Igreja e Seminário
Vincent Cheung, Doctrine and Obedience (2012), pp. 4–7.[1]
Se os seminários são necessários, eles são necessários apenas porque as igrejas não têm ministérios de ensino adequados. É claro que mesmo quando uma igreja tem um ministério de ensino adequado, um seminário ainda pode ter certas vantagens, como uma comunidade maior de eruditos, uma biblioteca maior e assim por diante. No entanto, se a igreja leva a sério seu ministério de ensino, então a diferença entre seus recursos e os recursos de um seminário será apenas de grau. Uma igreja poderia ter sua própria comunidade de eruditos (presbíteros docentes, etc.), uma biblioteca de bom tamanho e outros recursos para ensino e pesquisa, de forma que um seminário, mesmo que útil, ainda não seja absolutamente necessário para o treinamento ministerial.
O modelo de treinamento de Cristo (Jesus e os Doze) e dos apóstolos (Paulo e Timóteo) é mais do que suficiente. Se parece insuficiente, é apenas porque as igrejas não o adotaram realmente. Os líderes de uma igreja devem ser capazes de treinar seus próprios companheiros e sucessores, ao invés de ter de enviar seu pessoal a seminários para serem ensinados por pessoas que ninguém na igreja conhece, ou pior, para contratar alguém de fora com quem a igreja nunca teve um relacionamento.
Alguns formados no seminário são estúpidos, arrogantes e indignos do ministério. Na maioria dos casos eles não são nem exemplos de “o conhecimento traz orgulho” (1 Coríntios 8:1), mas é a crença de que eles têm conhecimento que traz orgulho para eles, visto que na verdade eles sabem muito pouco. É impossível dizer se uma pessoa sabe alguma coisa só porque tem um diploma.
Eu comecei a demonstrar interesse por assuntos bíblicos quando estava no ensino fundamental e, como isso continuou por vários anos, meus pais queriam ter certeza de que eu não fosse enganado em meus estudos. Então, eles me levaram a vários pastores treinados no seminário e me deram a oportunidade de discutir questões teológicas com eles. Eles não puderam responder às minhas perguntas. Quando nossas posições divergiram, eles não puderam refutar o que eu disse. E eles não conheciam nem metade das passagens bíblicas que discutimos tão bem quanto eu.
Eu sabia muito pouco e algumas das minhas crenças eram falsas. De fato, eu nem mesmo era convertido na época. Mas esses pastores, que foram treinados no seminário e passaram muito tempo no ministério, não podiam instruir ou refutar adequadamente nem mesmo uma criança como eu. Não porque eu era especialmente inteligente, mas eles eram especialmente incompetentes, apesar de seus anos de treinamento e experiência. É claro que nem todos os formados no seminário são assim, mas a questão é que só porque uma pessoa se formou no seminário não significa que ela seja competente.
Se eu contratasse um graduado do seminário de fora de meu círculo, em vez de promover alguém que conheço e treinei há anos, não haveria chance de permitir que ele ensinasse em minha congregação ou em meu público imediatamente. Primeiro, embora ele tenha um diploma do seminário, eu ainda não tenho ideia se ele sabe alguma coisa ou se é bom em alguma coisa, porque um diploma nunca prova conhecimento ou competência. Segundo, conhecimento e competência não são as únicas qualificações para o ministério, mas um ministro deve ser irrepreensível em seu caráter.
Portanto, eu posso colocá-lo em observação por um tempo e obrigá-lo a fazer todo tipo de trabalho doméstico. Eu o faria transportar caixas. Eu o faria esfregar vasos sanitários.[2] Eu o faria servir café para zeladores e secretárias. Eu faria com que ele ajudasse no berçário para trocar fraldas e a limpar vômito. Se ele pensa que é bom demais para tudo isso, então ele não é bom para o ministério. Se, recém-saído do seminário, ele pensa que já é algum “homem de Deus” que é muito importante para fazer qualquer outra coisa além de ensinar e escrever, e ter pessoas sentadas a seus pés para ouvir sua sabedoria, então ele é um pedaço de lixo inútil, e ele é tão estúpido que não sabe disso.
Ninguém na organização se intimidaria com seu diploma no seminário. Quanto mais ele fala sobre o diploma ou tenta impressionar as pessoas com isso, mais nós o desprezaremos e o humilharemos. Se ele alguma vez se apresentar como “doutor” fulano de tal, então ele pode muito bem sair direto pela porta e nunca mais voltar (Mateus 23:7–12). Se ele tem o que é preciso, pode nos mostrar por seu serviço humilde e excelente.
Há vários outros detalhes que poderia notar. Eu o levaria para tarefas e refeições, e observaria como ele trata os garçons e os porteiros. Eu sugeriria casualmente que nos encontrássemos em um determinado horário e depois veríamos se ele chegaria mais cedo (eu sempre chego). Se ele for casado, eu observaria como ele interage com sua esposa, para ver se ele domina egoisticamente sobre ela ou se ele usa sua autoridade para servi-la com amor sacrificial.
