Apologética Cristã

Extraído de Ultimate Questions (2010).

As Obras de Vincent Cheung
46 min readFeb 19, 2021

ABSURDO INCOMPREENSÍVEL

Em seu ensaio “The Ethics of Belief” [“A Ética da Crença”], W. K. Clifford escreve: “É sempre errado, em todos os lugares e para qualquer pessoa, acreditar em qualquer coisa com base em evidências insuficientes”. Para muitas pessoas, essa afirmação frequentemente citada parece expressar a essência do bom senso e da racionalidade; entretanto, a seguir mostraremos que essa afirmação é de fato ingênua e tola.

Primeiro, devemos entender corretamente a afirmação de Clifford, observando sua universalidade. Dizer que o princípio se aplica “sempre” e “em todos os lugares” indica que ele transcende culturas e eras, e dizer que se aplica a “qualquer pessoa” e “qualquer coisa” elimina qualquer exceção. Portanto, o princípio proposto se aplica a toda crença, sem exceção.

O problema imediato é que o princípio não se justifica. Que evidência temos de que “É sempre errado, em todos os lugares e para qualquer pessoa, acreditar em qualquer coisa com base em evidências insuficientes”? O próprio princípio é afirmado como uma crença verdadeira e, portanto, deve satisfazer os requisitos que propõe. A menos que tenhamos evidências suficientes para dizer que devemos ter evidências suficientes para acreditar em qualquer coisa, a declaração se autodestrói.

Além disso, o que Clifford quer dizer com a palavra “errado”? Ele não pode querer dizer factualmente errado, uma vez que alguém pode acreditar em algo que é factualmente correto, mesmo que por acidente, sem ter evidência suficiente para tal crença. Visto que seu ensaio discute a “ética da crença”, devemos entender que com “errado” ele quer dizer moralmente errado. Ou seja, ele está dizendo que é sempre moralmente errado acreditar em qualquer coisa sem evidência suficiente. Mas se é isso que ele quer dizer, então devemos inquirir quanto à fonte de sua definição de moralidade, e se há evidência suficiente para ele adotar tal definição. E a menos que sua definição de moralidade seja absoluta e universal, por qual autoridade ele impõe essa moralidade sobre todos?

E quanto à palavra “evidência”? Qual é a definição de evidência de Clifford, e por qual autoridade ele usa e impõe tal definição ao restante da humanidade? As pessoas discordam quanto ao que constitui evidência para apoiar uma crença. Durante o debate entre o apologista cristão Greg Bahnsen e o ateu Gordon Stein,[1] uma pergunta do público dirigida a Stein foi: “O que pessoalmente para você constituiria evidência adequada para a existência de Deus?”. Stein respondeu:

Se aquele palanque subitamente se levantasse no ar, um metro e meio, ficasse lá por um minuto, e depois caísse novamente, eu diria que isso seria uma evidência do sobrenatural, porque isso violaria tudo o que sabemos sobre as leis da física e da química, supondo que não houvesse um mecanismo lá embaixo, ou um fio ligado a ele, para fazer aquelas exclusões óbvias. Isso seria evidência de um sobrenatural, violação das leis […] ou talvez chamaríamos isso de um milagre, bem na frente dos seus olhos. Isso seria uma evidência que eu aceitaria. Qualquer tipo de ser sobrenatural aparecendo e fazendo milagres que não poderiam ser encenados por mágica também seria evidência que eu aceitaria.

É mesmo? Coisas mais estranhas têm acontecido além de levitação inexplicada de objetos físicos. Os ateus não as chamam de milagres, mas de acordo com suas pressuposições, eles assumem que são eventos naturais explicáveis ​​por causas naturais. Mesmo que eles não possam descobrir imediatamente as causas naturais para esses eventos, eles continuam a supor que pesquisas futuras as descobririam. De acordo com eles, o que os povos primitivos acreditavam serem eventos sobrenaturais, os cientistas agora podem explicar por causas naturais — na cosmovisão do ateu, milagres estão descartados desde o início.

A cosmovisão de Stein rejeitaria o aparecimento de um ser sobrenatural como evidência de Deus ou do sobrenatural, uma vez que suas pressuposições excluem a existência de tais seres; antes, cada evento é explicado na suposição de que não existem tais seres. Portanto, todas as aparições sobrenaturais são relegadas às alucinações das pobres vítimas iludidas. A resposta de Stein não foi apenas amadora, mas uma mentira. Jesus diz: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lucas 16:31).

O que alguém considera como prova conclusiva parece irrelevante para outra pessoa. Com base na declaração de Clifford, uma pessoa deve ter evidência suficiente para mostrar que uma dada porção de evidência é relevante para a reivindicação sob exame. Obviamente, a evidência que endossa a evidência também deve ser apoiada por evidência mostrando que ela é relevante. Além disso, Clifford diz que não devemos acreditar em nada com base em evidências “insuficientes”, portanto, se ignorarmos a regressão infinita insolúvel que acabamos de mencionar, ainda temos que definir que tipo ou quantidade de evidência é suficiente, o que, é claro, também devemos provar por evidência prévia suficiente. Mas se “suficiente” ainda não foi definido e substanciado por evidência suficiente anterior, também indefinida e sem suporte de evidência suficiente anterior, então, sob princípio de Clifford, não podemos aceitar a evidência que apoia sua definição de “suficiente” em seu princípio.

Se eu preferir acreditar que existe um unicórnio rosa em meu quintal, por qual autoridade Clifford pode me proibir? Pela sua própria autoridade? Impondo seu princípio à minha epistemologia? Mas rejeito seu princípio. O que então ele pode fazer? A menos que Clifford possa justificar seu princípio, eu posso dizer com a mesma facilidade: “É sempre certo, em qualquer lugar e para qualquer pessoa, acreditar em qualquer coisa com base em evidências insuficientes” — e, de fato, não teria evidências suficientes para justificar essa afirmação! Pelo menos eu seria consistente.

Por outro lado, Jesus diz que a palavra de Deus é a verdade (João 17:17). Visto que Deus é a autoridade moral suprema, ele tem o direito exclusivo de definir o certo e o errado e, uma vez que ele exige que creiamos na verdade, que é a sua palavra, torna-se moralmente certo crer na Escritura e moralmente errado não crer nela. Além disso, ele pode e realmente impõe seus preceitos e mandamentos sobre todos, e resistir a ele é arriscar a condenação eterna. Portanto, ele tem o direito de exigir a crença na verdade e o poder de fazer cumprir essa exigência. O Cristianismo é justificado pela autoridade de Deus, e nenhuma autoridade é anterior ou superior a ele. De acordo com a cosmovisão cristã, o Deus Todo-Poderoso impõe o princípio epistemológico que ele prescreve, mas Clifford poderia meramente desejar que aceitássemos seu princípio autodestrutivo.

