João 3:19–21
Extraído de “Born Again” (2006).
Não podemos julgar o que não podemos conhecer, e portanto admitimos que não podemos julgar os pensamentos e motivos de alguém quando não podemos conhecer o coração de uma pessoa. Além disso, seria injusto especular sobre os pensamentos e motivos de uma pessoa, e então fazer um julgamento sobre ela sob tal base. Quando fazemos isso, não apenas pecamos contra o homem, mas pecamos contra Deus, pois fingimos que podemos fazer o que apenas um juiz onisciente pode fazer, e assim usurpamos seu papel e roubamos sua honra.
Tudo isso é verdade, mas ocorrem problemas quando inferimos a partir disso que não podemos ter nenhum conhecimento confiável sobre os corações dos homens, de modo que nunca possamos fazer quaisquer declarações autoritário a respeito dos pensamentos e motivos deles, nem mesmo denunciar a incredulidade e o comportamento pecaminoso deles. A inferência é inválida, porque mesmo que não tenhamos conhecimento direto sobre os corações dos homens, Deus conhece todas as coisas, e ele nos disse algo sobre o que ele sabe sobre os maus pensamentos e motivos dos não cristãos.
E com base nisso — não em especulação, mas na revelação — podemos confiantemente expor os pensamentos do pecador e criticar seus motivos. É claro que não conhecemos o coração do pecador na plenitude e com a precisão que Deus conhece, mas podemos conhecer tanto quanto Deus nos revelou. Não devemos especular além do que Deus revelou, mas, ao mesmo tempo, devemos aplicar corajosamente o que o Espírito nos mostrou sobre o pecador na Bíblia.
Nos versículos 19–21, o apóstolo inspirado nos expõe não apenas as reações dos homens em relação a Cristo, mas também seus motivos e razões para essas reações diferentes:
Este é o julgamento[21]: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se veja claramente que as suas obras são realizadas por intermédio de Deus.
Morris acha que veredicto” é uma tradução enganosa: “A palavra denota o processo de julgamento, não a sentença de condenação”[22]. Se lermos a passagem cuidadosamente, devemos notar que ela está descrevendo como o julgamento é elaborado em vez de um pronunciamento de julgamento.
Claro, há um julgamento, e há um pronunciamento, mas essa passagem tem uma ênfase diferente. Seria estranho traduzir a palavra como “julgar”, mas algumas versões tentam transmitir o significado. Por exemplo, a NLT diz: “O julgamento deles é baseado nesse fato”, e a GNT diz: “É assim que o julgamento é feito”.
Primeiro, João diz “A luz veio ao mundo”. Isso estabelece o ponto de referência pelo qual as pessoas são julgadas. A natureza e seus motivos delas são revelados por como elas reagem e se relacionam com a luz. Esta luz é Jesus Cristo, que diz em outro lugar neste Evangelho: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida” (8:12). Portanto, ele é o ponto de referência pelo qual as pessoas são julgadas.
João continua: “[…] mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más”. Ele nos diz a reação dos homens e a razão para essa reação. Jesus Cristo, a luz, veio ao mundo. Mas os homens preferiram amar as trevas. Isto não é porque é irracional vir à luz, e não é porque esses homens já têm a luz, ou que eles têm algo melhor. Mas eles amam as trevas porque suas obras são más, porque são malfeitores.
Ora, não é como se esses malfeitores apenas preferissem o mal, que enquanto eles elogiam a luz e aqueles que vêm para a luz, eles apenas sentem que devem seguir em direção a outro caminho. Não, João diz: “Quem pratica o mal odeia a luz”. Eles se ressentem e odeiam a luz. Alguns fogem dela, e alguns se opõem ativamente a ela. Paulo atacou a luz até que a luz revidou e fez dele um crente (Atos 9).
O malfeitor “não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas”. Veja, há algo errado com ele. Há algo errado com o não cristão. Há algo errado com a pessoa que ouve o evangelho mas não crê. Há algo errado com a pessoa que argumenta contra o Cristianismo. E há algo errado com a pessoa que afirma uma religião diferente da fé cristã. Não há nada de errado com Cristo ou com o Cristianismo, mas o que está errado é que o malfeitor teme que suas obras sejam manifestas. A palavra traduzida como “manifestas” também pode significar condenar ou reprovar.
Esta é a razão pela qual as pessoas não vêm a Cristo e não creem nele. Não é porque há algo errado do lado do Cristianismo, mas é porque o incrédulo é mau, e ele não quer ser manifesto, condenado e reprovado. Ele se ressente e teme a luz, e assim foge e se esconde dela. Aqueles que desejam manter seu orgulho às vezes ridicularizam, argumentam contra ela e a difamam, inventando histórias sobre ela.
