O Problema do Mal

As Obras de Vincent Cheung
35 min readOct 24, 2019

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INTRODUÇÃO

Uma das objeções mais superestimadas contra o Cristianismo é o chamado “problema do mal”. Ela afirma que a existência do mal é logicamente irreconciliável com o conceito cristão de Deus. A existência do mal é presumida ou supostamente estabelecida, e então essa premissa é considerada incompatível com o conceito cristão de Deus. Assim, se conclui que não há Deus, ou pelo menos se conclui que o que o Cristianismo afirma sobre Deus é falso.

Os não cristãos têm encontrado considerável sucesso com este argumento, e aqueles que afirmam ser cristãos são eles mesmos perturbados pela existência do mal, ou a quantidade de maldade neste mundo. Alguns cristãos conseguem fornecer respostas plausíveis, mas inconclusivas, enquanto outros evitam o desafio e chamam a existência do mal de um mistério. No entanto, respostas meramente plausíveis são insuficientes quando a Bíblia fornece uma resposta infalível e uma defesa invencível. E na medida em que a Bíblia aborda o assunto, de modo que é algo que foi revelado, os cristãos não têm o direito de chamá-lo de mistério, como se fosse algo que ainda é inexplicável.

A verdade é que a existência do mal não representa um desafio para a doutrina cristã de Deus ou para qualquer aspecto da fé cristã. Além disso, cosmovisões não cristãs na verdade não podem dar sentido à existência do mal, se é que elas podem ter um conceito do mal.

O PROBLEMA

Os cristãos afirmam que Deus é onipotente (todo-poderoso) e onibenevolente (todo-amoroso).[1] Nossos oponentes argumentam que se Deus é todo-poderoso, então ele possui a capacidade de acabar com o mal, e se ele é todo-amoroso, então ele deseja acabar com o mal; [2] no entanto, como o mal ainda existe, isso significa que Deus não existe, ou pelo menos significa que as coisas que os cristãos afirmam sobre ele são falsas. Isto é, mesmo que Deus exista, uma vez que o mal também existe, ele não pode ser todo-poderoso e todo amoroso, mas os cristãos insistem que ele é ao mesmo tempo todo-poderoso e todo amoroso; portanto, o Cristianismo deve ser falso.

Existem diferentes formulações desse argumento, mas, independentemente da forma exata que ele toma, a alegação é que os cristãos não podem afirmar todos os atributos divinos bíblicos, porque isso seria logicamente incompatível com a existência do mal. E a alegação é que, como esse é o caso, então o Cristianismo deve ser falso.

Embora os cristãos tenham se afligido com esse suposto “problema do mal” por séculos, o argumento é extremamente fácil de refutar. Ainda quando criança, eu achei que era um argumento tolo, e continua sendo uma das objeções mais estúpidas que eu já vi. Muitas pessoas têm problemas com a existência do mal, não porque representam um desafio lógico para o Cristianismo, mas porque elas são dominadas pelas emoções que o assunto gera, e essas emoções desabilitam o nível mínimo de julgamento e inteligência que normalmente exibem.

Ora, uma vez que nossos opositores afirmam que o problema do mal é um argumento lógico contra o Cristianismo, em nossa resposta, precisamos mostrar apenas que a existência do mal não gera uma contradição lógica contra o que o Cristianismo afirma sobre Deus. Embora a Bíblia também ofereça respostas sobre os aspectos emocionais deste assunto, não é nossa responsabilidade apresentar e defender essas respostas dentro do contexto do debate lógico. Então, vamos nos concentrar na existência do mal como um desafio lógico.

LIVRE-ARBÍTRIO

Cristãos professos, ou aqueles que se dizem cristãos, frequentemente favorecem a “defesa do livre-arbítrio”. Existem, de fato, diferentes ideias de livre-arbítrio e diferentes versões da defesa do livre-arbítrio. No entanto, com ligeiras adaptações, o que eu digo nesta seção será aplicado a todos eles.

Esta abordagem afirma que quando Deus criou o homem, ele concedeu livre-arbítrio à criatura, um livre-arbítrio para se rebelar contra o Criador. Essa é a capacidade de tomar decisões autônomas, que nem sempre são ativamente predeterminadas e causadas diretamente por Deus. Naturalmente, Deus estava ciente de que o homem pecaria, mas esse é o preço de conceder livre-arbítrio ao homem. Ao criar o homem com livre-arbítrio, Deus também criou o potencial para o mal, mas, como a defesa do livre-arbítrio ocorre, uma vez que o homem é verdadeiramente livre, a realização desse potencial para o mal é atribuída apenas ao homem. Isso depende da suposição de que responsabilidade pressupõe liberdade. Uma vez que esta premissa nunca foi estabelecida e é de fato facilmente refutada, a defesa do livre-arbítrio falha sem mais considerações. Mas vamos continuar com a análise. Em qualquer caso, é dito que o potencial ou mesmo a realização do mal não é um preço muito alto para conceder livre-arbítrio ao homem.

Embora os cristãos frequentemente usem a defesa do livre-arbítrio, e para algumas pessoas a explicação parece razoável, ela é uma teodiceia irracional e antibíblica — ela falha em responder ao problema do mal e contradiz a Bíblia. Primeiro, esta abordagem apenas adia a abordagem do problema, na medida em que transforma o debate de por que o mal existe no universo de Deus e por que Deus criou um universo com o potencial para esse grande mal. Em segundo lugar, os cristãos afirmam que Deus é onisciente, de modo que quando ele criou o universo e a humanidade ele sabia não apenas que eles tinham o potencial de se tornarem maus, mas ele sabia com certeza que eles se tornariam maus. Assim, direta ou indiretamente, Deus deliberadamente criou o mal.[3]

Podemos distinguir entre o mal natural e o mal moral. O mal natural inclui desastres naturais como terremotos e inundações, e o mal moral se refere às ações perversas que as criaturas racionais cometem. Mesmo que a defesa do livre-arbítrio forneça uma explicação satisfatória para o mal moral, ele não aborda adequadamente o mal natural. Alguns cristãos afirmam que é o mal moral que leva ao mal natural; no entanto, somente Deus tem o poder de criar um relacionamento entre os dois, de modo que terremotos e inundações não tenham nenhuma conexão necessária com assassinato e roubo a menos que Deus o faça — isto é, a menos que Deus decida causar terremotos e inundações por causa dos pecados de suas criaturas. Isto ocorreu quando Deus amaldiçoou a terra na transgressão de Adão. Então, novamente, Deus continua sendo a causa do mal, seja natural ou moral.

