Teocentrismo vs. Antropocentrismo

As Obras de Vincent Cheung
8 min readDec 28, 2020

--

Saiba disto: nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis. Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder. Afaste-se desses também.

São esses os que se introduzem pelas casas e conquistam mulheres instáveis sobrecarregadas de pecados, as quais se deixam levar por toda espécie de desejos. Elas estão sempre aprendendo, mas jamais conseguem chegar ao conhecimento da verdade. Como Janes e Jambres se opuseram a Moisés, esses também resistem à verdade. A mente deles é depravada; são reprovados na fé. Não irão longe, porém; como no caso daqueles, a sua insensatez se tornará evidente a todos. (2 Timóteo 3:1–9)

O traço fundamental desses não cristãos, quer estejamos falando de sua doutrina ou caráter, é que eles são “egoístas” e “amantes dos prazeres” em vez de “amigos de Deus”. Isto é similar ao que queremos dizer quando dizemos que as doutrinas e a ética cristã são centradas em Deus, enquanto as doutrinas e a ética não cristãs são centradas no homem. Chamamos um de pensamento teocêntrico e o outro de pensamento antropocêntrico.

O pensamento antropocêntrico coloca o homem no centro de uma cosmovisão e coloca certas suposições sobre o homem que são consideradas essenciais e inegociáveis. Essas suposições são consideradas essenciais e inegociáveis não porque sejam racionalmente necessárias, mas porque são desejáveis ​​e consistentes com as inclinações ímpias dos não regenerados. Elas são racionalmente arbitrárias e injustificadas. Uma vez que essas suposições estejam estabelecidas, todas as outras coisas são categorizadas, priorizadas e interpretadas relacionando-as a essa preocupação central, o homem, de uma maneira que seja consistente e controlada por essas suposições essenciais e inegociáveis.

Por exemplo, se é considerado importante para o homem possuir livre-arbítrio, então esta é uma suposição básica pela qual até mesmo a natureza e a ação de Deus são interpretadas. Os cristãos muitas vezes não conseguem se libertar do pensamento centrado no homem, de modo que introduzem as preocupações centradas no homem em suas construções teológicas. Assim, temos heresias como o arminianismo e o teísmo aberto. Um exemplo mais sutil seria uma doutrina enganosa como o compatibilismo. Uma teologia centrada em Deus atribuiria todo poder, toda causa e toda liberdade a Deus, e negaria que o homem tem livre-arbítrio. O fundamento da responsabilidade moral dependeria unicamente da soberania de Deus e não de qualquer liberdade ou escolha no homem.

A natureza do centro, ou fundação de uma cosmovisão determina o restante do sistema de pensamento. Por exemplo, um sistema centrado no homem pode assumir a confiabilidade da sensação humana em vez da confiabilidade da revelação divina, e, a partir disso, o sistema também pode depender do método falacioso da experimentação científica. Os cristãos que permanecem cativos do pensamento centrado no homem tornam a confiabilidade da sensação uma pré-condição para qualquer confiança na revelação divina. Isso coloca o próprio homem como o centro de todo conhecimento. Há uma escola de pensamento que faz isso, mas ao mesmo tempo é famosa por afirmar que Deus é a pressuposição ou pré-condição de todo conhecimento! Como Paulo escreve, “impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados”. É centrada em Deus apenas na aparência, pelo menos para aqueles que são enganados por suas alegações, mas na realidade é centrada no homem.

Então, quando se trata de ética centrada no homem, certo e errado não são definidos pelos mandamentos divinos, mas pela relação de uma determinada ação com as suposições básicas sobre o homem. Assim, porque a dignidade e o bem-estar do homem são primordiais, uma ação pode ser considerada moralmente aceitável simplesmente porque, na opinião de pensadores centrados no homem, não prejudica o bem-estar de qualquer homem. É completamente irrelevante se a ação é consistente com o mandamento de Deus ou se o honra. Assim, por exemplo, alguns não cristãos argumentam que a homossexualidade é moralmente aceitável porque não faz mal aos outros. Mas por que esse é o padrão de julgamento moral? E como o mal é definido? Pode-se argumentar que a homossexualidade é prejudicial em algum sentido, mesmo quando avaliada por um padrão centrado no homem.

Um exemplo de abdicação cristã na área da ética é o absolutismo graduado. Neste sistema prevalente de ética, primeiro, os mandamentos de Deus são priorizados, frequentemente não de acordo com a revelação, mas de acordo com a opinião do homem. Segundo, é dito que muitas situações apresentam dilemas, de acordo com o julgamento do homem, nos quais dois mandamentos divinos (ou pelo menos dois) parecem se aplicar, mas uma pessoa deve violar um deles para obedecer ao restante. Terceiro, o mandamento que é considerado superior é obedecido, e o outro é infringido, ao passo que infringi-lo é, sem garantia bíblica para dizer isso, não considerado pecado. O absolutismo graduado é, na realidade, relativismo orientado.

A rebelião é bastante explícita, mas a blasfêmia está implícita. Ou seja, quando Deus deu os mandamentos, não teve a inteligência nem a previsão para perceber que eles gerariam dilemas éticos em tantas situações, nas quais seria impossível obedecer a todos os mandamentos relevantes. Mas parece que o homem detecta esses dilemas com bastante facilidade. Podemos não ser capazes de matar Deus, mas podemos pelo menos passar por cima dele. Por isso, priorizamos seus mandamentos, às vezes de acordo com sua revelação, às vezes de acordo com nosso próprio julgamento, e decidimos obedecer apenas aqueles que consideramos viáveis em qualquer situação.

