Onde Está Seu Irmão?

As Obras de Vincent Cheung
6 min readJun 21, 2020

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Cain kills Abel (1603), de Jacopo Palma Junior.

Então o SENHOR perguntou a Caim: “Onde está seu irmão Abel?” Respondeu ele: “Não sei; sou eu o responsável por meu irmão?” Disse o SENHOR: “O que foi que você fez? Escute! Da terra o sangue do seu irmão está clamando”. (Gênesis 4:9–10)

Deus perguntou a Caim: “Onde está seu irmão?”. A passagem deixa óbvio que Deus fez a pergunta não porque ele não sabia a resposta e precisava de um homem para lhe dizer. Isto porque quando Caim negou que ele soubesse, Deus revelou que ele já sabia o que aconteceu, que Caim havia matado Abel. Ele disse: “O que foi que você fez?”. Mas, novamente, ele não estava solicitando informações. Era uma pergunta retórica, pois ele imediatamente acrescentou: “O sangue do seu irmão está clamando”.

A partir disso, derivamos dois princípios que devem controlar nosso pensamento na teologia e na interpretação bíblica.

Primeiro, é um dogma cristão inegociável que Deus conhece todas as coisas. Poderíamos acrescentar que Deus conhece todas as coisas porque causa todas as coisas, incluindo pensamentos e ações humanas, mas é possível deixar isso de lado por enquanto e focar em seu conhecimento. Deus sabe a verdade sobre todas as coisas, e ele não pode ser enganado. A resposta de Caim foi contrária à verdade, mas isso não afetou o conhecimento de Deus. Ele sabia a verdade e viu através do engano de Caim.

Segundo, é estabelecido que quando Deus faz uma pergunta, isso nunca significa que ele não sabe a resposta e, portanto, quando faz uma pergunta, deve ser para um propósito diferente de obter informações. De fato, nossa passagem enfatiza o conhecimento de Deus, já que ele conhecia a verdade claramente, mesmo diante do engano de Caim. Embora Deus já soubesse o que aconteceu, em vez de confrontar Caim imediatamente, ele produziu uma ocasião ou um contexto no qual ele poderia discutir isso com o homem.

Assim, quando Deus faz uma pergunta, ou quando ele fala de uma maneira como se ele fosse menos do que onipotente e onisciente, não é devido a qualquer deficiência em si mesmo, mas é com o propósito de efetuar interações com suas criaturas de uma forma que é inteligível e significativo para eles.

Há aqueles que pensam que tais interações são possíveis apenas se Deus estivesse limitado em poder e conhecimento, e apoderam-se de passagens segundo as quais Deus age e fala de uma forma que permite que suas criaturas respondam. No entanto, dadas as considerações anteriores, esta doutrina é impossível: isso deve ser condenado como heresia e blasfêmia.

Interações que são inteligíveis e significativas para as criaturas não dependem de qualquer impotência ou ignorância em Deus, mas depende do que alguns chamariam de sua condescendência. Um homem não pode funcionar como se fosse divindade; sua mente não pode abraçar ou comunicar todo o conhecimento em um instante. Se Deus e o homem estão a interagir uns com os outros, Deus teria de comunicar de uma forma que o homem pudesse acompanhar, entender e responder, e isso é o que Deus tem feito ao longo da história, e de uma forma pública e permanente, por meio da Bíblia.

Ao contrário do que alguns hereges têm ensinado, isso não significa que Deus se comunica com o homem apenas em termos de analogias, ou que o homem tem apenas uma analogia de informações sobre o ser de Deus e a mente de Deus. Não há base bíblica para tal doutrina estranha. A condescendência de Deus não altera a natureza ou o estado das comunicações: é meramente uma maneira diferente de se comunicar.