Mesmo se o pecado de Adão trouxesse morte e decadência, não apenas para a humanidade, mas também para os animais, a Bíblia insiste que nem mesmo um pardal pode morrer à parte da vontade de Deus (Mateus 10:29). Isto é, se existe alguma conexão entre o mal moral e o mal natural, a conexão não é inerente, mas soberanamente imposta por Deus. Até mesmo algo aparentemente insignificante não pode ocorrer a menos que Deus o deseje ativamente e o cause. Os cristãos não são deístas — não acreditamos que esse universo funcione por um conjunto de leis naturais independentes de Deus. A Bíblia nos mostra que Deus está agora dirigindo ativamente o universo, e que nada pode acontecer ou continuar separado de seu poder e decreto deliberados (Colossenses 1:17; Hebreus 1:3). Na realidade, não existem leis naturais. Se devemos usar o termo, o que chamamos de “leis naturais” são apenas descrições sobre como Deus age regularmente, embora ele nunca seja obrigado a agir dessa maneira.

Os cristãos devem rejeitar a defesa do livre-arbítrio porque a Bíblia rejeita o livre-arbítrio; em vez disso, ensina que Deus é o único que possui livre-arbítrio. Ele diz em Isaías 46:10: “Meu propósito ficará de pé, e farei tudo o que me agrada” (Isaías 46:10). Por outro lado, a vontade do homem é escravizada ou ao pecado ou à justiça: “Mas, graças a Deus, porque, embora vocês tenham sido escravos do pecado, passaram a obedecer de coração à forma de ensino que lhes foi transmitida. Vocês foram libertados do pecado e tornaram-se escravos da justiça” (Romanos 6:17–18). O homem não tem livre-arbítrio — ele é uma suposição sem qualquer garantia bíblica ou racional.

Outra suposição popular é que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral. Isto é, se uma pessoa é incapaz de obedecer às leis de Deus, então ela não deveria ser moralmente responsável por obedecer a essas leis, e assim Deus não deveria e não iria puni-la por desobedecer essas leis. No entanto, como a suposição de que o homem tem livre-arbítrio, essa suposição de que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral também é antibíblica e injustificada.

Referindo-se aos não cristãos, Paulo escreve: “A mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à lei de Deus, nem pode fazê-lo” (Romanos 8:7). Se é verdade que a responsabilidade moral pressupõe a capacidade moral, e Paulo afirma que o pecador não tem essa capacidade, então segue-se que nenhum pecador é responsável por seus pecados. Se um pecador é apenas um pecador quando ele tem a capacidade de obedecer, mas se recusa a obedecer, então, visto que Paulo diz que o pecador realmente não tem a capacidade de obedecer, segue-se que um pecador não é pecador. Isto é uma contradição, e uma contradição é algo que a Bíblia nunca ensina.

A Bíblia ensina que o não cristão é um pecador e, ao mesmo tempo, ela ensina que ele não tem a capacidade de obedecer a Deus. Isso significa que o homem é moralmente responsável, mesmo quando lhe falta capacidade moral — o homem deve obedecer a Deus mesmo que não possa obedecer a Deus. É pecado para uma pessoa desobedecer a Deus, quer tenha ou não a capacidade de fazer o contrário. Assim, a responsabilidade moral não se baseia na capacidade moral ou liberdade; antes, a responsabilidade moral é baseada na soberania de Deus. O homem deve obedecer aos mandamentos de Deus porque Deus diz que o homem deve obedecer. É irrelevante se ele tem ou não a capacidade ou liberdade de obedecer.

O livre-arbítrio é logicamente impossível. Se imaginarmos o exercício da vontade como um movimento da mente em direção a uma determinada direção, surge a questão sobre o que move a mente e por que ela se move em direção a onde ela se move.

Responder que o “eu” move a mente não responde a pergunta, uma vez que a mente é o eu, e assim a mesma pergunta permanece. Por que a mente se move em direção a uma direção em vez de outra? Se traçarmos a causa de seu movimento e direção a fatores externos à mente, fatores que se imprimem sobre a consciência a partir do exterior e, assim, influenciam ou determinam a decisão, então como esse movimento da mente é livre? Se podemos traçar a causa até as disposições inatas da pessoa, então esse movimento da mente ainda não é livre, já que, embora essas disposições inatas influenciem decisivamente a decisão, a própria pessoa não escolheu essas disposições inatas.

O mesmo problema permanece se dissermos que as decisões de uma pessoa são determinadas por uma mistura de suas disposições inatas e influências externas. Se a mente toma decisões baseadas em fatores não escolhidos pela mente, então essas escolhas nunca são livres no sentido de que elas não são separadas do controle soberano de Deus — elas não são livres de Deus. Antes, a Bíblia ensina que Deus exerce controle imediato sobre a mente do homem, e ele também determina soberanamente todas as disposições inatas e fatores externos relacionados à vontade do homem. É Deus quem forma uma pessoa no útero, e é ele quem organiza as circunstâncias externas por sua providência. Assim, é ele quem controla a mente do homem e causa cada decisão que ele toma.

Portanto, embora afirmemos que o homem tem uma vontade como uma função da mente, de modo que a mente de fato faz escolhas, estas nunca são escolhas livres, porque tudo que tem a ver com cada decisão é determinado por Deus, e, além disso, é de fato Deus quem controla diretamente a mente para causar toda decisão. Uma vez que a vontade nunca é livre de Deus, nunca devemos usar a teodiceia do livre-arbítrio ao tratar o problema do mal.

A SOBERANIA DE DEUS

Os cristãos professos sentem-se desconfortáveis ​​com o ensino bíblico de que o homem não tem livre-arbítrio, porque parece tornar Deus “responsável” pela existência e continuação do mal. Por seu padrão humano, ou por um padrão que eles inventaram e impuseram a Deus, isso o torna culpado de erros. Nesta seção, apresentarei uma exposição sobre o que a Bíblia ensina sobre o assunto.