Eles se dariam todo tipo de razões para não vir à luz, temendo que fossem expostos aos indivíduos depravados que são. Por exemplo, algumas pessoas podem basear sua incredulidade em uma obra de ficção, um romance baseado em teorias antigas e refutadas sobre a fé cristã. E muitas vezes seus argumentos e teorias até se contradizem. Mas elas estão desesperadas, e assim se apegam a qualquer coisa para lhes dar uma justificativa.
Em contraste, “quem pratica a verdade vem para a luz[23], para que se veja claramente que as suas obras são realizadas por intermédio de Deus”. O versículo literalmente diz: “quem faz a verdade”, ou como na NASB, “aquele que pratica a verdade”. Assim, nestes três versículos (vv. 19–21), João nos dá uma imagem de alguém que faz o mal e aquele que faz a verdade.
Embora João goste de contrastes e paralelos, sua descrição dessas duas pessoas não corresponde exatamente em todos os pontos. O primeiro faz o mal, mas ao invés de dizer que o segundo faz bem, ele diz que essa pessoa pratica “a verdade”. Tanto no seu Evangelho como nas suas Epístolas, a “verdade” está inseparavelmente ligada à pessoa e doutrina de Jesus Cristo. Assim, a pessoa que acolhe a luz não é apenas alguém que faz o bem em geral, mas é aquele que segue ou pratica os ensinamentos de Cristo.
Ele vem para a luz “para que se veja claramente que as suas obras são realizadas por intermédio de Deus”. Aqui está outro ponto em que o contraste não é um paralelo exato. O malfeitor não vem à luz porque suas ações são más e ele não quer ser manifesto, condenado e reprovado. Por outro lado, João não diz que aquele que vem para a luz deseja que todos vejam que suas obras são boas, mas deseja que se saiba que suas obras foram “realizadas por intermédio de Deus” ou literalmente “feitas em Deus” (NASB). Aquele que vem para a luz o faz porque Deus tem operado em e através dele. O versículo ensina, assim, “uma forte doutrina da eleição divina”.[24]
Alguns comentaristas sugerem que há um sentido em que a pessoa que se esconde da luz é autocondenada. A ilustração é usada dizendo que a maneira como uma pessoa reage a uma obra de arte estabelecida nos diz algo sobre a pessoa e não sobre a obra de arte. A obra-prima serve como um padrão e um ponto de referência pelo qual a pessoa é julgada, e em vez de prejudicar seu valor, a pessoa que menospreza a obra-prima é “autocondenada”, pelo menos quando se trata de apreciação da arte. De maneira similar, a pessoa que não vem para a luz trai sua verdadeira natureza e motivos, e de acordo com o início do versículo 19, é assim que o processo de julgamento ocorre.
Não há problema com isso — e, de fato, se é isso que a passagem ensina, não pode haver nenhum problema com isso — contanto que nos lembremos de que a descrição é relativa, de modo que não abusemos do texto derivando-lhe alguma ideia da liberdade humana, como se o homem fosse autocondenado à parte de Deus. Não, isso contradiz o ensino consistente da Escritura, que Deus exerce controle total sobre todos os homens, seja para o bem ou para o mal.
O texto é relativo porque, embora de fato nos diga como a humanidade é dividida por Cristo como o padrão e o ponto de referência, ele não nos diz por que alguns são malfeitores e por que eles continuam assim. Nada no texto diz que o mal é autocausado ou que os homens se fazem mal. Além disso, em um contexto em que Paulo está falando sobre os eleitos e não eleitos, aqueles a quem Deus ama e aqueles a quem Deus odeia (Romanos 9:13), ele menciona que depende de Deus fazer “do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso” (v. 21).
O próprio Evangelho de João se refere àqueles que “pertencem” a Deus e àqueles que “pertencem” ao diabo, e nada indica que as próprias pessoas são aquelas que decidem a quem elas pertencerão. E não devemos esquecer a passagem, também no Evangelho de João, que diz que algumas pessoas não podem crer porque Deus ativamente cega suas mentes e entorpece seus corações. Assim, tanto os eleitos como os não eleitos são feitos assim por Deus, e ativamente mantidos por Deus, e é isso que explica por que eles se comportam de maneira diferente em João 3:19–21.
Além disso, embora a ideia de autocondenação tenha algum significado em um contexto muito restrito — ela nos diz como algumas pessoas se comportam em relação a um ponto de referência — ela não pode ser pressionada muito longe. Não é como se uma pessoa pudesse criar um inferno e depois se enviar para lá. Não, Deus decidiu criá-lo e mandar pessoas para lá. Um homem nem mesmo saberia como ir para o inferno depois que ele morresse, a menos que Deus o levasse para lá. Ora, você acha que Deus simplesmente entregaria um mapa a ele e esperaria que ele encontrasse seu caminho para o inferno sozinho? Não, João escreve que o incrédulo é lançado no lago de fogo (Apocalipse 20:15).