Qual é a natureza das evidências relevantes e aceitáveis? É racionalista[2] ou empírica? Se for racionalista, como sabemos que não é arbitrária? Que evidência temos de que a evidência deve ser racionalista? E que tipo de evidência seria legítima para nos mostrar que a evidência deve ser racionalista? Se a evidência é empírica, ela depende da confiabilidade da sensação. Que evidência há de que a sensação é confiável? Além disso, se a evidência é empírica, também é indutiva, e se for indutiva, então, para Clifford provar seu princípio, ele deve usá-la para verificar todas as proposições possíveis concebíveis por uma mente onisciente para que ele as afirme sem falácias. Mas se ele não mostrou que seu princípio é correto pelo seu próprio princípio, então como ele pode verificar qualquer proposição pelo mesmo princípio?

O princípio de Clifford destrói a si mesmo. Ele falha em ser a essência da racionalidade e do julgamento correto. Em vez disso, ele não tem sentido; é um absurdo total. Em contraste, a epistemologia cristã é baseada na revelação divina. Ela aceita as proposições infalivelmente dadas pelo Deus onisciente e onipotente.

Nenhuma outra religião ou filosofia pode fazer a mesma afirmação. Por exemplo, ao contrário do que algumas pessoas pensam, o conceito de Deus do Islamismo é muito diferente do conceito de Deus do Cristianismo. A visão do Islamismo sobre a transcendência divina é tal que Deus se torna incognoscível. Como um escritor observa: “Se eles pensarem profundamente, eles se encontram absolutamente incapazes de conhecer a Deus […]. Assim, o Islamismo leva ao agnosticismo”.[3] Claro, os não cristãos não pensam profundamente. Em qualquer caso, se a visão de Deus do Islamismo o torna incognoscível, então eles não poderiam ter qualquer conceito de Deus em primeiro lugar, de modo que, a menos que este ponto seja refutado, isso por si só mostra que o Islamismo é autocontraditório e, portanto, se autodestrói.[4] Outras religiões afirmam um deus ou deuses finitos. Além de apontar que os deuses politeístas frequentemente discutem e brigam entre si, como esses deuses finitos, já que são finitos, sabem o que eles sabem? Eles enfrentam o mesmo problema que Clifford não consegue responder.

Somente o entendimento cristão de Deus, conforme revelado pelo próprio Deus na Escritura, é consistente com um Deus que possui todo o conhecimento e, ao mesmo tempo, torna o conhecimento possível para o homem. Em Deus habitam “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Colossenses 2:3). Visto que Deus tem todo o conhecimento, ele não precisa de ninguém superior — não há ninguém superior — para justificar seu conhecimento. Sua soberania absoluta implica que ele deseja o que sabe, que sabe o que deseja e que não pode haver erro em seu conhecimento.[5] Ao mesmo tempo, “as coisas […] reveladas pertencem a nós e aos nossos filhos para sempre” nas palavras da Escritura (Deuteronômio 29:29), e por isso também temos conhecimento. Deus tem todo o conhecimento — seu conhecimento consiste no que ele deseja — e nosso conhecimento consiste no que ele deseja revelar.

Por outro lado, visto que as religiões e filosofias não cristãs não podem produzir uma epistemologia adequada e defensável, com base no pensamento não cristão não pode haver conhecimento algum. Se os sistemas de pensamento não cristãos não podem fornecer uma base para o conhecimento — se eles não podem saber nada — então eles não podem nem mesmo começar ou produzir qualquer conteúdo. Se eles não podem começar ou produzir qualquer conteúdo, então eles não podem representar um desafio para o Cristianismo. Sem uma epistemologia adequada e defensável, permanece que nenhuma proposição inteligível pode ser proferida com base nas cosmovisões não cristãs, muito menos objeções contra a fé cristã.

Algumas pessoas podem interpretar mal o que foi dito até agora entendendo que o Cristianismo rejeita o uso da argumentação, ou que o Cristianismo não tem suporte racional para suas afirmações. Mas não é isso que queremos dizer; em vez disso, o que mostramos é que alguém como Clifford não pode fazer um desafio inteligível e coerente contra o Cristianismo com base no raciocínio a partir de evidências. Ele pode falhar de defender o princípio pelo qual procura guiar o uso de evidências. Ele pode ter uma definição para evidência, mas falha em defender tal definição. Ou ele pode falhar em definir evidência completamente. Quando um não cristão diz que rejeita o Cristianismo porque não tem evidências suficientes em seu favor, ele não sabe o que está dizendo; sua objeção é ininteligível. Da mesma forma, quando ele exige evidências para a fé cristã, ele não sabe o que está pedindo.

No entanto, um estudo da apologética clássica ou evidencialista mostrará que, mesmo com base em pressuposições não cristãs, o Cristianismo é a cosmovisão superior. Isto é, mesmo se nós, para fins de argumento e ilustração, assumirmos os falsos princípios de verificação usados pelos não cristãos, a fé cristã ainda triunfará no debate.

Visto que todos os princípios não cristãos são falsos, quando o cristão defende sua fé com base nessas pressuposições, ele está apenas argumentando ad hominem. Com ad hominem, não nos referimos à falácia do ataque pessoal irrelevante. Em vez disso, essa forma de argumento ad hominem toma premissas defendidas pelo oponente e, validamente, deduz delas conclusões contraditórias à sua posição, ou conclusões que seriam embaraçosas ou repulsivas para ele — isto é, uma reductio ad absurdum. Usando as próprias premissas do não cristão, o apologista cristão deduz conclusões que favorecem a cosmovisão bíblica e que refutam a cosmovisão não bíblica.

No entanto, visto que todas as premissas não cristãs são falsas, os argumentos ad hominem baseados nessas premissas não provam o caso do cristão, mas apenas destroem a posição de seu oponente. Por exemplo, embora eu tenha mostrado em outro lugar que as pressuposições e metodologias das investigações científicas tornam impossível descobrir qualquer coisa sobre a realidade,[6] há de fato argumentos científicos a favor da posição cristã que servem para silenciar e refutar as objeções dos não cristãos contra a cosmovisão bíblica.

Com base em pressuposições científicas, o cristão pode argumentar com sucesso que ela é mais racional do que não afirmar que o universo foi feito por um criador inteligente e poderoso. Mesmo assim, visto que a própria ciência sempre falha em descobrir a verdade, com base na ciência, ninguém pode construir um caso positivo para o Cristianismo ou qualquer outra cosmovisão. Isto é, mesmo que a ciência mostre que o Cristianismo é verdadeiro, sabemos que a própria ciência não pode descobrir a verdade; antes, falácias lógicas permeiam todos os procedimentos e raciocínios científicos. Se a plausibilidade científica se tornar o padrão da verdade, pelo menos por uma questão de argumento, então podemos mostrar que o Cristianismo é superior, mas a plausibilidade científica não deve se tornar o padrão da verdade.