A Bíblia ensina que a vontade de Deus determina tudo. Nada existe ou acontece sem Deus, não apenas permitindo, mas ativamente desejando e fazendo com que exista ou aconteça:

Desde o início faço conhecido o fim, desde tempos remotos, o que ainda virá. Digo: Meu propósito ficará de pé, e farei tudo o que me agrada. (Isaías 46:10)

Não se vendem dois pardais por uma moedinha? Contudo, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do Pai de vocês. (Mateus 10:29)

Deus controla não apenas eventos naturais, mas também decide e causa todos os assuntos e decisões humanas:

Como são felizes aqueles que escolhes e trazes a ti, para viverem nos teus átrios! Transbordamos de bênçãos da tua casa, do teu santo templo! (Salmo 65:4)

O SENHOR faz tudo com um propósito; até os ímpios para o dia do castigo. (Provérbios 16:4)

Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR determina os seus passos. (Provérbios 16:9)

Os passos do homem são dirigidos pelo SENHOR. Como poderia alguém discernir o seu próprio caminho? (Provérbios 20:24)

O coração do rei é como um rio controlado pelo SENHOR; ele o dirige para onde quer. (Provérbios 21:1)

Os dias do homem estão determinados; tu decretaste o número de seus meses e estabeleceste limites que ele não pode ultrapassar. (Jó 14:5)

Todos os povos da terra são como nada diante dele. Ele age como lhe agrada com os exércitos dos céus e com os habitantes da terra. Ninguém é capaz de resistir à sua mão nem de dizer-lhe: “O que fizeste?” (Daniel 4:35)

Mas, ao partir, prometeu: “Voltarei, se for da vontade de Deus”. Então, embarcando, partiu de Éfeso. (Atos 18:21)

Pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele. (Filipenses 2:13)

Ouçam agora, vocês que dizem: “Hoje ou amanhã iremos para esta ou aquela cidade, passaremos um ano ali, faremos negócios e ganharemos dinheiro”. Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. Ao invés disso, deveriam dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo”. (Tiago 4:13–15)

“Tu, Senhor e Deus nosso, és digno de receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas”. (Apocalipse 4:11)

Se Deus de fato planeja e causa todos os eventos naturais e assuntos humanos, segue-se que ele também planeja e causa o mal. A Bíblia explicitamente ensina isso:

Disse-lhe o SENHOR: “Quem deu boca ao homem? Quem o fez surdo ou mudo? Quem lhe concede vista ou o torna cego? Não sou eu, o SENHOR?” (Êxodo 4:11)

Quem poderá falar e fazer acontecer, se o SENHOR não o tiver decretado? Não é da boca do Altíssimo que vêm tanto as desgraças como as bênçãos? (Lamentações 3:37–38)

Eu formo a luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, o SENHOR, faço todas essas coisas. (Isaías 45:7)

Quando a trombeta toca na cidade, o povo não treme? Ocorre alguma desgraça na cidade, sem que o SENHOR a tenha mandado? (Amós 3:6)

A Bíblia insiste que o maior ato de maldade moral e injustiça na história humana foi concebido e realizado por Deus:

Contudo foi da vontade do SENHOR esmagá-lo e fazê-lo sofrer, e, embora o Senhor faça da vida dele uma oferta pela culpa, ele verá sua prole e prolongará seus dias, e a vontade do Senhor prosperará em sua mão. (Isaías 53:10)

De fato, Herodes e Pôncio Pilatos reuniram-se com os gentios e com os povos de Israel nesta cidade, para conspirar contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste. Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse. (Atos 4:27–28)

Deus decretou e causou a morte de Cristo por sua própria razão, a saber, a redenção de seus escolhidos. Da mesma forma, ele quer e causa o mal para o propósito digno de sua glória. Por essa mesma razão, ele criou algumas pessoas para a salvação e algumas pessoas para a condenação:

Direi ao norte “Entregue-os!” e ao sul “Não os retenha”. De longe tragam os meus filhos, e dos confins da terra as minhas filhas; todo o que é chamado pelo meu nome, a quem criei para a minha glória, a quem formei e fiz. (Isaías 43:6–7)

Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade, a fim de que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos para o louvor da sua glória. (Efésios 1:11–12)

Pois a Escritura diz ao faraó: “Eu o levantei exatamente com este propósito: mostrar em você o meu poder, e para que o meu nome seja proclamado em toda a terra”… E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória…? (Romanos 9:17, 22–23)

Deus controla tudo o que existe e tudo o que acontece. Não existe nada que exista ou que aconteça que ele não tenha decretado e causado — nem mesmo um único pensamento na mente do homem. Visto que isso é verdade, segue-se que Deus decretou e causou a existência do mal. Ele não apenas o permitiu, porque nada pode se originar ou acontecer à parte de sua vontade e poder. Visto que nenhuma criatura pode tomar decisões livres ou independentes, o mal nunca poderia ter começado a menos que Deus o decretasse e o causasse, e não pode continuar por mais um momento sem a vontade de Deus para continuar ou sem o poder de Deus ativamente.

Aqueles que veem que é impossível dissociar Deus da origem e continuação do mal ainda tentam distanciar Deus do mal, sugerindo que Deus meramente “permite” o mal, e não que ele o causa. Entretanto, visto que a própria Bíblia declara que Deus decreta ativamente e causa tudo, e que nada pode existir ou acontecer à parte de sua vontade e poder, não faz sentido dizer que ele meramente permite algo — nada acontece pela mera permissão de Deus. De fato, quando se trata de ontologia, “a permissão de Deus” é um termo ininteligível.

Visto que “nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17:28), de uma perspectiva ontológica ou metafísica, é impossível fazer qualquer coisa sem o poder ativo e controle de Deus. Sem ele, uma pessoa não pode pensar ou se mover. Como, então, o mal pode ser criado e cometido sem a causação deliberada de Deus? Como alguém pode pensar o mal à parte do propósito e poder de Deus? Em vez de proteger Deus do veredicto de um padrão humano injusto e irracional, concordando com esse mesmo padrão, devemos atacar esse padrão humano e recusar deixá-lo julgar Deus, concordando com a Bíblia que Deus decretou e causou o mal e que ele é justo ao fazê-lo.

O censo de Israel de Davi fornece um exemplo do mal que Deus decretou e causou em Suas criaturas:

Mais uma vez, irou-se o SENHOR contra Israel. E incitou Davi contra o povo, levando-o a fazer um censo de Israel e de Judá. (2 Samuel 24:1)

Satanás levantou-se contra Israel e levou Davi a fazer um recenseamento do povo. (1 Crônicas 21:1)

Os dois versículos referem-se ao mesmo incidente. Não há contradição se nossa visão é verdadeira. Deus decretou que Davi pecaria ao fazer o censo e fez com que Satanás realizasse a tentação. O próprio Satanás é uma criatura e não tem livre-arbítrio. Todos os seus pensamentos, decisões e ações são controlados e causados ​​por Deus. Então, Deus puniu Davi por cometer esse pecado (2 Samuel 24:10–14).

