendidos corretamente, os dois Testamentos são complementares, não contraditórios. O silêncio do Novo Testamento sobre o assunto da guerra aparentemente repousa na suposição de que o assunto foi tratado adequadamente e não exigia qualquer adição ou modificação”.[1] O Novo Testamento não ensina o pacifismo e não subverte a visão do Antigo Testamento sobre a guerra.

Jesus diz em Mateus 5:39: “Mas eu digo: Não resistam ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra”. Isso geralmente é usado para apoiar o pacifismo. No entanto, devemos ser sensíveis ao uso de linguagem hiperbólica. O versículo aparece em um contexto onde Jesus também diz: “Se o seu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno. E, se a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ir todo ele para o inferno” (Mateus 5:29–30).

Embora seja literalmente verdade que é melhor perder uma parte do corpo do que ser lançado no inferno, Jesus não defende isso como uma solução para o pecado; em vez disso, ele está usando uma linguagem gráfica para ensinar o que foi chamado de mortificação da carne. É possível que Jesus também empregue uma hipérbole no versículo 39. Ele ensina contra se vingar de insultos e erros pessoais, e não constitui uma aceitação de abuso. Tanto Jesus como Paulo evidenciam este entendimento:

Enquanto isso, o sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e dos seus ensinamentos. Respondeu-lhe Jesus: “Eu falei abertamente ao mundo; sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde todos os judeus se reúnem. Nada disse em segredo. Por que me interrogas? Pergunta aos que me ouviram. Certamente eles sabem o que eu disse”. Quando Jesus disse isso, um dos guardas que estava perto bateu-lhe no rosto. “Isso é jeito de responder ao sumo sacerdote?”, perguntou ele. Respondeu Jesus: “Se eu disse algo de mal, denuncie o mal. Mas, se falei a verdade, por que me bateu?” (João 18:19–23)

Paulo, fixando os olhos no Sinédrio, disse: “Meus irmãos, tenho cumprido meu dever para com Deus com toda a boa consciência, até o dia de hoje”. Diante disso o sumo sacerdote Ananias deu ordens aos que estavam perto de Paulo para que lhe batessem na boca. Então Paulo lhe disse: “Deus te ferirá, parede branqueada! Estás aí sentado para me julgar conforme a lei, mas contra a lei me mandas ferir?” (Atos 23:1–3)

Eles não “deram a outra face”, mas criticaram a violência injusta usada contra eles. Assim, o Sermão da Montanha não ensina que não se deve sempre mostrar nenhuma reação diante de um tratamento injusto.

Além disso, Mateus 5:39 se aplica à injustiça pessoal e não proíbe a ação militar, pena de morte ou autodefesa. Mas o versículo é frequentemente usado para proibir essas outras coisas, em vez de encorajar a paciência quando alguém sofre insultos e erros pessoais. Como Boettner explica: “Se formos verdadeiramente cristãos, viveremos vidas altruístas, nem sempre buscando reivindicar nossa própria dignidade mesquinha, mas retribuindo o bem com o mal […], uma quantidade razoável de paciência de nossa parte, juntamente com a manifestação de um bom motivo, irá percorrer um longo caminho para amenizar as dificuldades”.[2] Este é o significado pretendido do versículo. Ele não exclui o uso de força física por razões de justiça retributiva, segurança nacional e assim por diante.

João Batista “percorreu toda a região próxima ao Jordão, pregando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados” (Lucas 3:3). Alguns soldados lhe perguntaram: “E nós, o que devemos fazer?”. João sabia que os soldados romanos lutaram em guerras e mataram pessoas, e se houvesse uma oportunidade de falar contra o serviço militar, seria esta. Mas ele respondeu: “Não pratiquem extorsão nem acusem ninguém falsamente; contentem-se com o seu salário” (v. 14). Ele os advertiu sobre as tentações que frequentemente enfrentavam, mas não falou contra sua profissão, e não os chamou de assassinos ou coisa parecida.