Ele pode esperar mais de nós? Obediência total a cada mandamento em cada situação? Deus realmente pensa que ele é Deus? E se alguém bater na porta e exigir saber a localização de um amigo para que ele o mate? Este é o caso de teste clássico. Não é mais importante proteger a vida de um homem do que dizer a verdade, embora a verdade seja o princípio pelo qual Deus opera, pelo qual ele estabelece o valor da vida e pelo qual ele nos testifica o evangelho da graça? Mas não há como obedecer aos dois mandamentos, certo? O que você disse? Devemos tentar dominar o agressor, ou nos recusar a divulgar a informação e correr o risco de sofrer tortura, ou mesmo sacrificar nossa própria vida para salvar o amigo? Você deve estar brincando. Oferecemos apenas duas opções para você escolher. O pensamento centrado no homem não pode processar coragem e sacrifício altruísta. Pare de nos confundir.

Considere o que isso significa para Jesus Cristo. A Escritura diz que ele foi tentado, mas nunca pecou. O que isso significaria de acordo com os proponentes do absolutismo graduado? Eles dizem que os mandamentos divinos muitas vezes se contradizem devido às circunstâncias em que se aplicam, e quando se contradizem, a coisa certa a fazer é obedecer ao mandamento superior, ao passo que desobedecer ao mandamento inferior não conta como pecado. Isso significa que, na visão deles, Jesus poderia ter matado centenas de milhares de pessoas com as próprias mãos — homens, mulheres e crianças — mas, visto que estiva obedecendo a uma ordem superior em cada caso, ele nunca pecou ou assassinou ninguém. Ou ele poderia ter cometido fornicação, até atos homossexuais, centenas de milhares de vezes. Ele poderia ter estuprado milhares de mulheres e crianças. Ele poderia ter roubado centenas de milhares de vezes, e mentido centenas de milhares de vezes. Se ele foi compelido a fazer isso em cada caso, a fim de seguir um mandamento superior, então ele não pecou.

Pelo menos por implicação, esta é a ideia deles da impecabilidade de Cristo. Se eles não abandonarem o absolutismo graduado após isso ter sido clara e repetidamente explicado a eles, então eles devem ser julgados perante a igreja e excomungados. As pessoas que sabem que sua doutrina implica essa blasfêmia sobre Cristo e ainda insistem nela não podem ser consideradas cristãs. E todos aqueles que os poupam compartilham de seus pecados. A única visão correta é reconhecer que os mandamentos de Deus nunca se contradizem e que é sempre logicamente possível obedecer a todos eles.

À luz do material acima sobre o pensamento antropocêntrico, o pensamento teocêntrico precisa apenas de uma breve explicação. Em vez de colocar o homem, e o que é considerado sua capacidade inerente de descobrir informações no centro de um sistema de pensamento, ele coloca Deus e sua revelação no centro do sistema. As suposições básicas dizem respeito aos atributos de Deus — que ele é criador, sustentador, governador e eterno, onipresente, onisciente, onipotente, santo, justo, misericordioso e assim por diante — e os atributos da Escritura — que ela é inspirada, verdadeira, completa, racional, consistente, autoritária e assim por diante. Essas suposições são essenciais e inegociáveis. E uma vez estabelecidas, todas as outras coisas são categorizadas, priorizadas e interpretadas, relacionando-as a essa preocupação central — Deus — de maneira consistente e controlada por essas suposições essenciais e inegociáveis.

Assim, o restante do sistema também é muito diferente de uma cosmovisão centrada no homem. Quando se trata de doutrinas, a majestade e a soberania de Deus são determinantes, e não a dignidade e a liberdade do homem. Quer estejamos falando de metafísica ou soteriologia, as conclusões corretas concordarão com esse princípio. E quando se trata de ética, a preocupação central não é o conforto e o bem-estar do homem, mas a honra de Deus. Os mandamentos de Deus definem o certo e o errado, e todos os seus mandamentos devem ser obedecidos em todas as situações. Não há nenhuma situação em que as circunstâncias exijam que uma pessoa desobedeça um mandamento divino. Talvez ela desobedeça por causa de defeitos em sua inteligência e caráter, mas nenhuma situação faz com que seja uma impossibilidade lógica prestar completa obediência a todos os mandamentos divinos.

É evidente que essas duas maneiras de pensar e esses dois tipos de sistemas não são apenas radicalmente diferentes, mas até mesmo os princípios básicos estão em conflito. Os dois sistemas nunca podem realmente concordar em nada. Não se pode manter o mesmo fundamento e modificar apenas os detalhes. Por essa razão, para um não cristão chegar a um acordo com Deus, ele deve abandonar seus princípios centrados no homem e abraçar os princípios centrados em Deus. Portanto, uma pessoa que vem à fé em Jesus Cristo não apenas acrescenta uma informação à sua filosofia atual centrada no homem. Em vez disso, ela renuncia a toda a sua antiga cosmovisão e adota uma nova base, um novo modo de pensar, uma nova estrutura e sistema intelectual.

Nenhuma persuasão com base em suposições centradas no homem pode realizar isso, porque as suposições centradas no homem não podem levar a conclusões centradas em Deus, e a intenção é que ele adote um novo conjunto de princípios centrados em Deus. Assim, quer seja feito por ocasião de uma apresentação de argumentos, esse evento ocorre em uma pessoa quando Deus a transforma por uma ação direta na alma. Isso é o que chamamos de conversão. O produto é uma pessoa que não apenas exibe uma forma de piedade, mas também possui seu poder.

Vincent Cheung. Theocentrism vs. Anthropocentrism. Disponível em Reflections on Second Timothy (2010), pp. 64–67. Tradução: Luan Tavares (24/10/2018).

Sobre o autor: Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos.
Site oficial: https://www.vincentcheung.com/

--

--

As Obras de Vincent Cheung
As Obras de Vincent Cheung

Written by As Obras de Vincent Cheung

Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

No responses yet