Considere outro exemplo. O historiador C. Behan McCullagh escreve que a melhor explicação para um conjunto de fatos históricos deve satisfazer os seguintes seis requisitos:

1. Deve ter grande alcance explicativo.
2. Deve ter grande poder explicativo.
3. Deve ser plausível.
4. Não é ad hoc ou inventado.
5. Está de acordo com as crenças aceitas.
6. Ele é muito superior a qualquer uma de suas teorias rivais no cumprimento das condições anteriores.[7]

William Lane Craig argumenta que a proposição “Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos” satisfaz as condições acima.[8] Os detalhes de seu argumento não são relevantes aqui. Se for bem-sucedido, pareceria vindicar as afirmações bíblicas sobre a ressurreição de Cristo e refutar as objeções do incrédulo. No entanto, questionamos se esses testes são confiáveis ​​e se uma explicação que satisfaz essas condições é de fato verdadeira. Em primeiro lugar, por qual autoridade ou argumento McCullagh impõe esses testes sobre todas as explicações históricas?

O argumento de Craig não pode ser considerado uma prova convincente da ressurreição de Cristo, porque esses testes em si não foram justificados. No entanto, se o argumento de Craig de fato argumenta com sucesso a favor da ressurreição de Cristo em relação a esses testes, então é pelo menos um argumento ad hominem que refuta todas as objeções contra a ressurreição de Cristo feitas com base nesses princípios não bíblicos. Isso significa que se alguém adota esses testes como o padrão da verdade sobre questões históricas, ele deve vir a crer que Deus ressuscitou Jesus dos mortos. Em qualquer caso, com base nos princípios do historiador, não se pode provar nada sobre os eventos históricos, e isso inclui a ressurreição. Mas, ao mesmo tempo, com base nesses mesmos princípios, não pode haver nenhum bom argumento contra a ressurreição.

Visto que todas as cosmovisões não cristãs não têm justificativa racional, nada as impede de colapsar no ceticismo. Mas o ceticismo se autodestrói — é autocontraditório afirmar que sabemos que não podemos saber. Somente o Cristianismo resgata o intelecto dessa posição impossível; portanto, em vez de depender de um fundamento não cristão para construir um caso para a cosmovisão bíblica, o cristão adota a epistemologia da revelação divina e da infalibilidade bíblica.

Visto que as teorias de evidência não cristãs são completamente absurdas e tornam tudo completamente sem sentido, quando os não cristãos exigem evidência dos cristãos, eles não sabem o que estão pedindo. A menos que se garanta a inteligibilidade pelas pressuposições adequadas, a exigência deles por evidências é ininteligível. Não pode ser entendida logicamente.

REVELAÇÃO INESCAPÁVEL

A cosmovisão bíblica torna o conhecimento e a argumentação possíveis, mas o faz em uma base diferente dos princípios indefensáveis ​​dos não cristãos.

Começamos com Romanos 1:18–20, que diz:

Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça, pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis.

Alguns comentaristas fazem uma interpretação mais ou menos empírica dessa passagem, então eles pensam que ela ensina que, observando o universo, o homem obtém um conhecimento de Deus e alguns de seus atributos, e essa evidência na criação torna sua negação de Deus indesculpável. No entanto, uma vez que o empirismo é inerente e incuravelmente defeituoso, é falso pensar que qualquer conhecimento ou informação pode ser derivado da observação. Em outro lugar, Paulo diz que Deus, em sua sabedoria divina, garantiu que o homem não pudesse conhecê-lo por meio da sabedoria humana (1 Coríntios 1:21). Portanto, esta passagem em Romanos não pode significar que seja possível ao homem construir um argumento que leve de uma observação do universo ao conhecimento de Deus.

De fato, quando um homem interage com a natureza, ele deve perceber que o Deus cristão é o seu criador. No entanto, o pensamento em si é impossível sem certas pressuposições para fornecer as precondições de inteligibilidade. Visto que apenas os princípios bíblicos podem servir a essa função, segue-se que uma pessoa deve conhecer a Deus em sua mente antes que uma interação com a natureza faça com que Deus (ou qualquer outro pensamento inteligível) surja em sua mente. Paulo diz que Deus colocou em cada mente humana tais princípios, de forma que uma pessoa deve perceber Deus como o criador do universo. O homem possui um conhecimento inato de Deus. Ele já sabe sobre Deus antes de observar ou interagir com o mundo, e quando ele observa ou interage com o mundo, ele deve ser lembrado do Deus que ele já conhece. Mas porque os não cristãos são ímpios, eles tentam suprimir esse conhecimento.

Thomas Schreiner escreve: “Deus costurou no tecido da mente humana sua existência e poder, de modo que eles são instintivamente reconhecidos quando alguém vê o mundo criado”.[9] Charles Hodge, embora um tanto empirista, admite: “É não é de uma mera revelação externa da qual o apóstolo está falando, mas daquela evidência da existência e perfeições de Deus que todo homem tem na constituição de sua própria natureza, e em virtude da qual ele é competente para apreender as manifestações de Deus em suas obras.”[10] Em conformidade, a NLT [New Living Translation] traduz: “Pois a verdade sobre Deus é conhecida por eles instintivamente. Deus colocou esse conhecimento em seus corações”. Este conhecimento de Deus é inato. Embora possa ser chamado à consciência, ou deva ser chamado à consciência, por ocasião da interação do homem com a natureza, ele está presente na mente do homem e pode ser ou deve ser chamado à consciência antes e à parte de qualquer experiência, sensação ou interação com a natureza.

Mesmo que os argumentos gramaticais em torno do versículo 19 sejam inconclusivos,[11] Romanos 2:14–15 dissipa todas as dúvidas de que Deus dotou o homem de conhecimento inato sobre si mesmo:

De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena,[12] tornam-se lei para si mesmos,[13] embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os.

Esses dois versículos ensinam que o conhecimento inato do homem é específico. Não é apenas um senso geral do divino, ou uma propensão instintiva para a adoração; antes, esse conhecimento inato inclui pelo menos o código moral básico da Bíblia cristã. Robert Haldane comenta: “Esta luz natural do entendimento é chamada de lei escrita no coração, porque é impressa na mente pelo Autor da criação e é obra de Deus tanto quanto a escrita nas tábuas de pedra”.[14] Portanto, embora possamos ser incapazes de enumerar todas as proposições incluídas neste conhecimento inato, sabemos que é detalhado e específico o suficiente para excluir todas as cosmovisões e religiões não cristãs; apenas o Cristianismo é compatível com ele.

O versículo 15 menciona “consciência”. Devemos deixar claro que não é uma parte do ser humano distinta da mente ou do intelecto. A tricotomia antropológica e a pregação popular ensinam que a consciência é a voz de um “espírito” ou “coração” não intelectual; no entanto, “espírito” e “coração” na Escritura são termos intelectuais e muitas vezes são sinônimos de “mente”. O versículo diz que a consciência das pessoas está em operação quando seus pensamentos as acusam ou as defendem. Portanto, a consciência é uma função da mente, e não uma parte separada e não intelectual do homem.

