Salve Isto, Perca Aquilo
Jesus dizia a todos: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa, este a salvará. Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder-se ou destruir a si mesmo? Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, o Filho do homem se envergonhará dele quando vier em sua glória e na glória do Pai e dos santos anjos.” (Lucas 9:23–26)
Você pode dizer muito sobre uma pessoa pela sua teologia ou filosofia. Naturalmente, nós duvidaríamos do homem cuja teologia permite o adultério. Ou um relativista quer que você admire sua atitude de aceitação, mas na verdade ele nada mais é do que um anão intelectual e um covarde moral. Ele é tão estúpido que não consegue chegar à verdade, apesar de insistir que o relativismo está correto, e debateria com você sobre isso, e é tão covarde que não pode assumir uma postura ética absoluta, a menos que arbitrariamente o faça, o que novamente mostra que ele é estúpido.
Para o mundo, o cristão típico é uma coisa curiosa. Ele declara que o Deus dele é sábio e santo, e que fala através da Bíblia, mas ao mesmo tempo insiste que Deus fala em enigmas e paradoxos, e que a mente do homem não pode entender a Bíblia. Ou seja, Kenneth é o homem mais inteligente que eu conheço, exceto quando o ouço sempre se contradizendo. O fato de eu percebê-lo como um completo insano prova que sua inteligência está muito além da minha. Para deleite e diversão dos não cristãos, esta é uma posição cristã padrão e, é claro, totalmente antibíblica e ridícula.
O cristão que vê uma contradição na Escritura ou não foi instruído, de modo que a orientação de alguém que percebe o sentido claro do texto pode remover seu erro de uma só vez, ou ele blasfema contra Deus e não é cristão coisa nenhuma. Gabar-se a própria finitude de alguém, ou o que é realmente uma inferioridade na inteligência e no caráter, como sinal de humildade e como substituto do verdadeiro entendimento, é indigno do evangelho de Jesus Cristo. Embora nossas instituições estejam preenchidas com esses patifes, eu digo que nenhuma delas deve estar em posição de autoridade, mas devem ser removidas e julgadas diante da igreja. Infelizmente, não há ninguém para julgá-las, pois parece que a maioria das pessoas é assim.
Minha teologia é que Deus é muito inteligente e racional, e ele me fez à sua imagem. Ele me fala através da Bíblia, que é clara, simples e completamente consistente e não paradoxal, tanto na realidade quanto na aparência. Qualquer contradição aparente não é encontrada na própria Bíblia, mas apenas na mente da pessoa para a qual essa contradição é aparente. Em outras palavras, é uma alucinação intelectual. Qualquer pessoa que vê uma aparente contradição na Bíblia está espiritualmente, intelectualmente e psicologicamente doente. Não é um sinal de reverência, mas um sinal de doença. Mas Cristo é o nosso Curador.
Eis aqui um fácil: “Quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa, este a salvará”. Ah, Cristo ensina em paradoxo, não é? Encontre um sermão e veja como um pregador lida com isso. Não sei dizer como uma pessoa que percebe um paradoxo aqui pregaria sobre isso, porque eu mesmo não vejo paradoxo nenhum. Há uma distinção entre um paradoxo lógico e um paradoxo literário. Um paradoxo literário ocorre onde não existe necessariamente um paradoxo lógico, mas é usado para efeito ou para tornar o argumento mais memorável. Não sou tão simplista quanto muitos para admitir até mesmo o uso de artifícios literários. Por exemplo, em outro lugar, eu refutei a noção de que o Senhor emprega uma hipérbole em Marcos 11:23, mas as pessoas percebem uma hipérbole por causa da incredulidade. Mas mesmo que a Bíblia use certos recursos literários, o fetiche do paradoxo cristão geralmente fica desapontado apenas lendo as palavras do texto e, no caso de Marcos 11:23, lendo Marcos 11:21.
Nesse caso, precisamos apenas continuar no próximo versículo: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder-se ou destruir a si mesmo?”. Cristo claramente usa a “vida” em dois sentidos diferentes, e ele até os especifica. Parafraseando: “Quem quer salvar sua vida mundana perderá sua vida espiritual, mas quem perder sua vida mundana por minha causa, salvará sua vida espiritual”. Há menos delicadeza, mas é isso que ele quer dizer. Tiago faz uma observação semelhante quando escreve: “Adúlteros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus” (Tiago 4:4).
A raça inferior de cristãos se recusa a ouvi-lo. Tudo faz sentido! Está tão claro! Tudo é consistente! Deve ser heresia! “Você é um racionalista”. Obrigado. É melhor ser chamado de racionalista do que de irracionalista, e é melhor professar a inteligência de Deus, sua vontade e capacidade de se comunicar de uma maneira que o homem perceberia como sensata e consistente, do que blasfemar e queimar no inferno. Eu digo que posso entender Deus não porque nego a finitude humana, mas porque afirmo a bondade e a sabedoria de Deus.
Com toda essa conversa sobre paradoxo, quase nos esquecemos de falar sobre o ensino na passagem. E é por isso que as pessoas insistem no paradoxo, para que possam ver e não perceber, ouvir e não prestar atenção e zombar das doutrinas e mandamentos de Deus, para que não se convertam e sejam curadas. As pessoas se escondem atrás de ambiguidades e, como Deus não as deixa com nenhuma ambiguidade, elas inventarão alguma.
Jesus diz que se uma pessoa está empenhada em salvar sua vida terrena, ela perderá sua vida espiritual. Se ela persistir em satisfazer suas concupiscências, em buscar riqueza, em garantir fama e posição, em desfrutar de prazeres e divertimentos, em continuar vícios e relacionamentos ímpios — se ela quiser salvar estas coisas — então perderá sua alma. De que adianta um homem ganhar o mundo inteiro e perder a própria alma? Ele é como o homem rico que continua a construir celeiros e armazéns, mas Deus lhe diz: “Hoje vou tirar a sua vida! Como então suas riquezas o beneficiarão?”. Mas um homem que está disposto a perder essas coisas por causa de Cristo salvará sua alma e terá a ajuda de Deus para salvá-la. A tentação é uma força poderosa, mas o Espírito de Deus é mais forte. Removemos a desculpa do paradoxo e agora vemos o significado claro do texto. O que você irá fazer sobre isso? Que Deus trabalhe em nós para que amemos somente a ele e não o mundo, para que possamos nos apegar a Cristo e herdar nele a vida eterna.
Vincent Cheung. Save This, Lose That. Disponível em Sermonettes — Volume 3 (2011), pp. 4–5. Tradução: Luan Tavares (22/12/2019).