O pacifista costuma usar o sexto mandamento para condenar todas as guerras: “Não matarás” (Êxodo 20:13, KJV). A tradução da palavra hebraica rasah (ou ratsach) como “matar” tem sido o motivo de muita confusão sobre guerra, pena de morte e autodefesa. A NIV declara corretamente o mandamento como: “Não assassinarás”. É “uma leitura mais precisa do que o ‘não matarás’ muito geral da KJV”.[3]

Assassinato é o término deliberado de uma vida humana sem justificativa bíblica. Essa justificativa é uma razão derivada da Bíblia que estabelece o assassinato como moralmente aceitável ou mesmo necessário de acordo com a ordem de Deus. Se matar uma pessoa requer tal justificativa na mente de quem mata, então o assassinato não é apenas um ato físico, mas é tanto intelectual quanto físico. Isso é consistente com Mateus 5:22 e 1 João 3:15[4] — aquele que ataca com a intenção injustificada de matar é um assassino aos olhos de Deus, mesmo que a vítima sobreviva.[5] De fato, Deus o considera um assassino, mesmo que ele não ataque de forma alguma.

Há quem queira pensar que o mandamento define todo assassinato intencional de seres humanos como assassinato. No entanto, se eles se apegarem apenas às palavras do mandamento e se recusarem a permitir que o restante da Bíblia defina o que o mandamento significa, então o versículo poderia condenar até mesmo a morte de vegetais e bactérias, uma vez que não exclui nada em seu texto. Apenas por estarem vivas, essas pessoas matam continuamente bactérias, vírus e outras coisas, e matam vegetais e talvez até animais para se alimentarem. Portanto, aqueles que se recusam a permitir que outras partes da Bíblia definam o significado desse mandamento se condenam como assassinos. De acordo com seus padrões, eles próprios cometem assassinato, mas ditam aos outros o que podem matar. Eles se valem de várias palavras da Bíblia para promover seu preconceito farisaico, mas o tiro sai pela culatra. A Bíblia limita claramente a definição de assassinato, de modo que não se refere ao assassinato de qualquer coisa por qualquer motivo.

Deus permite a matança de animais para alimentação: “Todos os animais da terra tremerão de medo diante de vocês: os animais selvagens, as aves do céu, as criaturas que se movem rente ao chão e os peixes do mar; eles estão entregues em suas mãos. Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês. Assim como dei a vocês os vegetais, agora dou todas as coisas” (Gênesis 9:2–3).[6] Portanto, não é assassinato matar um animal. Ainda não é assassinato matar um animal que pertence a outra pessoa sem sua permissão, mas seria roubo. Deus fornece instruções para o tratamento de animais e adverte contra abuso, e Provérbios 12:10 (ARA) diz: “O justo atenta para a vida dos seus animais”. No entanto, um homem justo pode matar seu gado para colocar comida na mesa, e ele não cometeu assassinato.

Então, Deus restringe a definição de homicídio ao assassinato de seres humanos, porque os fez à sua imagem: “Quem derramar sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado; porque à imagem de Deus foi o homem criado” (Gênesis 9:6). O versículo institui a pena de morte como a compensação apropriada para o homicídio, mas a execução em si não é homicídio. Pelo mesmo princípio, nem todas as guerras envolvem assassinato, uma vez que algumas guerras são divinamente sancionadas, seja por revelação especial ou por preceitos bíblicos.

A Escritura deve ser interpretada pela Escritura. Qualquer passagem deve ser entendida à luz de todo o escopo da revelação divina — nunca fora do contexto, e frequentemente não apenas dentro de seu contexto imediato. Em qualquer caso, as mesmas pessoas que distorcem o mandamento sobre o assassinato frequentemente se recusam a reconhecer a condenação da Bíblia contra a homossexualidade, o materialismo, a adivinhação e as religiões não cristãs, mas pensam que ocupam uma posição moral elevada quando se trata de assassinato. Elas são hipócritas moralistas.