J. I. Packer define consciência como “o poder embutido em nossas mentes de fazer julgamentos morais sobre nós mesmos, aprovando ou desaprovando nossas atitudes, ações, reações, pensamentos e planos e dizendo-nos, se desaprova o que fizemos, que nós devemos sofrer por isso”.[15] No entanto, ao contrário de alguns, não é verdade que alguém sempre fará a coisa certa se ouvir sua consciência. Isso porque a consciência é meramente uma função moral da mente, e não um padrão moral infalível — a Escritura é o único padrão moral infalível. Paulo escreve que há “pessoas cuja consciência está morta como se tivesse sido queimada com ferro em brasa” (1 Timóteo 4:2 NTLH). A consciência “pode ser desinformada ou condicionada a considerar o mal como bom” e “pode levar a pessoa a considerar pecaminosa uma ação que a Palavra de Deus declara não ser pecaminosa”.[16]

O que a consciência de uma pessoa aprova não é necessariamente bom, e embora não seja seguro violar a consciência de alguém, o que ela desaprova não é necessariamente mau (Romanos 14:1–2, 23). Somente os preceitos morais de Deus revelados na Escritura têm autoridade final para fazer julgamentos morais, e não uma avaliação subjetiva baseada nesta função inata da mente. No entanto, à medida que a consciência de uma pessoa é mais informada e treinada pelas palavras da Escritura, ela se tornará cada vez mais confiável ao tomar decisões morais.

João Calvino menciona o conhecimento inato do homem sobre Deus em sua Institutas da Religião Cristã. Embora o que se segue tenha sido tirado da tradução de Battles, também cito a tradução de Beveridge nas notas de rodapé onde sua tradução é útil ou preferível:

Há dentro da mente humana, e de fato por instinto natural, uma percepção da divindade. Consideramos que isso está fora de qualquer controvérsia. Para impedir que alguém se refugie na pretensão de ignorância, o próprio Deus implantou em todos os homens uma certa compreensão de sua divina majestade. Sempre renovando sua memória, ele repetidamente derrama novas gotas.[17] Uma vez que, portanto, quando todos percebem que existe um Deus e que ele é o seu Criador, eles são condenados pelo seu próprio testemunho porque falharam em honrá-lo e consagrar suas vidas à sua vontade […]. Tão profundamente é a concepção comum ocupa as mentes de todos, tão tenazmente é inerente aos corações de todos![18]

[…] Homens de julgamento correto sempre estarão certos de que um senso de divindade que nunca pode ser apagado está gravado nas mentes dos homens […]. Pois o mundo […] tenta, tanto quanto é capaz de rejeitar todo conhecimento de Deus, e por todos os meios corromper a adoração dele. Digo apenas que, embora a estúpida dureza em suas mentes, que os ímpios avidamente evocam para rejeitar a Deus, esgote, ainda assim o senso de divindade, que eles muito desejavam ter extinto, prospera e atualmente floresce. Disto concluímos que não é uma doutrina que primeiro deva ser aprendida na escola, mas uma da qual cada um de nós é mestre desde o ventre de sua mãe e que a própria natureza não permite que ninguém esqueça, embora muitos se esforcem com todo o empenho para esse fim.[19] (I, iii, 1 e 3)[20]

A mente do homem não nasce uma tabula rasa — ela não começa como uma lousa em branco sem qualquer informação a priori. Em vez disso, cada pessoa nasce com um conhecimento e consciência inatos de Deus. Os pré-requisitos para aquisição da linguagem, pensamento racional e contemplação teológica são inerentes à mente do homem. Portanto, ninguém pode pensar ou falar sem assumir e usar premissas bíblicas que fornecem a precondição de inteligibilidade, de forma que mesmo as objeções contra o Cristianismo devem primeiro pressupor que a cosmovisão cristã seja significativa. Mas, uma vez que pressupomos a cosmovisão cristã, a força e a substância de todas as objeções desaparecem.

Ninguém pode entender até mesmo as falsas religiões como o budismo e o islamismo sem primeiro adotar as pressuposições bíblicas que permitem que a lógica, a linguagem e a ética tenham sentido. É necessário pressupor o Cristianismo, mas uma vez que o Cristianismo exclui outras religiões desde o início, uma vez que o pressupomos, outras cosmovisões também não podem ser verdadeiras. Sem pressupor premissas cristãs, não podemos chegar a qualquer verdade ou conhecimento, mas então não podemos saber que nada podemos saber, e não pode ser verdade que nada é verdadeiro. Assim, o Cristianismo é uma precondição necessária de inteligibilidade e conhecimento; toda a Bíblia é verdadeira por necessidade. Esta é a base para nossa posição de que toda proposição concebível é evidência da existência de Deus e da cosmovisão cristã.

“O assassinato é errado” é uma proposição que carece de qualquer justificativa autoritária, a menos que uma pessoa onisciente e todo-poderosa expresse verbalmente sua proibição de tal ato a criaturas que carreguem sua imagem de uma mente racional e, em seguida, aplique tal mandamento com a punição de que ele considera apropriado, como a condenação eterna. O ateísmo, o mormonismo e outras cosmovisões não cristãs não têm base para declarar o assassinato como moralmente repreensível. Em suas pressuposições, eles não podem nem mesmo tornar a palavra errado universalmente aplicável. Eles não podem definir o assassinato com autoridade, nem podem impor com autoridade quaisquer regras contra a prática.

“O assassinato é errado” encontra justificativa racional apenas dentro da cosmovisão cristã. Embora muitos não cristãos também pensem que o assassinato é errado, se suas cosmovisões não cristãs não podem levar à conclusão de que o assassinato é errado, e se apenas o Cristianismo pode produzir tal conclusão, isso só pode significar que esses não cristãos pressupõem o Cristianismo para chegar à sua conclusão. Embora tentem suprimir seu conhecimento do Deus da Bíblia, eles traíram a si mesmos ao afirmar proposições que só podem ser deduzidas de princípios cristãos.

Além disso, embora “o assassinato é correto” seja falso de acordo com as pressuposições bíblicas, a proposição em si é inteligível apenas dentro do sistema bíblico, porque fora da cosmovisão cristã é impossível definir ou justificar os conceitos de certo e errado, e qualquer definição de assassinato. Isto é, mesmo quando não cristãos afirmam proposições falsas, essas proposições são inteligíveis e são entendidas como falsas apenas porque este universo é o que a cosmovisão cristã diz que é.

Claro, estamos usando o assassinato apenas como exemplo. O exposto acima se aplica a todas as proposições, de forma que os incrédulos de fato empregam pressuposições bíblicas em cada proposição que proferem e em cada ação que realizam. Portanto, ao contrário da objeção de que não há evidência suficiente para a existência de Deus ou a verdade do Cristianismo, a revelação de Deus é inescapável, porque Deus tornou a verdade clara e específica (Romanos 1:19).

No entanto, os não cristãos se recusam a reconhecer ou dar graças a Deus, que deu aos homens a precondição de inteligibilidade e conhecimento. Paulo os condena por isso quando escreve:

Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça. […] porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. […] eles desprezaram o conhecimento de Deus. (Romanos 1:18, 21, 28)

O problema nunca foi falta de evidência, mas o problema é que os não cristãos “suprimem a verdade” pela sua injustiça. Eles encobrem a verdade porque são pessoas más. Eles já sabem sobre Deus — o conhecimento é tão parte deles que eles não podem escapar dele. No entanto, porque os não cristãos são tolos e ímpios, eles se recusam a admitir que têm esse conhecimento. Mas embora neguem a Deus, eles permanecem criaturas criadas à sua imagem, vivendo em um mundo que ele criou e, portanto, devem usar premissas bíblicas em tudo o que pensam ou dizem. Para o cristão, esse fato fornece a base de uma estratégia invencível de argumentação, que exploraremos mais adiante.