Quando deixamos de mantê-la dentro do contexto, a ideia de autocondenação pode produzir várias implicações antibíblicas.[24] Se devemos manter esse termo, pelo menos devemos dizer que Deus é aquele que faz as pessoas pensarem e se comportarem de uma maneira que condenam a si mesmas. Mas muitas vezes é mais fácil apenas dizer que Deus as faz assim, as mantém assim, então as condena por ser assim, e que em tudo isso, ele permanece justo e irrepreensível. Assim como um oleiro tem o direito de fazer o que quiser com uma massa de barro, Deus tem o direito de fazer qualquer tipo de criatura que desejar e fazer o que quiser com elas.
Os incrédulos nos dizem para não julgá-los. “Seus fanáticos intolerantes!”. Eles diriam: “Você nem nos conhece!”. Nós não reivindicamos conhecer mais do que o que Deus nos revelou através da Escritura, mas a Escritura nos dá muita informação sobre seus pensamentos e motivos que tornaram a especulação desnecessária. Destes três versículos, nós já sabemos sobre as disposições, a natureza de seus atos e por que eles não vêm a Cristo. Deus nos deu uma descrição de seus próprios pensamentos e motivos, de modo que saibamos o que acontece em seus corações, mesmo em um profundo nível espiritual.
Nós não brincamos de ser Deus nem usurpamos sua autoridade, mas apenas repetimos e expomos o que ele já declarou: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más”. E, ao mesmo tempo, precisamente porque não brincamos de ser Deus ou usurpamos sua autoridade, não ousamos manter em silêncio sua revelação para nós ou comprometer sua mensagem perante o mundo, quando ele nos ordenou que pregássemos a todas as nações.
Os não cristãos querem que paremos de ver as coisas em preto e branco, em absolutos, e comecemos a ver em tons de cinza. Mas João não nos dá tal opção. Com ele, é crença ou incredulidade, vida ou morte, amor ou ódio, luz ou trevas, bem ou mal, verdadeiro ou falso, e salvação ou condenação. Ele embala todas essas ideias nos versículos 16–21, e ele as repetiria e acrescentaria várias outras no restante de seus escritos. Você é cristão ou não cristão. Você crê em Cristo ou não crê em Cristo. Se você crê, você tem vida eterna, mas se você não crê, você está condenado ao inferno para sempre. É simples assim.
O homem é pecador. Ele precisa de um salvador. Jesus é a resposta. Apenas ler João 3:1–21 é suficiente para fazer um cristão chorar e tremer. Seu espírito responde às palavras de Deus (João 6:63), e seu coração arde dentro dele ao ler (Lucas 24:32). Mas tudo isso parece morto para os condenados. Não, não é que as palavras estejam mortas — elas são “viva e eficaz” (Hebreus 4:12) — mas os corações dos condenados estão mortos.
E você? Tudo isso significa alguma coisa para você? Toda essa conversa sobre espírito, fé, vida e luz soa insensata e tola para você? Não há nada errado com a mensagem, mas há algo errado com você. Você ainda está morto em seus pecados e precisa nascer de novo. Procure ele hoje. Suplique por ele hoje. E pode ser que ele tenha escolhido você antes mesmo da fundação do mundo, para que ele agora abra sua compreensão, reviva seu espírito e lhe conceda uma nova vida em Cristo.
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[21] Nota do Tradutor: “Este é o veredicto” na versão do autor (NIV). Aqui a NVI não seguiu a matriz de tradução da sua versão em inglês NIV.
[22] Morris, Gospel According to John, p. 206.
[23] Nota do Tradutor: “Whoever lives by the truth comes into the light”, ou “Todo aquele que vive pela verdade vem para a luz”, na versão do autor.
[24] J. Ramsey Michaels, John, New International Biblical Commentary (Hendrickson Publishers, Inc., 1989), p. 60.
[25] Para ilustrar, Romanos 2:1–2 diz: “Portanto, você, que julga os outros é indesculpável; pois está condenando você mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica as mesmas coisas. Sabemos que o juízo de Deus contra os que praticam tais coisas é conforme a verdade”. Paulo escreve: “Está condenando você mesmo”, mas ele está descrevendo seu comportamento em relação ao padrão que é a lei de Deus (vv. 12–15). A expressão não nos diz o que os leva a desobedecer a lei, ou porque eles julgam os outros por fazer as mesmas coisas. Paulo não está falando de metafísica, ou soberania divina e liberdade humana. Quando se trata destas últimas questões, ele é enfático de que Deus é quem controla tanto os eleitos quanto os não eleitos, tanto os justos quanto os ímpios.
Vincent Cheung. Born Again (2006), pp. 61–65. Tradução: Luan Tavares (28/02/2019).
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Siglas das versões bíblicas em inglês:
● GNT — Good News Translation
● NASB — New American Standard Bible
● NLT — New Living Translation