Colossenses 1:1–2
Extraído de Commentary on Colossians (2008).
Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos santos e fiéis irmãos em Cristo que estão em Colossos:
A vocês, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
Como a carta de Paulo aos Colossenses é considerada uma advertência e correção contra uma heresia que ameaça a igreja, começaremos com uma breve palavra sobre a natureza das cartas ocasionais.
Conforme sugerido pela palavra “ocasional”, essas cartas são “ocasionadas” — e escritas para abordar — necessidades, perguntas, ameaças, eventos e assim por diante. Uma carta ocasional representa apenas um lado de uma conversa e, como o significado da linguagem depende do contexto, isso pode apresentar dificuldades na interpretação, especialmente quando há pouca informação sobre os problemas que ela pretende resolver. Por esse motivo, a ênfase é frequentemente dada para determinar o lado “ausente” da conversa e, em seguida, nossa interpretação da carta depende do que pensamos saber sobre o propósito para o qual ela foi escrita.
No entanto, a dificuldade que isso representa para a interpretação bíblica é frequentemente exagerada e, portanto, também a importância do acesso a esse outro lado da conversa. Isso porque a dificuldade costuma ser suficientemente reduzida e, às vezes, completamente eliminada pela minúcia do lado da conversa que está diante de nós.
Para ilustrar, suponha que alguém me pergunte: “Uma religião não cristã pode salvar um homem da ira de Deus?”. Uma resposta de “não” é precisa e, na medida do possível, também é suficiente. Nesse caso, é verdade que quem tem acesso apenas ao meu lado da conversa — apenas a palavra “não” — não pode entender o que a resposta negativa realmente significa ou o que ela pretende abordar. Portanto, minha resposta não ensinaria nada a essa pessoa sobre a doutrina cristã.
Mas, em vez de um simples “não”, eu poderia dizer: “Todos os homens caíram em Adão e ficaram destituídos das justas exigências morais de Deus. Mas Deus ordenou e enviou Cristo para assumir um corpo humano e morrer pelos pecados dos escolhidos para a salvação, para que todos os que recebem o dom soberano da fé sejam salvos por ele. Como a redenção dos eleitos por meio de Cristo é o único plano de salvação de Deus, de modo que Cristo é o único que satisfez a ira de Deus e redimiu os eleitos, a única maneira pela qual qualquer pessoa pode ser salva é pela fé em Cristo”. Essa resposta, muito mais completa, também é precisa e relevante. E é de fato possível que eu responda à pergunta dessa maneira, a saber, naqueles momentos em que não daria uma explicação ainda mais longa.
Sem o conhecimento da pergunta que ocasionou a minha resposta, embora alguém possa não entender qual pergunta ela pretende abordar, eu completei o final da conversa com tanta informação que a pergunta original é praticamente dispensável para entender minhas afirmações. Da minha resposta, alguém poderia fazer uma possível reconstrução da pergunta original, mas seria desnecessário fazer isso, a menos que o objetivo seja reconstruir todo o intercâmbio, em vez de entender o meu lado da conversa.
Além disso, não apenas minha resposta é inteligível em si mesma, mas também fornece informações amplas sobre a doutrina cristã que podem ser afirmadas e aplicadas por alguém não familiarizado com o intercâmbio original, mas que tem acesso apenas à minha resposta à pergunta. De fato, uma resposta tão extensa por si só é mais instrutiva em relação ao Cristianismo do que se alguém tivesse os dois lados da conversa, mas com apenas uma resposta simples — como apenas a palavra “não” — do meu lado do intercâmbio.
Também podemos observar que o fato de minhas afirmações serem formuladas como resposta a uma pergunta não significa que todos os detalhes na resposta devem corresponder a algo mencionado na pergunta. Por exemplo, a ideia de redenção é essencial em minha resposta, mas a pergunta em si não contém nenhum conceito de redenção. A pergunta não menciona se precisamos de redenção ou se Cristo é o único que redimiu os pecadores. Ou seja, seria irracional pensar que, como a pergunta não contém conceito de redenção, a minha resposta também não pode se referir a ela, ou porque a minha resposta se refere a ela, a redenção deve ser mencionada primeiro na pergunta.