Embora o mal seja negativo, o propósito de Deus, que é a sua própria glória, é positivo. Deus é o único que possui um valor intrínseco, e se ele decide que a existência do mal serve para glorificá-lo, então o decreto é por definição bom e justo — porque ele pensa que é bom e justo. Qualquer um que pense que a glória de Deus não vale a morte e o sofrimento de bilhões de pessoas, especialmente aqueles que serão torturados no inferno para sempre, tem uma estima muito alta sobre si mesmo e sobre a humanidade. O valor de uma criatura é conferido pelo seu criador, de acordo com o propósito para o qual o criador a criou. Visto que Deus é o único padrão de medição, se ele pensa que algo é justo, então é por definição justo. Os cristãos não devem ter problemas com isso, e aqueles que acham difícil aceitar o que a Bíblia ensina devem examinar sua condição espiritual, para ver se estão de fato na fé.

Muitas pessoas, incluindo aquelas que afirmam ser cristãs, desafiariam o direito e a justiça de Deus em decretar e causar a existência do mal para seu próprio propósito. Paulo antecipa uma objeção similar quando discute a doutrina da eleição, na qual Deus cria algumas pessoas para a salvação e cria algumas para a condenação:

Mas algum de vocês me dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?“ Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? (Romanos 9:19–21)

Efetivamente Paulo está dizendo: “É claro que o criador tem o direito de fazer o que quiser com suas criaturas. E quem é você para fazer tal objeção em primeiro lugar?”. Um escritor supostamente cristão objeta que o homem é maior que uma massa de barro.[4] Esta queixa sai pela culatra. Primeiro, esta é uma analogia bíblica, e um verdadeiro cristão não a desafiará. Mas se alguém o desafia, então isso se torna um debate geral contra um não cristão, e não é mais apenas sobre o problema do mal. Já que estamos oferecendo uma resposta cristã ao problema do mal, negar a infalibilidade bíblica não é uma opção. Segundo, se o homem é mais que uma massa de barro, então Deus é infinitamente maior que um oleiro. Assim, a objeção não apenas falha, mas nos lembra que a distância entre Deus e o homem é ainda maior do que a representada pelo oleiro e o barro. A analogia é apropriada quando compreendemos seu ponto, isto é, Deus como criador tem o direito de fazer o que quiser com Suas criaturas. “Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer” (Romanos 9:18).

Quando uma pessoa se recusa a aceitar que Deus decretaria e criaria o mal, isso implica que ele encontra algo errado com Deus decretando e criando o mal. Qual é o padrão de certo e errado pelo qual essa pessoa julga as ações de Deus? Se existe um padrão moral superior a Deus, ao qual o próprio Deus é responsável e pelo qual o próprio Deus é julgado, então esse “Deus” não é Deus, mas esse padrão mais elevado seria Deus. Mas o conceito cristão de Deus refere-se ao mais elevado ser e padrão, então não há nada mais elevado. Se existe algo mais elevado do que o “Deus” contra o qual uma pessoa argumenta, então esta pessoa não está se referindo ao Deus cristão. Não existe um padrão mais elevado do que Deus ao qual o próprio Deus é responsável e pelo qual o próprio Deus é julgado. Portanto, é impossível acusar Deus de fazer algo moralmente errado.

Jesus diz que somente Deus é bom (Lucas 18:19), de modo que toda “bondade” em outras coisas só pode ser derivada. A natureza de Deus define a bondade em si e, como ele “não muda como sombras inconstantes” (Tiago 1:17), ele é o único e constante padrão de bondade. Não importa o quão moral eu seja, ninguém pode me considerar o padrão objetivo da bondade, porque até a palavra “moral” não tem sentido a menos que seja usada em relação ao caráter de Deus. Isto é, o quão “moral” uma pessoa é refere-se ao grau de conformidade de seu caráter com o caráter de Deus. Na medida em que uma pessoa pensa e age de acordo com a natureza e os mandamentos de Deus, ela é moral. Caso contrário, não há diferença moral entre altruísmo e egoísmo; virtude e vício são conceitos sem sentido; estupro e assassinato não são crimes, mas eventos amorais.

Não há padrão de bondade ou justiça à parte de Deus para julgar o que ele diz e faz; antes, o que ele diz e faz é uma revelação do padrão de bondade e justiça. Visto que Deus se declara bom, e como Deus definiu bondade para nós revelando sua natureza e seus mandamentos, o mal é assim definido como qualquer coisa que seja contrária à sua natureza e mandamentos. Visto que Deus é bom, e visto que ele é a única definição de bondade, também é bom que ele decrete e cause a existência do mal. Não existe um padrão de bem e mal pelo qual possamos denunciar seu decreto e ação como errados ou maus. Isso não significa que o mal é bom — isso seria uma contradição — , mas significa que o decreto de Deus e a causação do mal são bons.

Hebreus 6:13 diz: “Quando Deus fez a sua promessa a Abraão, por não haver ninguém superior por quem jurar, jurou por si mesmo”. Não há ninguém para responsabilizar Deus, e ninguém pode arrastar Deus a um tribunal para pressionar acusações contra ele. Ninguém julga a Deus, mas toda pessoa é julgada por ele.

Ainda que quisesse discutir com ele, não conseguiria argumentar nem uma vez em mil. Sua sabedoria é profunda, seu poder é imenso. Quem tentou resisti-lo e saiu ileso? Ele transporta montanhas sem que elas o saibam, e em sua ira as põe de cabeça para baixo. Sacode a terra e a tira do lugar, e faz suas colunas tremerem. Fala com o sol, e ele não brilha; ele veda e esconde a luz das estrelas. Só ele estende os céus e anda sobre as ondas do mar. Ele é o Criador da Ursa e do Órion, das Plêiades e das constelações do sul. Realiza maravilhas que não se podem perscrutar, milagres incontáveis. Quando passa por mim, não posso vê-lo; se passa junto de mim, não o percebo. Se ele apanha algo, quem pode pará-lo? Quem pode dizer-lhe: “O que fazes?” (Jó 9:3–12)