Embora esse conhecimento sobre Deus esteja implícito em tudo o que uma pessoa diz e faz, às vezes surge mais claramente. Paulo diz aos atenienses que até os poetas gregos escreveram: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” e “Também somos descendência dele” (Atos 17:28). Mas se somos sua criação, então como podemos justificar a adoração de ídolos — isto é, servir a objetos inferiores a nós? Consequentemente, Paulo diz: “Assim, visto que somos descendência de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante a uma escultura de ouro, prata ou pedra, feita pela arte e imaginação do homem” (v. 29).

A adoração não cristã é incompatível com o conhecimento inato de Deus. O que o homem sabe em sua mente é substancial e específico o suficiente para excluir todas as formas não cristãs de adoração. Portanto, esse conhecimento inato não apenas exclui o ateísmo, mas também o budismo, o islamismo e todas as outras religiões e filosofias não cristãs. Os escritos dessas religiões e filosofias falsas revelam um conhecimento inato das pressuposições cristãs, mas então se recusam a viver de acordo com o que sabem ser verdade. Como diz o Paulo:

Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis. (Romanos 1:21–23)

Qual é então o veredicto? Visto que a revelação de Deus ao homem é inescapável, a supressão do homem dessa revelação é indesculpável: “Desde a criação do mundo, a existência invisível de Deus e seu poder eterno foram claramente vistos pela compreensão da mente das coisas criadas. E, portanto, essas pessoas não têm desculpa” (v. 20, NJB). O grego diz que essas pessoas não têm apologia, nenhuma apologética — suas posições não cristãs são indefensáveis. Um aspecto da defesa de nossa fé envolve demonstrar que os não cristãos não têm defesa para suas próprias crenças. Em vez disso, nós os pegamos em flagrante — eles negam a fé cristã enquanto continuam a usar as pressuposições cristãs. Eles negam com suas bocas o que sabem em seus corações.

Essa supressão indesculpável da verdade e da evidência leva à sua condenação inevitável: “Portanto, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça” (v. 18). A ira de Deus está sendo derramada contra os réprobos ainda nesta vida, quando Deus os entrega a uma mente depravada: “Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam” (v. 28). A injustiça deles fica cada vez pior e seus pecados se tornam cada vez mais grotescos e não naturais. Como exemplos, Paulo menciona a homossexualidade e a idolatria:

Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos do seu coração, para a degradação do seu corpo entre si. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão. (vv. 24–27)

Ele também menciona outros pecados pelos quais Deus os punirá com tormento eterno no inferno:

Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis. (vv. 29–31)

Os não cristãos não fazem essas coisas por ignorância absoluta; em vez disso, Paulo enfatiza novamente seu conhecimento inato de Deus no versículo 32: “Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam”. Eles sabem o que Deus requer, mas se recusam a concordar; além disso, eles aprovam aqueles que se rebelam contra ele. Isso descreve os não cristãos de nossa geração tanto quanto qualquer outra geração — eles não apenas desafiam os mandamentos de Deus, mas também aprovam outros que fazem o mesmo, de modo que até apóiam e encorajam ateus, idólatras, homossexuais, abortistas e todos os tipos de pessoas detestáveis ​​e ímpias. Em seus corações, eles sabem sobre Deus e seus mandamentos, e assim como a revelação de Deus para eles é inevitável, a condenação deles é inevitável.

ARGUMENTAÇÃO INVENCÍVEL

Antes de delinear uma estratégia de argumentação contra todos os sistemas de pensamento não cristãos, primeiro resumiremos a posição cristã novamente.

Deus criou o homem à sua imagem. Esta imagem não consiste em seu corpo, e nem em um “espírito” não intelectual, como o termo é frequentemente usado erroneamente. Em vez disso, a imagem de Deus se refere à mente racional do homem, que é muito limitada em comparação com a mente de Deus, mas, não obstante, é estruturada de forma semelhante. Isso não apenas separa o homem dos animais, mas também torna possível uma comunicação verbal significativa e extensa entre Deus e o homem. Um cão não consegue entender os Dez Mandamentos ou a doutrina da predestinação.

A mente do homem não nasce em branco para ser preenchida com informações adquiridas com a experiência. Sem formas e categorias a priori já presentes na mente, nenhum dado empírico pode fornecer conhecimento ao homem.[21] A Escritura ensina que o homem nasce com um conhecimento inato de Deus, de forma que, à parte de qualquer experiência, o homem sabe algo sobre Deus e algo sobre o código moral que Deus impôs a toda a humanidade. Este conhecimento é específico e detalhado o suficiente para contradizer e excluir todos os sistemas de pensamento não cristãos e para exigir a adoção de toda a revelação cristã.

As investigações empíricas não podem ensinar ao homem o que ele já não saiba,[22] mas apenas o logos divino pode transmitir informações à mente do homem, além do conhecimento inato que ele possui. Portanto, uma observação do mundo não adiciona informações à mente do homem; em vez disso, fornece a ocasião para que uma ou ambas as coisas ocorram. Primeiro, a observação, ou qualquer interação com o mundo, estimula a mente a lembrar o que Deus já colocou nela. Segundo, ela estimula a mente a intuir o que o logos imediatamente transmite a ela por ocasião da observação, frequentemente (mas não necessariamente) sobre o que a pessoa está observando. Em ambos os casos, nenhuma informação vem do próprio ato de observação.

Embora o conhecimento inato no homem seja detalhado o suficiente para excluir todos os sistemas de pensamento não cristãos e exigir total adesão ao Cristianismo, ele não contém toda a revelação bíblica. Ele é suficiente para tornar o homem culpado, mas não é um conhecimento salvífico.[23] Isso significa que esse conhecimento é suficiente para condenar a todos, mas não é suficiente para salvar ninguém. É totalmente compatível e apenas compatível com a fé cristã, mas não contém todas as proposições bíblicas. Como diz o Catecismo Maior de Westminster: “A própria luz da natureza no espírito do homem e as obras de Deus claramente manifestam que existe um Deus; porém só a sua Palavra e o seu Espírito o revelam de um modo suficiente e eficazmente aos homens para a sua salvação”. A “luz da natureza no homem” refere-se à iluminação intelectual ou conhecimento sobre Deus que ele colocou na mente do homem.

Visto que o conhecimento inato no homem é insuficiente para a salvação, a doutrina da necessidade da Escritura emerge naturalmente. Mas uma revelação verbal é necessária também por causa dos efeitos noéticos do pecado, isto é, os efeitos destrutivos do pecado na mente. Como diz Paulo: “Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se” (v. 21). O homem permanece a imagem de Deus após a queda de Adão; caso contrário, ele não seria mais humano. Portanto, o homem ainda sabe sobre Deus, mas porque sua mente foi “obscurecida”, ele se recusa a honrar e adorar a Deus.