Quando alguém está requerendo para o ministério, todas essas coisas são relevantes e, depois ele também deve atender aos padrões intelectuais e doutrinários adequados. Se for alguém que eu treinei, ele teria todas as informações de que preciso sobre ele, mas o diploma do seminário não me diz nada disso. Considere as lições e testes baseados em Lucas 14:7–11, Provérbios 29:5, Tiago 1:19 (também Provérbios 10:19) e outros. E daí se ele tem um diploma de seminário? Mesmo que ele venha de um dos melhores seminários, isso ainda pode significar que é mais provável que ele seja cheio de orgulho, incredulidade, falsas doutrinas e tradições de homens. É fácil treinar alguém mais espiritualmente e intelectualmente competente em vários meses a um ano. Se ele é muito “santo” ou educado demais limpar vômito ou esfregar o vaso sanitário, então não quero que ele lamba o carimbo da minha igreja ou ministério. Ele não é bom o suficiente para ser o quebra-mola do estacionamento da igreja e pode esquecer que é um professor. Por outro lado, nada do que descrevi deve representar um problema para um servo genuíno, alguém que não está tentando ser um mestre ou uma celebridade para o povo de Deus (Mateus 20:25–28).
Tudo isso se aplica a mim também — o dia em que me considerar um “homem de Deus” demais para esfregar o banheiro da igreja é o dia em que me tornei como um banheiro imundo para Deus. E não seria o suficiente para fazer um trabalho pela metade — se eu esfregar um vaso sanitário, vou fazê-lo brilhar. Não vou fingir que tive tantas oportunidades de realizar trabalhos domésticos como muitas outras pessoas, mas sempre que a demanda foi colocada sobre mim, eu fiz um bom trabalho com uma boa atitude.
Para ilustrar com uma experiência anterior, todos os alunos do meu colégio foram obrigados a trabalhar na cozinha por um ano. Eu fui colocado sob o comando de uma supervisora idosa que estava acostumada a lidar com alunos mimados e resmungões — o trabalho na cozinha era considerado o pior no campus. Provavelmente esperando um outro trabalhador preguiçoso e chorão, a supervisora foi muito severa e crítica no início. Mas trabalhei tão duro e tão bem que a atitude dela em relação a mim mudou depois de vários dias, e ela até começou a me dar tratamento preferencial.
Fui promovido das tarefas mais fedorentas e nojentas na cozinha (como despejar sobras de pratos e bandejas das pessoas em um buraco onde toda essa comida misturada descartada tinha estado por muitas horas), para tarefas repetitivas como descascar batatas (milhares de pequenas batatas vermelhas!), e por fim à frente da cozinha para arrumar os itens nas bancadas e servir comida aos alunos.
Minhas tarefas favoritas eram as nojentas e as repetitivas. As pessoas ficavam longe quando eu fazia as tarefas nojentas (eu não achava que isso era tão ruim, mas os outros achavam), e eu não precisava pensar no que estava fazendo para as tarefas repetitivas, de modo que enquanto eu estava trabalhando, eu passaria todas aquelas horas pensando na Escritura e no sermão que eu pregaria naquela semana.
No último dia, quando o ano acabou e era hora de eu ir embora, os trabalhadores adultos em tempo integral da cozinha estavam aos prantos — choravam e tremiam. Este é o poder da ética bíblica de trabalho normal. Eu não era assim porque nasci assim, mas porque era cristão, soberanamente transformado e treinado por Deus.
Jesus nos deixou um exemplo. Visto que nosso Senhor e Mestre estava disposto a realizar a obra de um servo, não ousamos nos considerar maiores do que nosso mestre (João 13:14–17). Não seria bíblico exigir que um ministro fizesse trabalho doméstico como parte de seus deveres regulares (Atos 6:2), mas ele nunca deve se considerar acima disso e deve participar com prazer sempre que necessário. De fato, um líder deve fazer questão de se humilhar e dar o exemplo, ajudando nas tarefas humildes na igreja, sem negligenciar seus deveres principais.
Se eu fosse treinar ou testar alguém que contratei de fora, terei de pagar a ele um salário razoável enquanto ele estiver em observação e, enquanto isso, ele não estaria fazendo o trabalho que eu o contratei para fazer em primeiro lugar. Além disso, eu tenho usado a humildade e a ética no trabalho apenas como exemplos — há muitas outras coisas que preciso testar e ensinar a ele. Mas se eu fosse promover alguém da minha própria igreja ou ministério, ele já teria sido treinado e testado por um longo tempo.
Há algumas coisas que um seminário pode fazer para treinar e testar seus alunos no que diz respeito à humildade. Por exemplo, pode fazer com que os alunos façam todo o trabalho de zeladoria. Mas os seminários podem considerar isso inviável por várias razões, e aqueles que estão dispostos a implementar algo assim não podem fazer com que funcione tão bem quanto uma igreja pode. Além disso, se os alunos fizerem esse tipo de trabalho como um requisito da escola, eles podem não perceber seu significado e apenas seguir em frente, e o trabalho seria muito menos humilhante para os orgulhosos (o que torna o treinamento menos significativo e eficaz) do que se estivessem em minoria, como seria o caso se alguém fosse treinado e testado em uma comunidade da igreja. Em geral, uma igreja é o melhor ambiente para formar seus próprios obreiros e líderes.
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[1] Adaptado de correspondência por e-mail.
[2] Limpar banheiros deveria ser uma alegria — as coisas que você esfrega do banheiro são muito menos teimosas e muito mais cheirosas do que muitas das pessoas com as quais você lidará no ministério. Se você não consegue nem lidar com banheiros — e o que você encontra neles — como você lidará com as pessoas?
Vincent Cheung. Doctrine and Obedience (2012), pp. 4–7. Tradução: Luan Tavares (26/08/2021).
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