Eleição e Reprovação

Vincent Cheung, Commentary on 1 & 2 Thessalonians (2008).

As Obras de Vincent Cheung
7 min readMay 27, 2021

Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu […]. (1 Tessalonicenses 1:4)

A soberania de Deus é fundamental para a teologia cristã. Isso porque “Deus” não é uma palavra ou som vazio, mas se refere a uma pessoa com características definidas, e uma delas é a qualidade única de soberania absoluta e exaustiva sobre todas as coisas, incluindo todos os eventos da criação, e até mesmo todos pensamento e decisão da mente humana. Esta característica de soberania o define, e por ser o que é — uma qualidade absoluta e exaustiva — exclui todos os demais referentes possíveis, de modo que a palavra “Deus” pode referir-se a apenas um ser, ou seja, aquele que possui essa qualidade de total soberania.

Por extensão, a doutrina da eleição é o fundamento da soteriologia cristã, visto que é uma aplicação da soberania de Deus à salvação de indivíduos. A doutrina afirma que na eternidade, antes que o universo fosse feito, Deus selecionou um número imutável de indivíduos específicos para a salvação em Cristo, e ele o fez sem basear sua decisão na fé e nas obras, ou qualquer outra condição, nos indivíduos assim selecionados. Em vez de escolher um indivíduo por causa de qualquer fé prevista, o indivíduo eleito recebe fé porque Deus o escolheu primeiro.

O arminianismo se opõe a esta doutrina bíblica. Seus proponentes transformam a eleição divina na reação de Deus ao que escolhemos, de modo que nossa escolha de Cristo seja logicamente anterior à escolha de Deus, de modo que meros seres humanos determinem a vontade de Deus na salvação. Contra essa heresia, Paulo declara: “Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu”. É Deus quem soberanamente escolhe os eleitos, de modo que Paulo diz “Ele os escolheu”, e não “Ele aprovou a escolha de vocês”. Se Deus simplesmente aceita nossa escolha, então ele não nos escolhe em nenhum sentido real do termo. Mas Jesus diz: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” (João 15:16). Portanto, o arminianismo é falso.

O corolário da eleição é a reprovação. Assim como Deus escolheu aqueles indivíduos que seriam salvos, ele também deliberada e individualmente (isto é, “pelo nome”) decretou a condenação de todos os outros. Muitos daqueles que afirmam a doutrina da eleição, entretanto, rejeitam a doutrina da reprovação. No entanto, assim como a eleição é uma conclusão necessária da soberania de Deus, a reprovação também é verdadeira, se por nada mais além de necessidade lógica, embora também seja apoiada por ensino bíblico direto. Aqueles que rejeitam a doutrina o fazem com base em seu preconceito irracional, em vez de argumentos bíblicos ou inferência lógica.

Uma objeção comum é que esta doutrina bíblica da soberania divina remove ou contradiz a responsabilidade moral do homem. Ou seja, se Deus controla tudo, incluindo as crenças, pensamentos, decisões e ações humanas, então parece para algumas pessoas que o homem não seria moralmente responsável por nada. Porém, o homem é responsável precisamente porque Deus é soberano, visto que ser responsável significa que será responsabilizado por suas ações, que será recompensado ou punido de acordo com um certo padrão de certo e errado. Portanto, a responsabilidade moral tem a ver com se Deus decretou um julgamento final e se ele tem o poder de fazer cumprir esse decreto. Não depende de nenhum “livre-arbítrio” do homem. De fato, visto que a responsabilidade humana depende da soberania divina, e visto que a soberania divina de fato contradiz a liberdade humana (não a responsabilidade humana), isso significa que o homem é responsável precisamente porque não é livre.

O homem é responsável porque Deus recompensará a obediência e punirá a rebelião, mas isso não significa que o homem seja livre para obedecer ou se rebelar. A autonomia é uma ilusão. Romanos 8:7 explica: “A mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à Lei de Deus, nem pode fazê-lo”. A Bíblia nunca ensina que o homem é responsável por seus pecados porque ele é livre. Ou seja, o homem é responsável por seus pecados não porque seja livre para agir de outra forma — este versículo diz que ele não é livre, mas ainda é considerado pecador. O fato de o homem ser responsável não tem nada a ver com o fato de ele ser livre, mas se Deus decide responsabilizá-lo. E o homem é responsável porque Deus decidiu julgá-lo por seus pecados. Portanto, a doutrina da responsabilidade humana não depende do ensino antibíblico do livre-arbítrio, mas da soberania absoluta de Deus.