Como em nossas próprias conversas, as cartas de Paulo consistem em muito mais que um “sim” aqui e um “não” ali. Elas incluem extensas exposições da sã doutrina e refutações completas de seus oponentes. Os problemas abordados são frequentemente declarados, explicados ou reformulados. A dificuldade geralmente associada à falta de contexto histórico na interpretação de cartas ocasionais é um exagero, pois elas contêm tantas informações positivas e indicações diretas e indiretas sobre os problemas abordados que raramente é um grande obstáculo possuir apenas as cartas, ou deste lado da conversa. Uma ameaça muito maior à interpretação é a tendência de alguns especularem sobre informações que não possuímos, em vez de prestar atenção nos documentos que temos diante de nós.
Há algum debate sobre a natureza da heresia que a carta de Paulo é supostamente escrita para tratar. Se operarmos pela suposição (injustificada) de que toda questão importante que Paulo menciona na carta se destina a neutralizar um elemento correspondente na falsa doutrina que ele escreve para abordar, parece que a heresia contém uma mistura de misticismo, ascetismo, gnosticismo e tradição judaica. Embora o gnosticismo não tenha sido sistematizado até o segundo século, as tendências gnósticas há muito tempo se infiltraram em algumas escolas de pensamento judaico e grego, por isso é concebível que Paulo tivesse que combatê-las durante seu ministério.
Dito isto, como Paulo não se refere diretamente a nenhuma heresia na carta, alguns argumentam que ele não está escrevendo para enfrentar uma ameaça específica. Talvez seja apenas uma carta geral de instrução e exortação, ou, na melhor das hipóteses, o conteúdo corresponda, não a uma heresia específica, mas à cultura intelectual e religiosa geral que cerca os colossenses.
Só porque Paulo enfatiza a supremacia de Cristo não significa que existem falsos mestres denegrindo a suficiência de Cristo. Só porque ele estabelece uma Cristologia exaltada e precisa, insistindo na divindade e na humanidade de Cristo, não significa que exista uma heresia que ameace ambos os aspectos da doutrina. E só porque ele escreve: “Portanto, não permitam que ninguém os julgue pelo que vocês comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa ou à celebração das luas novas ou dos dias de sábado”, não significa que realmente haja pessoas lá tentando impor essas tradições. É possível, mas não necessariamente verdadeiro. A carta aos Colossenses é diferente de uma carta como a de Gálatas, na qual falsos mestres e falsos ensinamentos são explicitamente descritos.
Portanto, embora a presença de uma heresia seja possível e possa ser empregada como uma suposição prática para explorar a interpretação precisa da carta, não há uma garantia sólida para insistir nela. E se a suposição for falsa e a interpretação for feita para depender dela, o resultado poderá ser um entendimento impreciso da carta. A questão é que, nesse caso, o lado de Paulo da conversa é tão extenso que nenhuma perda é sofrida devido à incerteza sobre a situação em Colosso.
Portanto, Barclay está errado quando escreve: “Estas, portanto, eram as grandes doutrinas gnósticas; e durante todo o tempo em que estudamos essa passagem, e de fato toda a carta, devemos tê-las em mente, pois somente contra elas a linguagem de Paulo se torna inteligível e relevante”.¹ Pelo contrário, as principais ideias da carta são inteligíveis e relevantes para qualquer leitor comum, mesmo sem nenhuma exposição ou qualquer conhecimento do antigo pensamento gnóstico e judaico. A afirmação de que é necessário ler a carta de Paulo no contexto das doutrinas gnósticas é absurda e irresponsável.
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¹ BARCLAY, William. The Letters to the Philippians, Colossians, and Thessalonians. Westminster John Knox Press, 2003, p. 134.
Vincent Cheung. Commentary on Colossians (2008), pp. 5–7. Tradução: Luan Tavares.
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