“Aquele que contende com o Todo-poderoso poderá repreendê-lo? Que responda a Deus aquele que o acusa!” Então Jó respondeu ao SENHOR: “Sou indigno; como posso responder-te? Ponho a mão sobre a minha boca. Falei uma vez, mas não tenho resposta; sim, duas vezes, mas não direi mais nada”. Depois, o SENHOR falou a Jó do meio da tempestade: “Prepare-se como simples homem que é; eu lhe farei perguntas, e você me responderá. Você vai pôr em dúvida a minha justiça? Vai condenar-me para justificar-se?” (Jó 40:2–8)

“Ai daquele que contende com seu Criador, daquele que não passa de um caco entre os cacos no chão. Acaso o barro pode dizer ao oleiro: ‘O que você está fazendo?’ Será que a obra que você faz pode dizer: ‘Ele não tem mãos?’ Ai daquele que diz a seu pai: ‘O que você gerou?’, ou à sua mãe: ‘O que você deu à luz?’” “Assim diz o Senhor, o Santo de Israel, o seu Criador: A respeito de coisas vindouras, você me pergunta sobre meus filhos, ou me dá ordens sobre o trabalho de minhas mãos? (Isaías 45:9–11)

Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos! Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém. (Romanos 11:33–36)

Já que derivamos nosso próprio conceito e definição de bondade de Deus, acusá-lo de mal seria dizer que o bem é mal, o que é uma contradição. Portanto, os homens não podem dizer: “Porque Deus é bom (de acordo com nosso falso padrão de bondade), ele não deve e não faria isto ou aquilo”. Em vez disso, devemos dizer: “Porque Deus é bom (segundo seu próprio padrão do bem, que é o único verdadeiro padrão do bem), se ele faz isto ou aquilo, então deve ser bom”. Assim, se Deus decretou e causou o mal, então, enquanto o mal é mau, deve ser bom que ele tenha decretado e causado o mal.

A SOLUÇÃO

Ao considerarmos a resposta bíblica para o problema do mal, vamos primeiro repetir o argumento do incrédulo:

  1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.
  2. Se ele é todo-poderoso, então ele é capaz de acabar com todo o mal.
  3. Se ele é todo-amoroso, então ele quer acabar com todo o mal.
  4. Mas o mal ainda existe.
  5. Portanto, o Deus cristão não existe.[5]

O argumento encontra um obstáculo insuperável quando chegamos à premissa 3, já que o não cristão não pode encontrar uma definição de amor que sustente essa premissa sem destruir o argumento. Por qual definição de amor podemos afirmar que um Deus todo-amoroso desejaria destruir o mal? Ou, por qual definição de amor podemos afirmar que um Deus todo-amoroso já teria destruído o mal?

Se essa definição de amor vem de fora da Bíblia, então por que a cosmovisão bíblica deve respondê-la? Formar este argumento usando uma definição não bíblica de amor tornaria o argumento irrelevante como um desafio ao Cristianismo. Mas se tomarmos a definição de amor da Bíblia, então aquele que usa este argumento deve mostrar que a própria Bíblia define o amor de uma forma que requer que um Deus todo-amoroso destrua o mal, ou já ter destruído o mal. A menos que o não cristão possa defender a premissa 3, o argumento do problema do mal falha antes mesmo de terminá-lo.

Se o não cristão usa uma definição não bíblica de amor na premissa 1, então o argumento comete uma falácia do espantalho desde o início. Se ele usa a definição bíblica de amor na premissa 1, mas usa uma definição não bíblica de amor na premissa 3, então ele comete a falácia do equívoco. Então, o máximo que o argumento faz é apontar que ele tem uma definição não bíblica de amor, mas o argumento seria irrelevante como um desafio ao Cristianismo.

Por outro lado, se ele tentar usar a definição bíblica de amor, então, a fim de que o seu argumento seja relevante, a própria Bíblia teria que definir o amor de uma maneira que requer que Deus destrua o mal ou já tenha destruído o mal. Contudo, embora a Bíblia ensine que Deus é amoroso, também ensina que há mal neste mundo, e que este mal está sob o controle completo e soberano de Deus. Portanto, a Bíblia nega que exista qualquer contradição entre o amor de Deus e a existência do mal, mas define o amor de uma maneira consistente com o controle de Deus e a causação do mal. Tal como acontece com a definição de bondade, os cristãos não inventam a sua própria ideia de amor e fazem com que Deus se conforme com ela; em vez disso, eles recebem sua definição de amor de Deus.

Para que o argumento do problema do mal permaneça, o não cristão deve estabelecer a premissa: “O amor de Deus contradiz a existência do mal”, ou algo nesse sentido. Mas a Bíblia não afirma essa premissa, e se o não cristão argumenta para essa premissa com definições de amor e mal encontradas em sua própria cosmovisão não bíblica, então ele pode ter sucesso apenas em mostrar que a cosmovisão bíblica é diferente da não bíblica. Nós já sabemos disso, ou não haveria conflito entre as cosmovisões, mas como fica o problema do mal? O não cristão aponta para o ensino bíblico sobre o amor de Deus, então contrabandeia em uma definição não bíblica de amor que requer que Deus destrua o mal, e depois disso estupidamente se vangloria da “contradição” que produziu.

Se uma pessoa quer desafiar a Bíblia ou responsabilizá-la pelo que ela diz, então deve primeiro definir seus próprios termos; caso contrário, ela estaria desafiando apenas o que a Bíblia não diz, e isso torna todos os seus argumentos irrelevantes. O incrédulo deve demonstrar porque o amor de Deus necessariamente implica que ele deve destruir o mal ou que ele deseja destruir o mal, ou que implica necessariamente que ele deve ter destruído o mal ou que ele deseja já ter destruído o mal.

Não ajudaria dizer algo como: “Porque um Deus amoroso gostaria de aliviar o sofrimento”, já que isso apenas reafirma a premissa em palavras diferentes, e a mesma pergunta permanece. Por que um Deus amoroso deseja aliviar o sofrimento? Como se define o sofrimento, afinal? Se o não cristão não pode definir amor ou sofrimento, ou se ele não pode logicamente impor suas definições ao cristão, então sua premissa equivale a dizer que um Deus com um atributo indefinido X deve desejar destruir ou ter destruído um Y indefinido. Mas se ele não pode definir nem X nem Y, então ele não tem uma premissa inteligível a partir da qual construir um argumento inteligível contra a fé cristã. Todo o argumento não tem sentido.

