O Pacto de Obras

Vincent Cheung, Sermonettes — Volume 2 (2010).¹

As Obras de Vincent Cheung
9 min readJun 15, 2021

Eu estava lendo seu comentário recente sobre Adão e o pacto. Você está dizendo que não havia pacto entre Deus e Adão (o pacto de obras)?

Como você entenderia Oseias 6:7? “Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles foram infiéis a mim” (NAA).

Oseias 6:7 não apóia claramente o pacto das obras como alguns teólogos reformados fazem parecer. Para citar algo simples, o New Bible Commentary diz:

É possível que Adão se refira ao primeiro homem e sua desobediência ao mandamento direto de Deus, mas a palavra pacto não foi encontrada em nenhum lugar antes de Noé (Gn 6:18) na história de Adão e Eva e seus descendentes. A maioria dos comentaristas lê ‘como em Adão’,² um lugar mencionado em Js 3:16 onde as águas do Jordão foram abertas, permitindo que o povo de Israel cruzasse para a terra prometida. Se essa leitura estiver correta, Adão, uma cidade em Gileade a caminho de Siquém, havia se tornado um lugar de ladrões violentos (8–9). Não sabemos de atos violentos específicos lá, mas a conspiração contra Pecaías foi executado por Peca e cinquenta homens de Gileade (2Rs 15:25). É bem provável que os sacerdotes estivessem envolvidos neste ou em atos semelhantes (9; cf. 2Rs 11, onde o sacerdote Joiada desempenhou o papel principal em uma conspiração vantajosa). O v. 10 resume a situação novamente nos termos usados ​​antes.

Mais uma vez, o profeta faz uma observação crítica em Judá (11a). Aqueles que ouvem sobre a condenação de outra pessoa com aprovação precisam examinar a si mesmos.

Como acima, eu concordo que parece “possível” que o versículo se refira ao homem Adão, mas está longe de ser certo. Mesmo que o versículo se refira a Adão, deve estar usando o termo “aliança” em um sentido muito geral para acomodar as grandes diferenças entre o que Deus disse a Adão e o que Deus disse a Israel. Também é possível que, mesmo que o versículo se refira a Adão, a ênfase repousa na semelhança na desobediência, no trato “infiel” com Deus, e não no trato sem fé no contexto de uma aliança. Então, mesmo que o versículo se refira a Adão, e a ênfase repouse na aliança, o que você tem é a simples ideia de que havia uma aliança com Adão em um sentido extremamente geral. Isso não é de forma alguma suficiente para provar uma doutrina elaborada como o pacto de obras.

Depois de dar a eles tantos passes, ainda não temos a doutrina declarada pelos teólogos reformados. Parece que eles foram “infiéis” a Deus ao inventar uma doutrina e colocá-la em um lugar crucial na fundação de um sistema, sem garantia real.

Adão era de fato o líder federal da humanidade, mas isso não envolvia necessariamente um pacto. Deus pode fazer de qualquer pessoa o líder de qualquer coisa simplesmente pensando assim, sem impor um pacto no sentido que os teólogos entendem. Se a palavra “federal” parece denotar a existência de um pacto por definição, então podemos simplesmente prescindir dela e chamar Adão de representante da raça humana. Novamente, se alguém insiste que houve um pacto, então a palavra deve ser usada em um sentido extremamente geral, e não há nada como o que é dito sobre o pacto de obras nela.

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Acabei de ler seu artigo intitulado “Transgression: You Will Surely Die”. Nele você escreveu: “[N]ão há indicação de provação nas instruções de Deus a Adão. E não há promessa de recompensas a uma vida superior após um período de obediência. Nem há qualquer vestígio do estabelecimento de um pacto. A doutrina é uma invenção humana e deve ser descartada”.

Posso presumir que você está se referindo ao Pacto de Obras (PdO)? Em caso afirmativo, você está afirmando que o PdO não existe? Ou que, se existe, está estabelecido em outro lugar?

Eu entendo que alguns, como John Murray, não gostam de se referir ao PdO como um pacto, embora aceitem a substância dele. Mas parece que no contexto do trecho, você não aceita a designação nem o conteúdo dele. É seguro para mim assumir isso?

Certo. Minha afirmação é que não há base bíblica para a doutrina do pacto de obras. Não há nenhuma indicação em nenhum lugar (1) de que Adão estava sob provação, (2) que esta provação foi por um determinado período de tempo, (3) que alguma recompensa ou vida superior foi prometida para obediência ao longo desta provação, e (4) que o que Deus disse a Adão pode ser chamado de pacto. Parece que esses pontos foram completamente inventados.

A Confissão de Fé de Westminster diz: “O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal”. As provas bíblicas citadas são:

Gálatas 3:12 (ARC) Ora, a lei não é da fé, mas o homem que fizer estas coisas por elas viverá.

Romanos 10:5 (ARC) Ora, Moisés descreve a justiça que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas.

Romanos 5:12–20 (ARC) Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram. Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir. Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos. E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou; porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação. Porque, se, pela ofensa de um só, a morte reinou por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça e do dom da justiça reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça.

Gênesis 2:17 (ARC) Mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.