Embora os não cristãos implicitamente reconheçam a Deus e dependam das premissas cristãs em sua fala e conduta, por causa de seu pensamento tolo e ímpio, eles se recusam a glorificar explicitamente a Deus e afirmar a Bíblia; em vez disso, eles dão crédito a outras pessoas e objetos. Assim, Deus, em sua ira, os entrega a uma crescente imundícia e trevas da mente, resultando em uma pecaminosidade ainda maior neles. Em tudo isso, Deus exerce um controle preciso sobre a mente de cada indivíduo, de modo que sua rejeição ao Cristianismo foi decretada por Deus: “Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer e endurece a quem ele quer” (Romanos 9:18). Nesta base teológica, vamos agora construir uma estratégia para a argumentação cristã.

Cada pessoa tem uma cosmovisão. Uma cosmovisão consiste em uma rede de proposições interrelacionadas cuja soma forma “uma concepção ou apreensão abrangente do mundo”.[24] Uma determinada cosmovisão pode ser chamada de “religião” ou “filosofia” por causa de seu conteúdo específico, mas não obstante, é uma cosmovisão. Por cosmovisão, nos referimos a qualquer religião, filosofia ou sistema de pensamento.

Cada cosmovisão tem um ponto de partida ou primeiro princípio do qual o restante do sistema é derivado. Algumas pessoas afirmam que uma cosmovisão pode ser uma rede de proposições mutuamente dependentes sem um primeiro princípio. No entanto, mesmo que um milhão de mentirosos atestem uns aos outros, todos eles ainda são mentirosos. Pelo menos um homem confiável teria que atestar por eles. Mas se todos eles fossem mentirosos, um homem confiável não iria atestar por eles, e sua credibilidade se desfez. Da mesma forma, uma rede de proposições ainda precisaria de um primeiro princípio que apoie todas elas. Um primeiro princípio verdadeiro não produziria uma rede de proposições falsas, e uma rede de proposições falsas não seria apoiada por um primeiro princípio verdadeiro. Portanto, o primeiro princípio continua sendo a questão crucial.

Em uma rede de proposições, algumas proposições são mais centrais para a rede, cuja destruição também aniquilaria as proposições que são mais remotas. Mas mesmo as afirmações mais centrais requerem justificação, e uma cosmovisão na qual as proposições dependem umas das outras de uma maneira que carece de um primeiro princípio é, em última análise, exposta como não tendo justificação alguma. A afirmação de que uma cosmovisão pode ser uma rede de proposições mutuamente dependentes sem a necessidade de um primeiro princípio é realmente uma tentativa de esconder o fato de que todas as proposições em tal rede carecem de justificativa.

Portanto, permanece que toda cosmovisão requer um primeiro princípio ou autoridade final. Sendo o primeiro ou último, tal princípio não pode ser justificado por nenhuma autoridade anterior ou maior; caso contrário, não seria o primeiro ou o último. Isso significa que o primeiro princípio deve possuir o conteúdo para se justificar. Por exemplo, a proposição “Todo conhecimento vem da experiência dos sentidos” deixa de ser um primeiro princípio sobre o qual uma cosmovisão pode ser construída. Isso porque se todo o conhecimento vem da experiência sensorial, então este primeiro princípio proposto também deve ser conhecido apenas pela experiência sensorial, mas a confiabilidade da experiência sensorial não foi estabelecida. Assim, o princípio gera um círculo vicioso e se autodestrói. Não importa o que pode ser validamente deduzido de tal princípio — se o sistema não pode nem mesmo começar, o que se segue do princípio é sem justificativa.

Também é impossível começar uma cosmovisão com um primeiro princípio autocontraditório. Isso porque as contradições são ininteligíveis e sem sentido. A lei da contradição afirma que “A não é não-A” ou que algo não pode ser verdadeiro e não verdadeiro ao mesmo tempo e no mesmo sentido. É necessário assumir essa lei mesmo na tentativa de rejeitá-la; do contrário, não se consegue nem mesmo distinguir entre aceitar e rejeitar essa lei. Mas uma vez que alguém a assume, ele não pode mais rejeitá-la, uma vez que ele já a assumiu. Se dissermos que a verdade pode ser contraditória, também podemos dizer que a verdade não pode ser contraditória, uma vez que abandonamos a distinção entre pode e não pode. Se não afirmarmos a lei da contradição, então cães são gatos, elefantes são ratos, “Vejo Jane correr” pode significar “Eu sou casado” e “Eu rejeito a lei da contradição” pode significar “Eu afirmo a lei da contradição” ou mesmo “Eu sou um idiota”. Se não for verdade que “A não é não-A”, qualquer coisa pode significar qualquer coisa e nada ao mesmo tempo, e nada é inteligível.

Visto que nenhum primeiro princípio legítimo pode ser autocontraditório, o ceticismo é impossível, porque é autocontraditório. Quando usado no sentido filosófico, um “cético” refere-se a alguém que sustenta que “nenhum conhecimento é possível […] ou que não há evidências suficientes ou adequadas para dizer se algum conhecimento é possível”.[25] Ambas as expressões de ceticismo são contraditórios — um afirma saber que nada pode saber, e o outro afirma saber que há evidências inadequadas para saber alguma coisa. Se uma pessoa afirma que não pode saber se pode saber alguma coisa, então ela ainda afirma saber que não pode saber se se pode saber alguma coisa e, portanto, se contradiz.

Primeiros princípios contraditórios são insustentáveis. O ceticismo é contraditório e, portanto, insustentável. Isso significa que um primeiro princípio adequado deve garantir a possibilidade de conhecimento.

Além de tornar o conhecimento possível, um primeiro princípio também deve produzir uma quantidade adequada de conhecimento. Para ilustrar, “Meu nome é Vincent” pode ser uma afirmação verdadeira, mas não me diz nada sobre a origem do universo, ou se roubar é imoral. Nem mesmo me dá o conceito de “origem” ou “moralidade”. Além disso, embora possa ser uma afirmação verdadeira, como posso saber se ela é verdade em primeiro lugar? A proposição “Meu nome é Vincent” não prova que meu nome seja realmente Vincent; ela não se justifica. Um primeiro princípio é inadequado se falha em fornecer informações concernentes à epistemologia, metafísica e ética, e se falha em se justificar.

Pelo menos pelas razões acima, um primeiro princípio não pode ser baseado na indução, na qual as premissas não conduzem inevitavelmente à conclusão, como raciocinar dos particulares aos universais. Por exemplo, nenhuma investigação empírica pode justificar a proposição “Todo ser humano tem um cérebro”. Para estabelecer uma proposição geral como esta por meios empíricos, uma pessoa deve examinar cada ser humano que já viveu, que agora está vivendo, e uma vez que esta é uma proposição sobre seres humanos, ela também deve examinar cada ser humano que viverá no futuro. Além disso, enquanto está examinando os seres humanos em uma parte do mundo, ela deve de alguma forma garantir que a natureza do homem não mudou nas partes do mundo cujos seres humanos ela já estudou.