A questão então se torna uma questão de justiça, ou se é justo Deus punir aqueles que ele predestinou para a condenação. Paulo antecipa essa pergunta em Romanos 9:19 e escreve: “Mas algum de vocês me dirá: ‘Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois quem resiste à sua vontade?’”. Ele responde: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” (v. 20). Deus governa por autoridade absoluta; ninguém pode impedir seus planos e ninguém tem o direito de questioná-lo. Isso é verdade porque Deus é o criador de todas as coisas, e ele tem o direito de fazer o que quiser com sua criação: “O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?” (v. 21).

Paulo continua: “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isso para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória …” (vv. 22–23). Ele ainda está respondendo à pergunta citada no versículo 19: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois quem resiste à sua vontade?”. Ele nega que o homem tenha o direito de questionar a Deus em primeiro lugar, mas então ele passa a responder à objeção de mesmo assim. E ele escreve que, uma vez que Deus é soberano, ele pode fazer o que quiser, e isso inclui a criação de alguns vasos destinados à glória e alguns destinados à destruição. Pedro diz a respeito daqueles que rejeitam a Cristo: “Os que não creem tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados” (1 Pedro 2:8).

É por causa do raciocínio medíocre que a questão da justiça é até mesmo levantada contra a doutrina da reprovação. Em suas várias formas, a objeção equivale ao seguinte:

1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A doutrina da reprovação é injusta.
3. Portanto, a Bíblia não ensina a doutrina da reprovação.

No entanto, a segunda premissa é assumida sem prova. Por qual padrão de justiça uma pessoa julga se a doutrina da reprovação é justa ou injusta? Em contraste com o exposto acima, o cristão raciocina da seguinte forma:

1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A Bíblia ensina a doutrina da reprovação.
3. Portanto, a doutrina da reprovação é justa.

O ponto principal é se a Bíblia afirma a doutrina, e não se deve presumir se a doutrina é justa ou injusta de antemão. Visto que Deus é o único padrão de justiça, e visto que a Bíblia afirma a doutrina da reprovação, isso significa que a doutrina da reprovação é justa por definição. Como diz Calvino:

Porque de tal maneira é a vontade de Deus, a suprema e infalível regra da justiça, que tudo o que ela quer, só pelo próprio fato de querê-lo, deve ser considerado justo. Por isso, quando se pergunta pela causa de que Deus o fez assim, devemos responder: porque quis. Pois se se insiste perguntando por que quis, com isso se busca algo, Mas se você continuar a perguntar por que ele quis, com isso se busca algo superior e mais excelente que a vontade de Deus; o que é impossível de achar. Refreie-se, pois, a temeridade humana, e não busque o que não existe, antes que não ache o que existe.¹

Assim como o eleito vem a Cristo por uma convocação irresistível, e “é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” (Filipenses 2:13), o réprobo de forma alguma é autônomo — não mesmo em seus pecados. Deus dirige os pensamentos de uma pessoa “como um rio para onde quer” (Provérbios 21:1), e não existe livre-arbítrio.

É fútil repetir a objeção tola de que Deus permite algumas ações, mas não as deseja, pois como Calvino diz: “Por que devemos dizer ‘permissão’ a ​​menos que seja porque Deus assim o deseja?”. Visto que Deus controla e sustenta todas as coisas, o que significa para ele permitir algo, exceto dizer que ele o deseja e causa? Ou seja, dizer que Deus “permite” algo nada mais é do que uma forma ambígua de dizer que Deus “permite” a si mesmo causar algo. Não há distinção entre causa e permissão com Deus; a menos que ele deseje um evento, isso nunca pode acontecer (Mateus 10:29).

A eleição e reprovação de indivíduos pertencem ao decreto secreto de Deus, de modo que os membros de qualquer um dos grupos não são listados para exame público. Então, com base em quê Paulo diz: “Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu” (1 Tessalonicenses 1:4)? Paulo lista as indicações de que seus leitores foram escolhidos por Deus para a salvação nos próximos versículos.

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¹ Nota do Tradutor: Calvino, A instituição da religião cristã, Tomo II (São Paulo: UNESP, 2009), p. 403.

Vincent Cheung. Election and Reprobation. Disponível em Commentary on 1 & 2 Thessalonians (2008), pp. 18–20. Tradução: Luan Tavares (26/05/2021).

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Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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