Antes de ser preso, Jesus instruiu seus discípulos: “Então Jesus lhes perguntou: ‘Quando eu os enviei sem bolsa, saco de viagem ou sandálias, faltou alguma coisa?’ ‘Nada’, responderam eles. Ele lhes disse: ‘Mas agora, se vocês têm bolsa, levem-na, e também o saco de viagem; e, se não têm espada, vendam a sua capa e comprem uma’” (Lucas 22:35–36). Alguns pacifistas afirmam que a espada se refere à “espada do Espírito” (Efésios 6:17), mas a bolsa, o saco de viagem, a capa e as sandálias não são figurativos e não há razão para acreditar que a espada seja figurativa. De fato, a interpretação é impossível porque não se pode vender uma capa por dinheiro para comprar a espada do Espírito. Da mesma forma, ao contrário de outra afirmação absurda, a espada não representa uma atitude espiritual agressiva, uma vez que não se pode vender uma capa por dinheiro para comprar uma atitude.

Jesus disse claramente a seus discípulos para comprar armas para autodefesa. Ele logo os deixaria e então os instruiu a obter ferramentas de autopreservação, como sandálias e espadas. Deus permite que adquiramos ferramentas, incluindo armas, para garantir nossa própria segurança e bem-estar, embora essa liberdade seja provavelmente regulamentada e restringida pelas leis do país.

Quando Jesus foi traído e preso, Pedro[7] golpeou com sua espada e feriu um dos homens: “Enquanto ele ainda falava, apareceu uma multidão conduzida por Judas, um dos Doze. Este se aproximou de Jesus para saudá-lo com um beijo. Mas Jesus lhe perguntou: ‘Judas, com um beijo você está traindo o Filho do homem?’ Ao verem o que ia acontecer, os que estavam com Jesus lhe disseram: ‘Senhor, atacaremos com espadas?’ E um deles feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. Jesus, porém, respondeu: ‘Basta!’ E tocando na orelha do homem, ele o curou” (Lucas 22:47–51).

Os pacifistas objetam que Jesus deteu os discípulos e curou aquele já ferido por Pedro. O relato de Mateus acrescenta: “Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão” (Mateus 26:52). Concordamos que Jesus não queria que os discípulos o defendessem neste caso, mas a passagem não pode mostrar que ele se opôs ao uso de armas em legítima defesa. Foi ele quem disse aos discípulos que comprassem espadas, e então lemos: “Então, lhe disseram: Senhor, eis aqui duas espadas! Respondeu-lhes: Basta!” (Lucas 22:38, ARA). Uma interpretação afirma que Jesus exclamou: “Basta!” — isto é, para expressar frustração porque os discípulos o entenderam mal quando ele estava de fato se referindo à espada do Espírito. Novamente, esta interpretação é falsa, porque ele disse aos discípulos para venderem suas capas para comprar espadas, mas a espada do Espírito não se compra com dinheiro.

Ele disse: “Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão”. A afirmação veio na forma de um provérbio, o que afeta o sentido e uso pretendidos, mas podemos responder à interpretação pacifista sem explorar esse fato. Primeiro, se era para ser uma proibição universal contra a violência, mesmo em legítima defesa, ele poderia ter instruído os discípulos a se livrarem de suas espadas, mas não o fez. Então, ele disse: “Guarde a espada!” (Mateus 26:52), em vez de descartá-la. Se ele não queria que os discípulos possuíssem e usassem armas, esta seria outra oportunidade perdida de contar a eles.

Por fim, o motivo óbvio de que Jesus restringiu os discípulos está registrado no relato de João: “Jesus, porém, ordenou a Pedro: ‘Guarde a espada! Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu?’” (João 18:11). Ele tinha falado aos discípulos sobre as coisas que ele deveria sofrer (Mateus 16:21), e esta era uma situação onde a injustiça não deveria ser resistida: “Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu?”. Ele deveria sofrer por nossa causa. Foi ele quem foi preso e cabia a ele entregar a si mesmo para que pudéssemos ser salvos. Os pacifistas negligenciam o próprio sacrifício de Cristo a fim de promover a própria interpretação moralista deles. Este pecado é pior do que assassinato.