Gálatas 3:10 (ARC) Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque escrito está: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las.

Não há nada — absolutamente nada — nessas passagens que indique os quatro pontos acima na doutrina do pacto de obras.

Observe que “por elas viverá” se refere ao estilo de vida, e não a algo como “vida eterna” ou “ter vida em vez de morte”. Significa que, se você seguir o caminho da lei, terá que fazer dela o seu estilo de vida. Estranhamente, alguns dos comentários não são claros sobre isso, mas o Life Application Commentary acertou: “Citando novamente a lei (Lv 18:5), Paulo apoiou sua afirmação: ‘Se você deseja encontrar vida obedecendo à lei, você deve obedecer a todos os seus mandamentos’. A própria lei diz que somente a obediência perfeita pode obter a aprovação de Deus — uma pessoa só pode ‘viver’ pela lei obedecendo-a completamente, sem falta. O problema é que ninguém pode fazer isso — é humanamente impossível”.

No mesmo sentido, os justos viverão pela fé, não para que eles “tenham vida” pela fé, mas para que seu “estilo de vida” seja a fé. A ESV Study Bible diz isso para “o justo viverá pela fé”: “A vida de fé é abrangente: é pela fé que alguém inicialmente recebe o dom da salvação (vida eterna), mas é também pela fé que alguém vive cada dia”.

Portanto, isso é uma descrição ou um preceito, mas não uma promessa. Mas mesmo se fingirmos que “viver” aqui é uma promessa, observe que os versículos citados se referem à Lei de Moisés. Isso necessariamente tem a ver com o que Deus disse a Adão, e isso torna o que ele disse a Adão um pacto? Os teólogos falharam totalmente em defender isso.

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No que diz respeito à Lei de Moisés, eu acho que alguns podem dizer que o pacto com Moisés foi uma republicação de um pacto com Adão, e argumentariam por meio da Lei de Moisés que o que Deus disse a Adão foi um pacto. Mas isso parece ser um argumento retrocesso ou até mesmo uma petição de princípio.

Sim, e a menos que eles possam provar a conexão, isso seria outra coisa que eles inventaram. Eles são motivados a manter o pacto de obras em parte porque querem dizer que a obediência ativa de Cristo a cumpriu, ou porque pensam que sua obediência ativa só faz sentido neste contexto. Eu discordaria dessa suposição, embora eu afirme uma doutrina da obediência ativa de Cristo.

Eu acho difícil entender a obediência ativa de Cristo fora do pacto de obras. Acho uma relação atraente entre os dois.

O pacto de obras parece ser necessário para dar sentido à obediência ativa de Cristo apenas porque você assume uma correspondência, provavelmente porque os reformados lhe disseram para assumir uma. Essa correspondência em si exige evidências, mas o que encontramos são evidências contrárias. Em uma passagem principal que ensina obediência ativa, uma correspondência é explicitamente negada:

Entretanto, não há comparação entre a dádiva e a transgressão. De fato, muitos morreram por causa da transgressão de um só homem, mas a graça de Deus, isto é, a dádiva pela graça de um só, Jesus Cristo, transbordou ainda mais para muitos. Não se pode comparar a dádiva de Deus com a consequência do pecado de um só homem: por um pecado veio o julgamento que trouxe condenação, mas a dádiva decorreu de muitas transgressões e trouxe justificação. Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus Cristo.

Consequentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens. Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos pecadores, assim também por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos justos.

A Lei foi introduzida para que a transgressão fosse ressaltada. Mas onde aumentou o pecado transbordou a graça, a fim de que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reine pela justiça para conceder vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. (Romanos 5:15–21)

Eles não estavam operando nos mesmos termos, e o que Cristo ganhou não correspondeu ao que Adão perdeu. Ou seja, não há evidência de que Adão deveria cumprir um pacto e, mesmo se ele cumprisse, não há evidência de que Cristo escolheu o mesmo pacto para cumpri-lo. Caso contrário, Adão teria se tornado o Senhor da Glória se tivesse tido sucesso, mas esse papel é adequado apenas à divindade, portanto, era impossível que Deus tivesse prometido isso a ele. Se for dito que Cristo assumiu o pacto de Adão, mas com promessas adicionais, então isso apenas aumenta o peso sobre a doutrina do pacto de obras. Todas as reivindicações anteriores permanecem sem suporte, e esta, também sem suporte, agora é colocada em cima delas. A doutrina torna-se assim uma monstruosidade de retalhos e petições de princípio.

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¹ Adaptado de correspondência por e-mail.
² Nota do Tradutor: Algumas versões reconhecem isso e já traduzem o versículo de acordo. Por exemplo, a NVI diz: “Na cidade de Adão, eles quebraram a aliança e me foram infiéis”; a NTLH: “Mas na cidade de Adã o meu povo quebrou a aliança que fiz com ele e ali foi infiel a mim”; e a VFL: “Mas Efraim e Judá quebraram a aliança em Adã. Ali me enganaram”.

Vincent Cheung. The Covenant of Works. Disponível em Sermonettes — Volume 2 (2010), pp. 85–89. Tradução: Luan Tavares (31/12/2018).

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Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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