Criacionismo vs. Traducianismo

As Obras de Vincent Cheung
5 min readDec 9, 2020

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Imagem de Gnattyone por Pixabay.

A visão bíblica da metafísica requer o criacionismo, que Deus cria direta e imediatamente cada nova alma.

Entre outras, há duas objeções a isso. Primeiro, algumas pessoas pensam que isso contradiz a visão de que Deus descansou após a criação de Gênesis 1. Mas o descanso aí é relativo aos seis dias da criação, e não como se Gênesis 2:1–3 tivesse transformado o teísmo em deísmo. Jesus disse que o Pai nunca parou de trabalhar, e disse isso quando foi acusado de trabalhar no sábado (João 5:16–17). Segundo, a visão de que Deus deve criar cada alma individual significaria necessariamente que Deus cria cada alma como pecadora (depois de Adão e Eva). Isso então implicaria que Deus é o autor do pecado. Eu avidamente reconheço isso, até a insisto, e demonstrei em outro lugar que não há problema com ela.

A Bíblia ensina que “da mesma massa” de barro — não barro eleito, não barro réprobo, mas apenas barro — Deus cria os eleitos e os réprobos. Isto é, Deus não tira os eleitos de um grupo maior de pecadores, como muitos teólogos afirmam. Ele não resgata alguns e “deixa” o restante para sua própria destruição, como se os réprobos tivessem se criado. Um oleiro não pega uma grande pilha de vasos comuns, transforma alguns em vasos de honra e deixa o restante permanecer como vasos comuns. Em caso afirmativo, quem criou a grande pilha de vasos comuns? Existe outro oleiro? Isso seria dualismo ou alguma outra heresia. Os vasos comuns se criaram do barro? Isso seria ainda mais incrível e não se encaixa na imagem bíblica. Em vez disso, Deus cria os homens diretamente como pecadores eleitos (que depois se converteriam a Cristo e seriam salvos), ou como pecadores réprobos (que nunca creriam).

Deus é o autor metafísico do pecado, mas não o aprovador moral do pecado. Os dois são completamente diferentes, assim como seu decreto e seu preceito são diferentes. Seu decreto é uma determinação do que aconteceria ou do que ele faria acontecer. Seu preceito é uma definição do que é bom para o homem crer, fazer ou não fazer. Novamente, um é uma determinação e o outro é uma definição. Assim, ele poderia decretar que uma pessoa transgrediria seu preceito. Só há problema se dissermos que ele poderia decretar que uma pessoa transgrediria seu decreto, ou que ele emite um preceito para uma pessoa transgredir o mesmo preceito. Em todo caso, ele deve ser o autor metafísico e a causa de tudo, já que nenhuma criatura é Deus (o que seria uma contradição), nenhuma criatura tem o poder de Deus, portanto nenhuma criatura tem “vida em si mesma” — para se sustentar , para se propagar, ou para criar novas almas.

Quando nos referimos à metafísica, o criacionismo deve estar certo e o traducianismo deve estar errado. Podemos criar um lugar para o traducianismo apenas se não falarmos neste nível. Ou seja, ele pode ser usado como uma descrição da relação entre os pais e seus filhos em um nível não metafísico. Na linguagem comum, se eu empurrar Tommy no peito, seria correto dizer que “Vincent empurrou Tommy”. Mas se estamos falando sobre metafísica, sobre causalidade e tal, então devo dizer que “Deus fez com que Vincent levantasse sua mão (isto é, Deus levantou a mão de Vincent) e a fez com que se estendesse em direção a Tommy e tocasse seu peito. Então Deus fez com que Tommy sentisse um impacto em seu peito e fez com que seu corpo caísse para trás”. Ou seja, não há uma relação direta e necessária entre meu empurrão de Tommy e a queda de Tommy, visto que não tenho o poder metafísico de criar (como se fosse Deus) ou de mudar nada na criação (como se fosse “criar” uma nova configuração do universo). Assim, o traducianismo poderia ser aceitável apenas no sentido relativo e quando não falasse no nível de criação. Mas por que abrir espaço para ele se é realmente inútil? E parece que quase todo o tempo, a questão é de fato colocada no nível metafísico, de modo que o criacionismo deve ser a resposta. O homem não pode criar almas.

Como a doutrina do compatibilismo, a doutrina do traducianismo faz a pergunta em um nível e depois responde em outro nível, e acaba perdendo todo o ponto. Aqueles que afirmam o traducianismo ou esquecem a metafísica ou afirmam algum princípio como a causação secundária. Os calvinistas costumam dizer que Deus é a causa última do pecado, talvez por um decreto “permissivo” ou alguma outra bobagem, mas ele usa o homem como uma causa “secundária” — o homem é aquele com contato direto com o mal. Isso nunca responde à questão metafísica. O homem exerce um poder metafísico para causar algo ou não? Se ele pode exercer esse poder sem Deus, então o homem é Deus. Se ele o maneja “com” Deus, então Deus é pelo menos um coautor do pecado. E quem detém o poder de mover o homem, senão Deus? Então Deus é de fato o único autor. Se o pecado é um efeito que tentamos explicar, não é a ação do homem também um efeito? Se o homem não tem tal poder metafísico, então a “causa secundária” não é uma “causa” que faz alguma coisa. É apenas uma descrição da relação aparente (mas não real) entre os objetos, e não uma causa real de nada. A palavra “causa” no termo é enganosa e, por ser enganosa, a palavra “secundária” torna-se inútil e também enganosa. Se um “algo” é realmente nada, então um nada “secundário” ainda é nada.

Isso se aplica exatamente ao criacionismo vs. traducianismo. Aqueles que afirmam o traducianismo não pensam exatamente sobre isso. O resultado é que, se eles afirmam que Deus é o único autor metafísico, eles simplesmente perdem seu traducianismo. Se eles afirmam que Deus não é o único autor metafísico (que o homem é o único ou algum tipo de coautor, como se isso fosse possível), então eles simplesmente perderam seu Deus.

Vincent Cheung. Creationism vs. Traducianism. Disponível em Sermonettes — Volume 2 (2010), pp. 83–84. Tradução: Luan Tavares (31/10/2020).

Sobre o autor: Vincent Cheung nasceu em Hong Kong (China), em 16 de setembro de 1976. Atualmente reside em Boston (EUA) com a sua esposa Denise. Ele é autor de mais de trinta livros e centenas de palestras sobre assuntos como teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como sistema de pensamento abrangente e coerente, como revelado por Deus na Escritura.
Site oficial: https://www.vincentcheung.com/

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Written by As Obras de Vincent Cheung

Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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