Além disso, como ela prova que sabe que um determinado ser humano tem um cérebro só porque pensa que está olhando para ele? Ela deve fornecer justificativa para a alegação de que sabe que algo está ali apenas porque pensa que está olhando para ele. Mas seria viciosamente circular dizer que ela sabe que algo está lá só porque ela pensa que está olhando para ele, porque o que ela pensa que está olhando está realmente lá, e ela sabe que está realmente lá porque pensa que está olhando para ele. Somando-se à já impossível situação, para provar essa proposição geral sobre os seres humanos por sensação e indução, ela também deve examinar seu próprio cérebro.

Com base na indução, seria impossível definir um ser humano em primeiro lugar, uma vez que o conceito de ser humano também é universal. Na verdade, com base na indução, nunca se pode estabelecer qualquer proposição, muito menos uma proposição universal como “Todos os homens são mortais”.

Algumas pessoas tentam resgatar a indução dizendo que, embora ela não possa estabelecer conclusivamente nenhuma proposição, pelo menos pode estabelecer uma proposição como provável. Mas isso é enganoso e falso. Probabilidade se refere à “razão entre o número de resultados em um conjunto exaustivo de resultados igualmente prováveis ​​que produzem um determinado evento e o número total de resultados possíveis”.[26] Mesmo se admitirmos que os métodos empíricos e indutivos podem descobrir o numerador da fração (embora eu negue que eles possam até mesmo fazer isso), determinar o denominador requer o conhecimento de um universal, e a onisciência é frequentemente necessária para estabelecer isso.

Visto que a probabilidade consiste em um numerador e um denominador, uma vez que o denominador é um universal, e uma vez que os métodos empíricos e indutivos não podem conhecer os universais, então dizer que a indução pode chegar a um conhecimento “provável” é um absurdo. Mesmo à parte de outros problemas insolúveis inerentes ao o próprio empirismo, uma epistemologia baseada em um princípio empírico não pode ter sucesso, uma vez que o empirismo necessariamente depende da indução, e a indução é sempre uma falácia formal.

Por outro lado, a dedução produz conclusões que são garantidas como verdadeiras se as premissas forem verdadeiras e se o processo de raciocínio for válido. Embora o racionalismo seja menos popular, é uma tremenda melhoria em relação ao empirismo porque ele raciocina usando dedução em vez de métodos empíricos e indutivos. Mesmo assim, o racionalismo não cristão não pode ter sucesso em estabelecer uma cosmovisão verdadeira e coerente, e examinaremos brevemente alguns de seus problemas.

O racionalismo seleciona um primeiro princípio (ou, como na geometria, começa com um ou mais axiomas) e deduz o restante do sistema a partir dele. Se o primeiro princípio for verdadeiro e o processo de raciocínio dedutivo for válido, então as proposições ou teoremas subsidiários seriam todos verdadeiros por necessidade.

Um problema principal com o racionalismo não revelacional tem a ver com como ele seleciona um primeiro princípio.[27] Se o primeiro princípio é contraditório, é claro que deve ser rejeitado. Mas mesmo que o princípio não seja autocontraditório, também deve ser autojustificativo para evitar a acusação de ser arbitrário. Embora eu diria que apenas o primeiro princípio bíblico é autojustificativo, mesmo que um primeiro princípio não bíblico seja autoconsistente e autojustificativo, ele deve ser amplo o suficiente para tornar o conhecimento possível. Ele deve conter conteúdo suficiente para que se possa deduzir uma cosmovisão adequada a partir dele. Portanto, postular a proposição “Meu nome é Vincent” como o primeiro princípio em uma cosmovisão racionalista resultaria nas falhas mencionadas anteriormente.

Ainda outro problema com o racionalismo não revelacional é que existem várias escolas de sistemas racionalistas, e seus pontos de partida são todos diferentes e incompatíveis. Qual está correto? Uma cosmovisão racionalista com um primeiro princípio arbitrário não pode ter sucesso. Embora a abordagem racionalista dedutiva seja muito superior à abordagem empírica indutiva, ela também resulta em fracasso. Visto que sempre que uma pessoa usa qualquer uma das abordagens, ela inevitavelmente introduz os problemas dessa abordagem em sua cosmovisão, uma mistura de racionalismo e empirismo apenas combinaria as falhas fatais de ambos os métodos.

Então, as proposições dentro de uma cosmovisão não devem se contradizer. Por exemplo, o primeiro princípio de uma cosmovisão não deve produzir uma proposição em ética que contradiga outra proposição em metafísica, ou política, ou economia.

Nesse ponto, tendo examinado as condições para um primeiro princípio adequado, os problemas do empirismo e indução e os problemas do racionalismo não bíblico, já destruímos efetivamente todos os sistemas não cristãos existentes e possíveis. Eles simplesmente não podem satisfazer todos os requisitos que listamos. Isso inclui o islamismo, o mormonismo e outras religiões não cristãs que afirmam ser fundadas na revelação, uma vez que, ao examinar, a pessoa verá que suas alegadas revelações não podem satisfazer às condições.

Nossa estratégia para a apologética bíblica começa com o reconhecimento de que o Cristianismo é o único sistema dedutivo com um primeiro princípio autoconsistente e autojustificativo que foi infalivelmente revelado por um Deus todo-poderoso e onisciente, e que é amplo o suficiente para produzir um número suficiente de proposições para construir uma cosmovisão abrangente e coerente. O Cristianismo é a única cosmovisão verdadeira, e só ele torna o conhecimento possível. Todos os outros sistemas de pensamento caem no ceticismo, mas como o ceticismo é autocontraditório, não se pode permanecer em tal posição, e o Cristianismo é a única saída do abismo epistemológico.

Visto que o conhecimento é impossível com base em princípios não cristãos, mas que só é possível quando pressupomos a revelação bíblica como o primeiro princípio, isso significa que os incrédulos estão implicitamente pressupondo premissas bíblicas sempre que afirmam proposições verdadeiras.[28] Além disso, visto que a revelação bíblica não é apenas a precondição de conhecimento, mas também a precondição de inteligibilidade, na realidade os incrédulos estão implicitamente pressupondo premissas bíblicas mesmo quando afirmam proposições falsas. Caso contrário, essas proposições falsas seriam ininteligíveis e seria impossível afirmá-las.

Embora muitos não cristãos nunca tenham aprendido o conteúdo da Escritura, eles podem e usam as pressuposições cristãs porque Deus implantou um número mínimo delas em cada pessoa. Todos os não cristãos pressupõem implicitamente premissas bíblicas sempre que pensam ou falam, ou fazem qualquer coisa; no entanto, eles se recusam a admitir isso até para si mesmos. Assim, embora não possam escapar de seu conhecimento implícito sobre Deus, eles negam esse conhecimento em sua filosofia explícita.