Outra pessoa poderia dizer: “Porque Deus gostaria de triunfar sobre o mal”. Novamente, qual é a definição de “triunfar”? Se o próprio Deus é a causa direta do mal, e se Deus exerce controle total e constante sobre ele, de tal forma que o mal está sempre cumprindo exatamente o que Deus planeja e causa, exatamente da maneira e do grau que ele planeja e causa, então em que sentido ele poderia “perder” para o mal? Seja o que for que o não cristão diga, ele encontra o mesmo problema, e é impossível para ele estabelecer que o amor de Deus contradiz a existência do mal. Quanto mais argumentos ele oferece, mais ele mostra sua falta de inteligência e competência.

Visto que a Bíblia afirma tanto o amor de Deus como a existência do mal, da perspectiva da Bíblia, o amor de Deus não implica que ele deva destruir o mal ou que ele já deve tê-lo destruído. É claro que uma perspectiva não bíblica pode não concordar com isso, mas, novamente, isso mostra apenas que a cosmovisão bíblica discorda de cosmovisões não bíblicas, o que já sabemos, e que é a razão do debate.

Enquanto o não cristão falhar em estabelecer a premissa de que o amor de Deus contradiz a existência do mal, o cristão não tem a obrigação de mostrar qualquer consideração ao problema do mal como um argumento contra o Cristianismo. De fato, visto que o não cristão falha em definir alguns dos termos-chave e estabelecer as premissas-chave, logicamente falando, ninguém pode sequer entender o argumento. Não há objeção real. Não há argumento inteligível para respondermos.

Se pararmos aqui, já teremos refutado o chamado problema do mal, visto que demonstramos que não existe tal problema. No entanto, para que a discussão possa continuar, vamos agora conceder temporariamente a premissa do não cristão. Isto é, por uma questão de argumentação, faremos de conta que o amor de Deus contradiz de alguma forma a existência do mal, enquanto mantemos em mente que isto é algo que a Bíblia nunca ensina, e que os não cristãos nunca estabeleceram.

O não cristão argumenta que, dada a existência do mal, a existência de Deus é logicamente impossível. Em resposta, mostramos que o não cristão não pode estabelecer a premissa de que um Deus todo-amoroso deve necessariamente destruir o mal ou o desejo de destruir o mal. De fato, na Bíblia, o amor é atribuído a um Deus que planeja e causa o mal diretamente. Agora vamos dar um passo adicional e apontar que as premissas do argumento não levam necessariamente à conclusão não cristã em primeiro lugar, mas conclusões muito diferentes são possíveis:

  1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.
  2. Se ele é todo-poderoso, então ele é capaz de acabar com todo o mal.
  3. Se ele é todo-amoroso, então ele quer acabar com todo o mal.
  4. Mas o mal ainda existe.
  5. Portanto, Deus tem um bom propósito para o mal.
  1. O Deus cristão é todo-poderoso e todo-amoroso.
  2. Se ele é todo-poderoso, então ele é capaz de acabar com todo o mal.
  3. Se ele é todo-amoroso, então ele quer acabar com todo o mal.
  4. Mas o mal ainda existe.
  5. Portanto, Deus eventualmente destruirá o mal.

Em um argumento válido, as premissas devem necessariamente e inevitavelmente levar à conclusão. No entanto, no argumento do problema do mal, as premissas não necessariamente e inevitavelmente levam à conclusão. Portanto, o argumento do problema do mal é inválido.

Alguns não cristãos podem dizer que se Deus tem um bom propósito para o mal, então os cristãos devem também declarar o propósito. Mas os não cristãos não podem mostrar por que os cristãos devem declarar esse propósito. O debate é sobre se as premissas necessariamente e inevitavelmente levam à conclusão não cristã. Se há ou não um bom propósito para o mal, e se os cristãos podem ou não declarar esse propósito, isso é irrelevante. A Bíblia, de fato, explica o propósito de Deus para o mal,[6] mas isso não é logicamente relevante para o debate.

Há mais. O não cristão argumenta que Deus não existe porque o mal existe, e nós o refutamos. Agora devemos acrescentar que a existência de Deus — o que a Bíblia quer dizer com “Deus” — é de fato o pré-requisito lógico para a existência do mal. Ou seja, o mal é indefinido e sem sentido, sem um padrão objetivo e absoluto de certo e errado, bem e mal, e esse padrão só pode ser Deus.

Quando o não cristão afirma que o mal existe, o que ele quer dizer com “mal”? Ele pode estar se referindo à ganância, ódio, assassinato, estupro, terremotos, inundações e uma série de outras coisas. No entanto, com base em que e por qual padrão ele chama essas coisas de males? Ele chama essas coisas de males apenas porque as desaprova? Qualquer definição ou padrão de maldade que ele afirme sem apelar para Deus e para a Bíblia não será bem-sucedido e facilmente destroçado.

Se o não cristão afirma que o assassinato é errado porque viola o direito da vítima à vida, por que a vítima tem o direito à vida? Quem lhe deu esse direito? E por que alguém deve reconhecer esse direito? Quem diz que há algo como um direito em primeiro lugar? Não cristãos tentaram muitos argumentos, mas todos eles foram expostos como estúpidos e arbitrários.

Por outro lado, o cristão afirma que o assassinato é errado, imoral e mal porque Deus proíbe o assassinato: “Não matarás” (Êxodo 20:13); “Quem derramar sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado; porque à imagem de Deus foi o homem criado” (Gênesis 9:6). A cosmovisão cristã pode afirmar com autoridade que o assassinato é o mal e que o assassino deve ser responsabilizado, mas o não cristão nunca pode justificar a mesma alegação. Ele não pode nem mesmo definir assassinato.

O não cristão afirma que o mal existe e, a partir disso, avalia o que o Cristianismo diz sobre Deus. Ele usa algo que ele alega ser óbvio para refutar algo que ele afirma não ser óbvio. No entanto, a existência do mal não é óbvia, a menos que exista um padrão moral absoluto, objetivo e universal, e conhecemos esse padrão, para que possamos fazer avaliações com ele. Visto que o não cristão falha em estabelecer tal padrão, e visto que ele falha em estabelecer como ele conheceria tal padrão, toda sua conversa sobre o mal é ininteligível e sem sentido, e seu argumento do problema do mal não tem efeito contra o Cristianismo. De fato, com base em sua cosmovisão, ele nem mesmo sabe o que seu próprio argumento significa.

