Perdão e Reconciliação

As Obras de Vincent Cheung
7 min readNov 12, 2020

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O perdão na Bíblia é principalmente volitivo e judicial ou forense. É um cancelamento voluntário de uma dívida objetiva. A dívida é incorrida para com Deus quando uma pessoa viola seus mandamentos, e também quando alguém herda a culpa — tanto um veredicto de culpado quanto uma natureza culpada — do cabeça federal da humanidade, Adão. Entre os homens, a dívida é incorrida quando uma pessoa pensa ou se comporta de uma maneira sobre ou em relação a outra pessoa, de tal forma que ele viola os mandamentos de Deus sobre como alguém deve tratar o outro.

O perdão nos relacionamentos humanos também é principalmente volitivo e objetivo, não emocional. Jesus disse que, se alguém ofendeu você, mesmo várias vezes no mesmo dia, mas retorna e diz “Eu me arrependo”, você deve perdoá-lo. Isso parece implicar que o perdão é possível ou exigido somente quando a outra pessoa se arrepende. Mas em outros lugares, Jesus também diz que, quando alguém maltrata você, você deve confrontá-lo, repreendê-lo e mostrar-lhe sua culpa. Então, se ele admitir ter feito algo errado e se arrepender, você deve perdoá-lo. Ambos os lados têm a responsabilidade de resolver o problema. Aquele que pecou deveria saber que pecou e pedir perdão. E aquele que é ofendido deve confrontar o ofensor, e argumentar a acusação baseada na Escritura, e o infrator deve então se arrepender. Quando isso acontece, aquele que foi ofendido deve perdoar.

Deus exige reconciliação, especialmente entre irmãos e irmãs em Cristo. A abordagem bíblica é solucionar, não apenas esquecer. Se o ofensor se recusa a se arrepender, então aquele que é ofendido pode levar o assunto aos presbíteros e à igreja. O infrator impenitente é finalmente excomungado.

Algumas pessoas levam isso mais além ao dizer que o perdão deve significar uma remoção total da dívida, de modo que o relacionamento deve se tornar o mesmo de antes, como se a transgressão nunca tivesse ocorrido. Eles afirmam que o verdadeiro perdão nos relacionamentos humanos significa restauração instantânea e total. Geralmente é isso que deve acontecer, mas quando eles ensinam isso como uma obrigação, não é apenas antibíblico, mas tolo e perigoso. É irresponsável impor um princípio falso como esse aos crentes, de tal forma que eles acham que são moralmente obrigados a sempre proceder como se nada tivesse acontecido.

Quando alguns fariseus e saduceus chegaram a João Batista, ele disse: “Raça de víboras! Quem lhes deu a ideia de fugir da ira que se aproxima? Deem fruto que mostre o arrependimento!” (Mateus 3:7–8). Por que João disse isso? Por que ele não os recebeu? Porque ele não era estúpido. Ele sabia que as pessoas podem dizer que estão interessadas em sua mensagem, e podem até dizer que se arrependem, mas poucas pessoas realmente mudam. João não aceitou um sinal vazio, mas insistiu: “Provem pela maneira como vocês vivem que se arrependeram de seus pecados e voltaram para Deus” (NLT). Nos relacionamentos humanos, podemos estender o perdão formal a alguém que se arrepende, mas muitas vezes é perigoso e destrutivo continuar como se nada tivesse acontecido. Considere casos como assassinato, estupro, fraude e assim por diante. Você permitiria que um molestador de crianças conhecido cuidasse do seu filho só porque ele diz que está arrependido? Você seria um pai criminoso.

Suponha que alguém trabalhasse para você e cometeu um erro tão sério que você teve que demiti-lo. Agora ele retorna e diz: “Eu fui descuidado e não levei o trabalho a sério. Eu me arrependo”. Você o perdoa, mas não seria razoável insistir que você deve contratá-lo de volta. Você pode não estar mais zangado com ele, mas o erro dele provavelmente mostrou que ele não era adequado para o trabalho em primeiro lugar. Se ele receber treinamento adicional e se a ética dele de trabalho obviamente melhorar, então dê a ele outra chance, se desejar. Mas não o recontrate se ele não mudou. E se ele fosse um motorista de ônibus? E se ele estivesse bêbado enquanto operava um perigoso maquinário de fábrica? Quantas oportunidades você vai dar a ele antes que ele mate alguém? Que ele produza frutos dignos de arrependimento.

Isso é verdade mesmo em situações mais leves. Suponha que um amigo tenha ofendido você e prejudicado o relacionamento. Agora ele retorna e se arrepende. Decerto, perdoe-o, mas isso não significa necessariamente que vocês tenham que ser amigos de novo, ou que o relacionamento deva retornar ao que era antes. Talvez vocês dois tenham prioridades conflitantes na vida. Não há razão para forçar os dois a continuar perdendo tempo. Isso não significa que você está com raiva dele. Você pode até ajudá-lo quando ele estiver com problemas. Mas nem todo mundo tem que ser seu amigo. O mesmo acontece com o ministério. Você não precisa oferecer atenção pessoal a todos que pedem. Quando algumas pessoas não me ouvem, depois de um tempo eu paro de fazer o esforço e as elimino. Isso não significa que eu tenho ressentimento delas. Eu não sou o único pregador do mundo e não devemos continuar perdendo tempo.