João escreveu que conheceremos como somos conhecidos. Mas a menos que nos tornemos endeusados no céu, e não o seremos, Deus ainda tem que condescender quando ele se comunica conosco, de modo que se nós só temos uma analogia da verdade, por ora, teremos apenas uma permanente analogia da verdade. Isto contradiz João, bem como todo o testemunho da Escritura. Em vez disso, se tivéssemos de permanecer humanos, e se formos conhecidos tal como somos, isso significa que podemos possuir conhecimentos unívocos sobre Deus, mesmo agora. A diferença está apenas no grau ou quantidade de conhecimento. Paulo afirma isso quando ele escreveu: “Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma com que sou plenamente conhecido”. Nós temos uma grande quantidade de conhecimento sobre Deus agora, e teremos ainda mais conhecimento no futuro, tanto assim que pode-se dizer que saberemos depois como somos conhecidos agora.

Tudo isto equivale a uma refutação da doutrina tradicional da incompreensibilidade de Deus, que representa a Deus como um mistério, apesar do fato de sermos feitos à sua imagem, e apesar de ele ter se revelado e explicado. Ironicamente, essa doutrina tem sido usada como um teste de ortodoxia quando a formulação tradicional é em si uma rejeição de Deus e da Escritura, e como um exemplo de heresia e blasfêmia. Os cristãos não devem ter vergonha de se opor a ela e de derrubar aqueles que a afirmam. Não tenha medo dos poderes eclesiásticos. Nenhum teólogo, seminário, ou denominação, e nenhum conselho ou confissão ou tribunal eclesiástico, ou qualquer outra autoridade humana, tem o direito de usurpar o poder de Cristo e forçá-lo a acreditar numa falsa doutrina. Liberte-se do jugo e antagonize.

Quando Deus ordenou que Abraão sacrificasse Isaque, mesmo que ele tenha dito “agora eu sei” sobre a obediência do patriarca, era para manter a interação em benefício do homem, e não porque o Deus onisciente descobriu algo novo. Quando o Senhor impediu o sacrifício, um carneiro já estava preparado, preso pelos chifres entre os arbustos. Ele sabia que o coração do homem o tempo todo, mas o mandamento produziu a ocasião para Abraão demonstrar sua obediência a Deus, para renovar e acrescentar às suas promessas, e para a revelação ser registrada e interpretada, já que a fé de Abraão foi uma metáfora sobre a crença na ressurreição.

Quando Deus mostrou a Ezequiel um vale de ossos secos e perguntou “Podem viver estes ossos?”, ele não estava solicitando uma informação que ele precisava. O profeta sabiamente respondeu: “Senhor, tu sabes”. E, claro, o Senhor sabia, pois ele mesmo iria fazer com que os ossos revivessem e que carne viesse sobre eles. Da mesma forma, quando Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para esta gente comer?” a Bíblia explica: “Ele pediu isso só para testá-los, pois ele já tinha em mente o que ia fazer”.

Ora, o Senhor Jesus testa todos os homens pela mensagem cristã, pois ele nos envia a perguntar em seu nome: “Quem dizeis que eu sou?”. Ele pergunta isso não por não saber o que as pessoas pensam — ele é o bom Pastor, e chama as suas ovelhas pelo nome. Pelo contrário, o pastor divino condescende e interage com os homens. De acordo com sua reação ao evangelho, eles são revelados a ser tanto os filhos do céu ou os filhos do inferno. Aqueles que creem que com o coração e confessam com a sua boca que Jesus Cristo é Senhor serão salvos; quem não crer será condenado.

Há aqueles que, como Caim, tentam enganá-lo, chamando-o de “Senhor, Senhor”, embora o seu coração esteja longe dele. Mas mesmo que ele peça aos homens para que se arrependam e creiam no evangelho, ele já conheceria o coração deles e diria aos impostores: “Por que vocês me chamam Senhor, mas se recusam a fazer o que eu digo? Certamente eu nunca os conheci!”. E ele vai lançá-los para as trevas, onde haverá choro e ranger de dentes.

Vincent Cheung. Where is Your Brother? Disponível em Sermonettes — Volume 1, pp. 15–17. Traduzido por Luan Tavares em 15/08/2019.

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Written by As Obras de Vincent Cheung

Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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