Aquele que nega a existência de Deus não tem base racional para afirmar a existência do mal. O reconhecimento de Deus logicamente precede o reconhecimento do mal. A menos que Deus esteja pressuposto, o mal permanece indefinido. Quando o não cristão usa o problema do mal para argumentar contra o Cristianismo, ele se torna um terrorista intelectual, de modo que ele rouba o absoluto moral do Cristianismo, inclusive quando argumenta contra o Cristianismo. No entanto, ele não pode se referir a qualquer mal natural ou moral sem implicitamente reconhecer um padrão pelo qual julgar algo como mal. Se ele reconhece a existência do mal, então ele deve primeiro reconhecer a existência de Deus, mas se ele já reconhece a existência de Deus, então o argumento do problema do mal é inútil.

É claro que o não cristão não pode se render imediatamente, mas provavelmente tentará oferecer alguma definição viável do mal para resgatar seu argumento. Não podemos considerar todas as definições possíveis que ele possa propor, mas há material suficiente aqui para que qualquer um possa refutar qualquer definição não cristã. Se o cristão persistentemente exigir justificação para as afirmações e definições do incrédulo, ele frustrará qualquer tentativa de construir um argumento contra o Cristianismo baseado na existência do mal.

Alguns não cristãos perceberam que o argumento do problema do mal é inválido, de modo que, embora continuem a desafiar a fé cristã com base na existência do mal, suavizaram sua reivindicação. Eles dizem que, embora a existência do mal não contradiga logicamente a existência de Deus, a existência do mal, pelo menos, fornece fortes evidências contra a existência de Deus, ou contra a probabilidade da existência de Deus. Em vez de chamar seu argumento de um caso lógico contra a existência de Deus, eles o chamam de um caso evidencial contra a existência de Deus.[7]

Isso não faz sentido. É apenas uma maneira desonesta de dizer que eles não têm argumentos. Todos os problemas que eu levantei sobre o caso “lógico” permanecem no caso “evidencial”. O argumento ainda falha em estabelecer que o amor de Deus contradiz a existência do mal, ou que o amor de Deus requer que ele destrua o mal ou que tenha destruído o mal. Ele ainda não consegue definir os termos cruciais. O que é amor? O que é mal? De fato, o argumento torna as coisas piores para os não cristãos introduzindo a ideia de “evidência”. Agora eu exijo deles várias coisas adicionais: uma definição de evidência, um padrão para determinar o que constitui evidência contra ou contra alguma coisa, um padrão para determinar a relevância e força da evidência alegada e uma epistemologia para descobrir as coisas que são usadas como evidência.

Juntamente com o caso “evidencial”, algumas pessoas incluem a alegação de que há muito mal “gratuito” e que isso é uma evidência contra a existência de Deus. Mais uma vez, o que é evidência? E quem decide o que é “gratuito”?[8] Por qual padrão de necessidade decidimos que um evento maligno é desnecessário? E desnecessário para o quê? E por que o mal tem que ser necessário em primeiro lugar? Na cosmovisão bíblica, quando Deus faz algo, é justificado apenas porque ele decidiu fazê-lo. Assim, o não cristão não pode argumentar contra a fé cristã apelando para eventos injustificados, uma vez que ele deve primeiro refutar a fé cristã antes que possa mostrar que esses eventos são injustificados. Assim, o não cristão argumenta contra a ideia cristã de Deus usando definições não cristãs de amor, mal, evidência, necessidade e outros termos-chave. Então, por que não argumentar contra uma ideia não cristã de Deus e nos deixar completamente fora do debate? O argumento do problema do mal é melhor usado pelos não cristãos contra os não cristãos.

OUTRAS COSMOVISÕES

Não há razão para longas explicações e repetições, uma vez que o assunto é tão simples quanto parece. O argumento do problema do mal é um dos argumentos mais irracionais já inventados, e é usado pelos indivíduos mais estúpidos, mas enganou e incomodou muitas pessoas por causa de seu apelo emocional. Em resposta, o cristão não deve apenas neutralizar o argumento, mas deve perseguir e atacar os não cristãos sobre este assunto.

Talvez porque o problema do mal seja mais frequentemente usado como um desafio para a fé cristã, muitas pessoas esquecem de considerar se as cosmovisões e religiões não cristãs podem fornecer respostas adequadas e coerentes sobre a existência do mal. Os não cristãos podem fornecer uma definição autoritária do mal? Sua definição do mal contradiz o que eles alegam sobre física (mal natural) e psicologia (mal moral)? Eles podem explicar como e por que o mal começou e continua? Podem sugerir uma solução para o mal e podem garantir que esta solução será bem sucedida? Nenhuma cosmovisão, exceto a fé cristã, pode começar a responder a esses desafios.

Quando um não cristão o confronta com o problema do mal, ao invés de ser intimidado, você deve ser capaz de dar uma resposta invencível. Mas não pare por aí. Você deve virar o argumento contra o não cristão e persegui-lo incessantemente e atacá-lo com ele (2 Coríntios 10:5). Leve-o ao penhasco e faça ele se arrepender de tê-lo mencionado:

“Eu demonstrei que a existência do mal não contradiz o amor de Deus ou a existência de Deus. De fato, o próprio conceito de mal pressupõe a existência de Deus. Esse Deus decretou e causou a existência do mal para sua própria glória, e todo aspecto e instância do mal estão sob seu controle preciso, e não há padrão superior a Deus para julgá-lo como injusto. Um dia ele banirá todos os pecadores para um tormento sem fim no inferno, para que todos os casos de assassinato, roubo, estupro e até mesmo todas as palavras que um homem tenha falado serão contabilizadas. Ele punirá com justiça todos os pecadores que não confiaram em Jesus Cristo para a salvação, mas seus escolhidos serão salvos pela fé.

E você? Hum?! Como você explica o mal? Como você lida com ele? Dada a sua cosmovisão, como você pode ter um conceito significativo e universal do mal? Como você explica sua origem e continuação? Você pode oferecer uma solução eficaz ou mesmo garantida para derrotar o mal? Você pode estabelecer razões universalmente aplicáveis ​​e vinculantes contra coisas como genocídio e racismo? Como sua cosmovisão pode fazer exigências morais sobre alguém que não concorda com essa cosmovisão? Dada a sua cosmovisão, há justiça final e perfeita para alguém? Se não, qual é a sua solução ou explicação para isso? Como você pode definir justiça em primeiro lugar? Por que uma pessoa de outra nação ou cultura deve reconhecer seus chamados direitos? Você me questionou. Você acha que não posso questioná-lo? Hum? Responda-me!

