Jeremias 32:35
Alguém escreveu: “Se você está tão convencido de que o Deus Santíssimo é a causa última por detrás de todo pecado e mal, explique por que Ele afirma inequivocamente o exato oposto a respeito da idolatria em Jeremias 32:35: ‘E eles edificaram os altos de Baal, que está no Vale do Filho de Hinom, para fazer passar seus filhos e suas filhas pelo fogo a Moloque, o qual não lhes ordenei, nem me veio à mente que fizessem essa abominação, para fazer Judá pecar’. Deus está claramente afirmando que isso não é obra Dele. Se não veio em Sua mente que eles deveriam oferecer seus filhos aos ídolos, então como você pode dizer que Ele de fato decretou isso antes do mundo existir?”
O que você pode dizer sobre a afirmação dele?
Isso é um abuso tão ingênuo e irresponsável da Escritura que nunca veio em minha mente que seria usado contra a doutrina da soberania de Deus sobre todas as coisas, isto é, a doutrina de que Deus é Deus. É um bom exemplo de uma pessoa que é ignorante em teologia, e se recusando a reconhecer o contexto do versículo — não apenas os versículos em torno do versículo, mas as palavras em torno de uma expressão dentro do versículo — ela distorce uma passagem bíblica para provar um ponto antibíblico.
Primeiro, reafirmamos a distinção bíblica entre o decreto divino e o preceito divino. Como expliquei e defendi isso em vários lugares, oferecerei apenas um resumo. Um decreto divino é o que Deus decidiu causar. Um preceito divino, por outro lado, não tem nada a ver com causação. É a definição de Deus do que é a verdade e justiça. É sua definição da obrigação moral do homem, e frequentemente aparece na forma de um mandamento.
O versículo diz que Deus nunca lhes ordenou que sacrificassem seus filhos a Moloque. Isso fornece o contexto para entender a expressão que vem logo em seguida. A ideia de que “nunca veio em minha mente” corresponde a “Eu nunca ordenei”. Ele enfatiza até que ponto essa prática foi removida dos mandamentos de Deus. O versículo é irrelevante para saber se Deus decreta ou causa o mal. O ensinamento é afirmado em muitas outras passagens bíblicas, mas não é afirmado ou negado aqui. Algumas traduções reconhecem isso e traduzem o versículo em concordância. Por exemplo, a NLT [New Living Translation] diz: “Eles construíram santuários pagãos para Baal no vale do filho de Hinom e ali sacrificam seus filhos e filhas para Moloque. Eu nunca ordenei um ato tão horrível; nunca passou pela minha cabeça ordenar uma coisa dessas. Que mal incrível, fazendo com que Judá pecasse tão grandemente!”. O versículo não diz que “nunca passou pela minha cabeça” causar o mal, mas ordenar o mal. Se Deus tivesse ordenado isso como sua obrigação moral, teria sido uma coisa justa de se fazer.
Portanto, eu respondi a essa objeção contra a doutrina bíblica, mas essa pessoa ficou com um problema.
Para que a objeção dele faça sentido, ele deve insistir que o versículo se aplica ao decreto de Deus, ou a sua determinação de causar. Para ele, então, o versículo deve significar que nunca passou pela mente de Deus que eles realizariam tal coisa, ou que nunca passou pela mente de Deus que ele causaria tal coisa.
No entanto, se o versículo é interpretado para significar que nunca passou pela mente de Deus que eles fariam tal coisa, então isso equivale a uma negação da presciência de Deus. Minha posição é que a presciência de Deus e a pré-ordenação de Deus são duas faces da mesma moeda. Ele sabe todas as coisas porque causa todas as coisas e conhece a si mesmo, portanto ele sabe tudo o que causaria. Mas mesmo se eu adotar a falsa ideia de que a presciência é mera previsão, ou um conhecimento passivo de eventos futuros, essa presciência ainda seria negada por tal interpretação do versículo. Então, se o versículo é interpretado para significar que nunca passou pela mente de Deus que ele causaria tal coisa, isso também equivale a uma negação da presciência de Deus, com a blasfêmia adicionada de que Deus nem mesmo se conhece, já que isso significaria que ele não podia conceber todas as opções possíveis para ele. Isso significaria que ele é incapaz de pensamento hipotético. No entanto, causar o mal é claramente concebível para ele (ele pode compreender o conceito), porque de acordo com essa interpretação, ele interage com a ideia nesse versículo. Essa interpretação deveria alarmar os crentes e incitar veemente condenação contra qualquer um que o defenda como uma refutação da doutrina de que Deus causa todas as coisas, inclusive o mal.
Parece que essa pessoa realmente assume a segunda interpretação, já que ela escreve: “Deus está claramente afirmando que isso não é obra Dele”. Portanto, ela não apenas falha em atingir seu objetivo de refutar a doutrina da soberania de Deus, mas também colocou-se em uma posição mais perigosa. Uma vez que esse uso do versículo equivale a um ataque contra a natureza de Deus, até mesmo sua onisciência, ele põe em dúvida sua profissão de fé. Isto é mais do que um argumento para ele ganhar ou perder, mas é uma distorção pecaminosa da Escritura para ele se arrepender, para que não enfrente o desprazer de Deus por sua irreverência e blasfêmia.
Vincent Cheung. Jeremiah 32:35. Disponível em The Author of Sin (2014), pp. 107–108. Tradução: Luan Tavares (14/08/2019).