Outra objeção popular contra a força física é a ordem de “Ame o seu próximo como a si mesmo” (Mateus 22:39). Vimos que as definições dos termos são cruciais, e a definição pacifista de assassinato é antibíblica e ridícula. A definição pacifista de amor também é falsa. A Escritura deve interpretar a Escritura, de modo que o que é declarado em uma parte da Bíblia deve ser definido e ilustrado por outras partes da Bíblia.

Primeiro, o uso da força e o mandamento do amor não são mutuamente exclusivos. Vimos o que o Antigo Testamento diz sobre a guerra, mas é o mesmo Antigo Testamento que dá o mandamento do amor: “Não procurem vingança nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o SENHOR” (Levítico 19:18). Portanto, rejeitamos a visão de que o Antigo Testamento ensina uma “ética da lei” que é substituída por uma “ética do amor” do Novo Testamento. A Bíblia é um livro e ensina uma visão da lei e do amor. Ambos os Testamentos declaram o mesmo mandamento de amor e assumem a mesma definição de amor.

Romanos 13:10 oferece uma definição de amor: “Portanto, o amor é o cumprimento da lei”.[8] O amor não abole a lei de Deus, mas a cumpre. O amor executa o que a lei ordena. Gálatas 5:14 diz que o amor é um resumo da lei, e não uma substituição: “Toda a Lei se resume num só mandamento: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’”. Um resumo que não resume nada não tem sentido. Visto que o resumo se refere ao que resume, então o que está resumido deve permanecer; caso contrário, o resumo não se referiria a nada e não seria nada. Portanto, o significado do amor depende da lei de Deus.

Há o ensino de que se alguém anda em amor, não precisará obedecer conscientemente aos Dez Mandamentos. Aquele que ama outro não o matará, não o roubará, não mentirá para ele, e assim por diante. No entanto, se não houver mandamentos contra essas coisas, é impossível saber que o amor não faria essas coisas. Milhões de pessoas cometeram os pecados de assassinato, adultério, homossexualidade, roubo e perjúrio em nome do “amor”, mas essa não é a ideia bíblica de amor. O “amor” por si só não tem conteúdo e permanece indefinido. Deus define o amor por seus mandamentos.

Jesus disse: “Se vocês me amam, obedecerão aos meus mandamentos” (João 14:15). Andar em amor é obedecer às leis de Deus, incluindo os Dez Mandamentos. Conforme profetizou Ezequiel: “Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e, em troca, darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agir segundo os meus decretos e a obedecer fielmente às minhas leis” (Ezequiel 36:26–27). O cristão não está livre das leis de Deus, mas recebeu o desejo e a capacidade de obedecê-las.

No lugar onde a Bíblia diz: “O amor não pratica o mal contra o próximo” (Romanos 13:10), também diz que Deus ordenou que o oficial da lei punisse o transgressor com a espada: “Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas, se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal” (v. 4). Os pacifistas impõem sua própria definição de amor na Bíblia, de modo que ela não pode acomodar o versículo 4, e deve perverter o significado do versículo 10. É inútil consultar um texto se nos recusamos a permitir que ele defina seus próprios termos. Se permitirmos que a Bíblia defina o amor por si mesma, não haverá contradição. Ela ensina que o mandamento do amor nem sempre exclui o uso da força.