Se você não puder responder a estas e outras milhares de perguntas que eu tenho para você com base em sua cosmovisão e seus compromissos intelectuais sem jorrar autocontradições, afirmações arbitrárias e injustificadas, e termos e proposições sem sentido, então é evidente que enquanto a existência do mal não representa ameaça à fé cristã, significa a destruição de sua patética e ridícula cosmovisão ou religião não cristã. Você é um tolo e um hipócrita por mencionar a existência do mal como uma objeção ao Cristianismo. Você deveria se odiar e pedir desculpas por desperdiçar meu tempo e por difamar a fé cristã.”

Embora muitas pessoas gostem de confrontar os cristãos com o problema do mal, a verdade é que a fé cristã é a única cosmovisão em que a existência do mal não apresenta um problema lógico. No entanto, os cristãos são muitas vezes intimidados por argumentos não cristãos. Isto acontece em parte porque eles não aprenderam as refutações a estes argumentos, mas também porque eles às vezes concordam com os não cristãos, pelo menos no nível emocional. Mas o fato de que algo causa um distúrbio emocional nas pessoas não faz nada para ameaçar a própria fé cristã.

No entanto, a Bíblia aborda até mesmo o aspecto emocional da questão: “Tu guardarás em perfeita paz aquele cujo propósito está firme, porque em ti confia” (Isaías 26:3). E o Salmo 73:16–17 diz: “Quando tentei entender tudo isso, achei muito difícil para mim, até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos ímpios”. Somente abraçando a cosmovisão cristã uma pessoa pode chegar a uma posição racional sobre a existência do mal, e somente entrando no “santuário de Deus” o assunto pode deixar de ser “doloroso”. Somente aqueles que se aproximam de Deus podem entender a realidade do mal e reter a solidez emocional. A fé cristã é verdadeira e é o único caminho para Deus e salvação. Ela é imune a ataques intelectuais. Ela não pode ser desafiada com sucesso, mas apenas estudada e obedecida.

Se o não cristão está tão perturbado com a existência do mal, ele pode pedir a um cristão como confiar em Jesus Cristo para a salvação. Ou ele pode se comprometer com uma departamento de psiquiatria, onde pode permanecer um miserável sob cuidados profissionais. Ó não cristão! Você é estúpido. Você está deprimido. E está ficando louco. Ainda assim, você não vem a Jesus Cristo para a salvação, mas se lança contra ele em rebelião desesperada. Veja até onde a humanidade caiu, que produziria um pedaço de lixo como você! Mas há esperança em Jesus. Venha a ele agora. Clame a ele em arrependimento e ele salvará sua alma tola e miserável.

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[1] A Bíblia ensina que “Deus é amor” (1 João 4:8), mas até mesmo os cristãos não entendem o que isso quer dizer. Este é o Deus que disse: “Amei Jacó, mas odiei a Esaú” (Romanos 9:13). Portanto, o termo “todo-amoroso” pode ser enganoso; entretanto, é frequentemente usado por cristãos e por aqueles que discutem o problema do mal. Em nossa resposta, vamos tolerar o termo e suas conotações enganosas, e ainda refutar o problema do mal.

[2] Às vezes, o argumento inclui a onisciência de Deus, que ele é onisciente. Se Deus sabe tudo, então ele sabe como destruir o mal.

[3] A doutrina do livre-arbítrio é antibíblica e herética, e alguns até seguiram a doutrina até o próximo passo lógico em dizer que se o homem fosse verdadeiramente livre, então Deus não pode saber com certeza o que o homem faria, negando assim onisciência de Deus. Mas ainda assim, Deus sabia que era possível que o livre-arbítrio produzisse um mal extremo e horrendo, de modo que o mesmo problema permanece.

[4] Nota do Tradutor: Cheung explica esse argumento com mais detalhes no artigo “More Than a Potter”.

[5] Existem diferentes formulações do argumento, mas com ligeiras adaptações, mas minha refutação será aplicada a todas elas.

[6] Veja Romanos 9:22–24 para uma explicação.

[7] Algumas pessoas usam termos diferentes para fazer essa mesma distinção.

[8] Nesse ponto, até mesmo alguns filósofos profissionais inclinam-se a um apelo à opinião popular. Eles afirmam que “todos sabem” que certas coisas são más e que certas coisas são males gratuitos. Em outro contexto, esses mesmos filósofos lançariam tal apelo à opinião popular para estabelecer uma premissa fundamental. O fato de que eles recorrem a essa tática mostra que eles são estúpidos e desesperados. A resposta mais óbvia é que é falacioso pensar que algo é verdade apenas porque muitos ou mesmo a maioria das pessoas pensam que é verdade.

Alguns filósofos argumentam que se a maioria das pessoas acham que existe um mal gratuito, então o ônus da prova recai sobre o cristão para mostrar que não há nenhum mal gratuito. Embora eu não concorde que o ônus da prova recaia sobre mim só porque eu contradigo a opinião popular, mesmo se isso acontecer, eu mostrei que qualquer mal que Deus decrete e causa é justificado por definição, de modo que o ônus da prova retorna ao não cristão, que deve refutar esse ponto em particular ou refutar o Cristianismo como um todo.

Além disso, mesmo que o apelo à opinião popular seja de algum modo legítimo, eu exijo prova de que é de fato a opinião popular que existe um mal gratuito. Como o não cristão pode estabelecer essa afirmação? Mesmo que ele possa realizar uma pesquisa empírica global, eu refutei o empirismo em vários lugares. Além disso, eu exijo justificativa de que ele deveria limitar sua pesquisa apenas à geração atual. Se ele não pode fazer isso, então ele também deve mostrar que desde a origem da humanidade, tem sido a opinião popular que existe um mal gratuito. Ele também deve provar que isso continuará a ser a opinião popular em todas as gerações futuras. Se ele não fizer isso, então eu não tenho razão para aceitar sua afirmação de que “todo mundo sabe” que existe mal, ou mal gratuito. Ele acha que “todo mundo sabe”, mas ele não sabe que “todo mundo sabe” — é sua opinião singular sobre a opinião popular.

Vincent Cheung. The Problem of Evil, do livro The Author of Sin, pp. 55–71. Traduzido por Luan Tavares.

Sobre o autor: Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos.
Site oficial: https://www.vincentcheung.com/

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As Obras de Vincent Cheung
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Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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