O procedimento não é possível com não cristãos. Eles operam por um padrão diferente de certo e errado. É impossível trazer um incrédulo aos presbíteros da igreja ou a um tribunal da igreja. Não há excomunhão, uma vez que ele nunca esteve em comunhão com a congregação. No entanto, o cristão ainda pode dar o primeiro passo em direção à reconciliação, confrontando o ofensor não cristão sobre o seu erro. O arrependimento do não cristão deve primeiro implicar a conversão à fé cristã. Se isso não acontecer, então o cristão não pode oferecer perdão no sentido objetivo. Podemos orar a Deus: “Pai, perdoe-o”. Isso só é respondido quando Deus o transforma em cristão. Se ele não se tornar um cristão, Deus o jogará no inferno por seus pecados mesmo assim, incluindo o pecado que ele cometeu contra você. Não há perdão de pecados a não ser pelo sangue de Cristo.

Uma pessoa se transforma de um inimiga em amiga apenas quando ela se torna cristã. Qualquer outra amizade é superficial. Suponha que um não cristão deve dez dólares a você e se recuse a pagá-lo. Você pode “perdoar” isso em um sentido objetivo, não insistindo no assunto, mas não há como perdoar o erro moral objetivo que ele fez. Se você o confrontar sobre o erro moral, você o faz com base nos mandamentos de Deus sobre roubar, dizer a verdade, e assim por diante, mas se ele concorda ou não, ele não afirma o mesmo padrão pela mesma razão; portanto, é impossível que ele se arrependa no sentido correto (“Eu lhe ofendi violando os mandamentos de Deus em meu comportamento para contigo”). Ele deve se tornar um cristão e depois se arrepender com base nos mandamentos de Deus, ou não pode haver verdadeira reconciliação. Quanto às emoções, um cristão não deve guardar ressentimento em relação a outra pessoa, mas deixar isso acontecer é uma questão privada de autocontrole e do fruto do Espírito, e não é perdão no sentido objetivo.

Vamos resumir. Se usarmos a palavra “perdoar” em um sentido muito frouxo, então é possível um cristão perdoar um não cristão, ou um não cristão perdoar outro não cristão. No entanto, a Bíblia usa a palavra e a ideia em um sentido mais específico. O perdão na Bíblia implica verdadeira reconciliação com Deus e os homens, em vez de deixar o assunto de lado sem resolvê-lo. É por isso que para um não cristão receber perdão em um sentido bíblico, ele deve se tornar um cristão. Não há amor verdadeiro, perdão, humildade ou qualquer outra virtude moral nos não cristãos, porque estes são o fruto do Espírito, e os não cristãos não podem ter o Espírito. O que eles parecem ter ou pensam ter é uma imitação. Qualquer “perdão” para com pessoas não cristãs ou impenitentes pode, no máximo, liberar ressentimentos emocionais em relação a ele ou libertá-lo de qualquer dívida material (como dinheiro emprestado). Mas isso não é perdão no sentido especificamente bíblico.

Então, há aqueles que declaram que é antibíblico pedir desculpas, mas é preciso sempre pedir perdão. Isto é do mesmo grupo de pessoas que afirmam que o verdadeiro perdão deve sempre significar restauração instantânea e total, mesmo nas relações humanas. Eles são de uma tradição teológica que tende a coar um mosquito, mas engolir um camelo. Aqui eu acho que depende do que estamos falando. Se alguém acidentalmente esbarrar em você no trem e disser “Sinto muito” ou “Desculpe-me”, não acho que você deva agarrá-lo pelo colarinho e exigir: “NÃO!!! Você deve se arrepender e pedir-me para perdoá-lo!” Às vezes, um gesto educado como “Peço desculpa” ou “Desculpe-me” é mais que suficiente, e não devemos nos ofender com tanta facilidade. No entanto, se uma pessoa faz algo que a palavra de Deus define como pecado, e é algo que é concreto e significativo para que possamos investigá-lo e discuti-lo, o procedimento adequado para o perdão é necessário. E muitas vezes, quando alguém percebe a seriedade da situação e diz: “Desculpe-me”, ele realmente quer dizer: “Eu estava errado, por favor, me perdoe”. Nesse caso, geralmente é mais importante alcançar primeiro a reconciliação primeiro e depois resolver as terminologias corretas posteriormente.

Vincent Cheung. Forgiveness and Reconciliation. Disponível em Backstage (2016), pp. 66–68. Tradução: Luan Tavares (07/09/2018).

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Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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