Contradições “Aparentes”

As Obras de Vincent Cheung
5 min readJun 26, 2020

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Muitos calvinistas e escritores reformados afirmam que há uma “antinomia”, paradoxo ou uma suposta aparente contradição entre a soberania divina e a responsabilidade humana. Eles estão errados — não há tal contradição aparente. Como Lutero observa em The Bondage of the Will [A Escravidão da Vontade], as pessoas inventam contradições onde não há nenhuma. Chamá-la de uma contradição “aparente” não a torna melhor se, em primeiro lugar, eles não deveriam estar vendo nenhum tipo de contradição. Os calvinistas e os escritores reformados deveriam parar com isso.

É possível que duas proposições possam parecer contraditórias para uma pessoa quando na verdade não há contradição. Quando isso acontece, o problema está na pessoa e não nas proposições. Talvez ela tenha cometido um erro de raciocínio, ou talvez não possua algumas informações necessárias para entender corretamente as proposições. Muitas vezes, é porque ela é tendenciosa contra a verdade e se recusa a reconhecer o que está claramente diante dela.

Se há ou não uma contradição real, enquanto uma pessoa percebe uma aparente contradição entre duas proposições, ela não pode afirmar ambas. Isso ocorre porque quando há uma contradição entre duas proposições, seja uma contradição aparente ou real, isso sempre significa que afirmar uma é negar a outra ao mesmo tempo. Portanto, afirmar duas proposições que se contradizem é de fato negar as duas proposições em ordem inversa.

Se X e Y se contradizem, então X = não-Y e Y = não-X. Então, afirmar X e Y é o mesmo que afirmar não-Y e não-X, que é negar X e Y, apenas na ordem inversa. Obviamente, como não-Y = X e não-X = Y, isso significa negar X e Y é realmente afirmar ambos na ordem inversa. Mas, novamente, afirmar ambos é negar ambos na ordem inversa, e isso continua ad infinitum. Afirmar ambos é negar ambos, e negar ambos é afirmar ambos. Portanto, afirmar duas proposições contraditórias é dizer nada, ou pior do que nada, porque mostra que a pessoa é estúpida.

Quando uma pessoa pensa que vê uma contradição entre duas proposições na Escritura, ela deve de fato assumir que a contradição é apenas aparente, e que as proposições parecem contradizer apenas por causa de sua falta de inteligência ou informação, e não porque existe uma real contradição. Além disso, diferentemente daqueles teólogos que pretendem falar por toda a humanidade quando afirmam que a “mente finita” do homem não pode resolver as aparentes contradições na teologia, não se deve presumir que todos os outros devem perceber a aparente contradição. Talvez o assunto não seja tão difícil que todos devam ficar confusos; antes, talvez quem perceba a aparente contradição seja mais estúpido do que todos os outros. De qualquer forma, desde que as duas proposições lhe pareçam contraditórias, ele não pode afirmar as duas ao mesmo tempo.

Como a Escritura, na verdade, não se contradiz, essa é apenas outra maneira de dizer que uma pessoa não pode realmente afirmar uma proposição bíblica até que entenda o que ela significa. Ela não pode realmente afirmar uma parte da Escritura que não entende. Se ela não entende o que uma proposição significa, então o que ela afirma não é de fato essa proposição, mas alguma outra proposição em sua mente.

Em outras palavras, quando uma pessoa lê as proposições X e Y, mas entende pelo menos uma das proposições, de modo que sua mente percebe X e A, e se X e A se contradizem, mesmo que X e Y não contradigam, então seria parece à pessoa que X e Y se contradizem, mesmo que sejam realmente X e A que se contradizem, já que a pessoa pensa que está pensando em X e Y, quando realmente pensa em X e A.

Uma proposição bíblica mal compreendida se torna uma proposição não bíblica na mente de uma pessoa, e uma proposição bíblica pode certamente contradizer uma não bíblica, ou duas proposições não bíblicas certamente podem contradizer uma à outra. Essa é uma das coisas que poderia acontecer quando uma pessoa vê uma contradição “aparente” na Escritura. Um ou ambos os lados da suposta contradição não são, de fato, a proposição bíblica, porque foram distorcidas.

Ou uma pessoa pode entender corretamente as proposições X e Y, mas também afirma uma premissa falsa Q, que parece fazer X e Y se contradizerem quando em si mesmas não se contradizem.

Um exemplo é a relação entre soberania divina (X) e responsabilidade humana (Y). Por si só, não há contradição entre as duas, seja real ou aparente. No entanto, as duas parecerão contradizer se uma pessoa impõe à força a premissa “responsabilidade pressupõe liberdade” (Q). Agora parece que X contradiz Y. De fato, se Q for verdadeira, isso seria uma contradição real, e não apenas aparente. Mas, quando percebemos que Q é falsa, até a aparência de uma contradição desaparece. A chave é entender corretamente o que a Escritura diz e parar de adicionar ideias tolas que não provêm da Escritura.

Se uma pessoa entende o que a Bíblia diz, e se ela não impõe suas próprias suposições estúpidas, a Bíblia nunca parecerá contraditória para ela. Ela nunca verá nem uma aparente contradição na Bíblia. Isso ocorre porque a Bíblia nunca se contradiz. No entanto, se ela não entender a Bíblia, poderá perceber algumas aparentes contradições. Como a Bíblia não se contradiz, ela deve assumir que essas são apenas aparentes contradições e que a Bíblia está de fato contradizendo suas falsas crenças e suposições tolas. No entanto, enquanto ela perceber essas aparentes contradições, ela não poderá afirmar o que a Bíblia ensina. Ela deve estudar para entender o verdadeiro significado e se livrar de falsas ideias, incluindo muitas tradições religiosas que foram inventadas pelos teólogos.

Os cristãos costumam gritar “Mistério!” e “Paradoxo!” quando encontram proposições bíblicas que são obviamente não contraditórias, a menos que sejam contraditórias por alguma distorção espetacular ou suposição estranha e estúpida. Isso não é um sinal de reverência ou humildade, mas uma negação da clareza e da unidade da Escritura, e um tremendo insulto à sabedoria e integridade de Deus, que inspirou a Escritura para que entendamos, acreditemos e obedeçamos. Esse apelo ilegítimo ao mistério e ao paradoxo também concede munição aos inimigos da fé. Antes, devemos afirmar que a Bíblia é clara e consistente e que não contém contradições aparentes ou reais.

Vincent Cheung. “Apparent” Contradictions. Disponível em The Author of Sin (2014), pp. 27–29. Traduzido por Luan Tavares em 23/11/2019.

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Written by As Obras de Vincent Cheung

Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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