Essa diferença na definição de amor alimenta numerosos conflitos entre cristãos e não cristãos. Alguns não cristãos imporiam sua definição antibíblica ao mandamento do amor, e então tentariam manipular os cristãos com ela. A noção de amor deles proíbe palavras e ações que eles consideram ofensivas e, portanto, os cristãos que condenam seus pecados são considerados sem amor. No entanto, os cristãos são obrigados a amar apenas conforme a Bíblia define o termo. Se andarmos em amor, falaremos a verdade (Efésios 4:15). Como diz a Bíblia: “Não participem das obras infrutíferas das trevas; antes, exponham-nas à luz” (Efésios 5:11).

Se os não cristãos desejam nos responsabilizar por um mandamento da Bíblia, então eles não podem reclamar quando cumprimos todos os mandamentos da Bíblia ao condenarmos o adultério, a homossexualidade, o aborto, a cobiça, a desonestidade, a embriaguez, todas as crenças e religiões não cristãs, e muitas outras coisas. A Bíblia diz: “Deus é amor” (1 João 4:8), e o mesmo Deus envia os não cristãos para o inferno (Mateus 10:28). Portanto, a ideia bíblica de amor é consistente com a verdade, a justiça e o fogo do inferno.

É claro que os pacifistas não cristãos não se importam com o que a Bíblia diz; em vez disso, eles favorecem um princípio ideológico que não foi examinado, mas que lhes foi ensinado. Eles são como aqueles que dizem: “Vou pensar por mim mesmo — não vou deixar ninguém me dizer em que acreditar”, quando esse mesmo princípio veio de seus pais e professores. Na verdade, eles apenas se recusam a ouvir de Deus, mas permanecem suscetíveis a todos os tipos de influências de sua cultura. Eles acreditam que são pensadores independentes, mas são apenas peões e idiotas totais.

Os professores não cristãos dizem a eles, na verdade: “Não deixe ninguém dizer o que você deve pensar — pense por si mesmo. E nesta palestra, direi exatamente o que você deve pensar quando pensa por si mesmo”. Os alunos que ousam se opor à evolução, à homossexualidade, ao aborto e outros dogmas não cristãos descobrem que os professores não querem que eles sejam independentes, nem mesmo um pouco. É uma farsa. É uma seita: “Você é livre para ir, mas não se atreva a sair”. Em contraste, não nos gabamos estupidamente do pensamento independente, mas percebemos que é necessário nos submeter a um primeiro princípio ou autoridade última. A questão é qual princípio ou autoridade oferece a verdade. Os homens submeterão seus pensamentos a Deus e ganharão a própria mente de Cristo, ou serão enredados nos enganos de Satanás, chafurdando em teorias e mentiras absurdas, pensando o tempo todo que são pioneiros intelectuais e heróis.

[1] Loraine Boettner, The Christian Attitude Toward War; Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1985; pp. 18–19.

[2] Ibidem, p. 20

[3] R. Laird Harris, editor, Theological Wordbook of the Old Testament, vol. 2; Chicago: Moody Press, 1980; p. 860.

[4] “Mas eu digo a vocês que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco!’, corre o risco de ir para o fogo do inferno” (Mateus 5:22). “Quem odeia seu irmão é assassino, e vocês sabem que nenhum assassino tem a vida eterna em si mesmo” (1 João 3:15).

[5] Aquele que acidentalmente mata outro é responsabilizado, mas não é o mesmo que assassinato. Veja Números 35:10–15.

[6] A expressão “tudo o que vive e se move” não inclui os seres humanos, mas se refere a “Todos os animais da terra […], as aves do céu […] e os peixes do mar”.

[7] Veja João 18:10.

[8] 1 Coríntios 13 contém uma descrição do amor, não uma definição.

Vincent Cheung. Theology of War. Disponível em Renewing the Mind (2013), pp. 35–43. Tradução: Luan Tavares (19/09/2021).

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© Vincent Cheung. A menos que haja outra indicação, as citações bíblicas usadas nesta tradução pertencem à BÍBLIA SAGRADA, NOVA VERSÃO INTERNACIONAL ® NVI ® Copyright © 1993, 2000, 2011 de Sociedade Bíblica Internacional. Todos os direitos reservados.

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Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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