Entre outras coisas, uma estratégia bíblica de apologética desafia os não cristãos a serem consistentes com suas próprias cosmovisões e pressuposições explícitas, exigindo que eles parem de usar pressuposições bíblicas na construção de seus sistemas. Como eles não podem fazer isso, seus edifícios intelectuais desmoronam em um ceticismo autocontraditório. A única saída é se arrepender de sua tolice e impiedade e se converter. Esta estratégia de argumentação terá sucesso não apenas contra as filosofias seculares, mas também contra todas as cosmovisões religiosas não cristãs.

A questão de como é possível para uma pessoa saber alguma coisa é suficiente para demolir qualquer sistema não cristão. A menos que uma pessoa afirme um conjunto abrangente de doutrinas bíblicas cobrindo todos os aspectos da vida e pensamento — isto é, a menos que ela afirme uma cosmovisão bíblica completa — suas crenças podem ser facilmente expostas como injustificadas, arbitrárias e inconsistentes. O não cristão não pode nem mesmo saber qual é o primeiro princípio ou autoridade final de sua cosmovisão, mas o apologista cristão pode pesquisá-lo fazendo as perguntas certas. Isso provavelmente envolverá fazer perguntas que estão diretamente relacionadas ao tópico em discussão, seja ele qual for, e questões relacionadas ao que o incrédulo pensa sobre as questões fundamentais (como metafísica e epistemologia), que incluirão perguntas sobre como ele tenta justificar suas crenças.

O cristão que pressiona o não cristão a satisfazer todas as condições necessárias de pensamento que listamos descobrirá que o não cristão não pode nem mesmo começar a responder a qualquer uma das questões apresentadas. Por outro lado, o cristão que entende e afirma a cosmovisão bíblica descobrirá que pode facilmente responder a desafios semelhantes.

Por exemplo, a ciência pressupõe que a natureza é uniforme e estável, que os experimentos podem ser repetidos, que a física e a química serão as mesmas no próximo ano como são hoje. Mas em que base a ciência acredita nisso? A observação empírica nunca pode justificar uma suposição tão ousada. Mesmo que uma pessoa possa obter conhecimento pela observação, o que eu nego, permanece que sempre que ela considera se a natureza permanecerá a mesma no futuro, é sempre verdade que ela não observou o futuro.

Novamente, eu nego que uma pessoa possa obter qualquer conhecimento pela observação ou pela experiência, mas mesmo se ignorarmos isso por enquanto, é fútil responder que podemos afirmar a uniformidade da natureza porque o futuro sempre foi como o passado em nosso experiência. Isso porque o “futuro” nesta resposta já está no passado, e é “futuro” apenas em relação a algo mais no passado. Nada nesta resposta aborda nosso futuro; entretanto, a questão da uniformidade da natureza diz respeito ao futuro em relação ao nosso presente, não observado por nenhum ser humano.

Assim, em que base pode a ciência empírica garantir que o futuro será como o passado? Se não puder dar essa garantia, então as teorias que os cientistas formulam com tanta diligência e empregam com confiança em seus cálculos não têm contato direto e necessário com a realidade. Em vez disso, as teorias científicas são apenas princípios que parecem verdadeiros em relação às suposições injustificadas do cientista.

Pode parecer absurdo questionar a uniformidade da natureza, mas isso ocorre apenas porque ela foi assumida sem justificativa o tempo todo. Se é tão obviamente verdade que a natureza é uniforme e estável, e que permanecerá da mesma forma no dia seguinte ou no próximo ano, então por que é tão difícil para cientistas e filósofos demonstrar isso? A verdade é que não é óbvio para eles, e pelos princípios de suas cosmovisões, é impossível provar. Ainda assim, eles continuam assumindo a uniformidade da natureza e, em seguida, acusam os cristãos de serem irracionais. O problema não é que os cristãos sejam irracionais, mas que os não cristãos são estúpidos e hipócritas.

Em qualquer caso, as muitas suposições da ciência carecem de argumento ou justificativa. Algumas pessoas podem abandonar a certeza e responder que embora seja impossível saber que a natureza é uniforme e estável, é pelo menos provável que assim seja. No entanto, já discutimos os problemas com tal reivindicação. O conhecimento da probabilidade requer o conhecimento de algo universal, algo que a ciência, o empirismo ou qualquer método não bíblico nunca pode obter.

Por outro lado, a visão cristã é inatacável. Visto que a revelação bíblica não justifica nada que seja inerentemente irracional, ela não fornece suporte para o empirismo, raciocínio indutivo ou método científico. A verdade não salva a falsidade, mas a contradiz e a destrói. Portanto, a visão cristã não salva a ciência, mas refuta a ciência. No entanto, somente o fundamento cristão fornece a base para afirmar qualquer regularidade na criação.

Como diz Gênesis 8:22: “Enquanto durar a terra, plantio e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite jamais cessarão”. Isso não afirma a uniformidade da natureza como tal — na verdade, eu nego a uniformidade da natureza ou que haja quaisquer “leis da natureza”. Em vez disso, a passagem afirma alguma regularidade na ação de Deus a respeito de como ele controla e sustenta alguns aspectos de sua criação. Assim, embora a visão cristã possa confiar na continuidade da “plantio e colheita”, ela ainda não fornece base para a ciência alegar ser um empreendimento racional, ou reivindicar ter qualquer contato racional com a realidade.[29]

A cosmovisão cristã nega a uniformidade da natureza, mas afirma a doutrina da providência comum, de que há regularidade nas ações de Deus a respeito de como ele controla e sustenta alguns aspectos de sua criação. Ou seja, ele prometeu controlar e sustentar certos aspectos da criação com alguma regularidade. Visto que os cientistas não podem justificar sua crença na uniformidade da natureza, isso significa que quando eles afirmam a uniformidade da natureza de qualquer maneira, então, embora a cosmovisão cristã não apoie a suposição injustificada da uniformidade da natureza, uma vez que fornece a única base para qualquer estabilidade no mundo físico, os cientistas estão de fato pressupondo uma forma distorcida de uma premissa cristã, embora se recusem a admiti-la ou honrar a Deus por isso.

Claro, o não cristão exigirá justificativa para nossa crença neste assunto, e isso eventualmente, se não imediatamente, empurra a discussão de volta ao nosso primeiro princípio. Isso não é um problema, visto que já discutimos como argumentar a favor da revelação bíblica como o único primeiro princípio adequado.

Se o homem é um produto da evolução em vez da criação, então em que base o incrédulo se opõe ao genocídio ou ao infanticídio? Mas Êxodo 20:13 diz: “Não matarás”. Se a moralidade se baseia na mera convenção humana ou no consentimento da maioria e não na autoridade e revelação divina, então em que base o não cristão aprova um reformador moral? Mas Atos 5:29 diz: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!”. A menos que a evolução possa provar que toda a humanidade evoluiu de uma fonte comum, então em que base o não cristão afirma a unidade da humanidade? Mas Atos 17:26 diz: “De um só fez ele todos os povos”.[30]

Se os não cristãos rejeitam nossas premissas bíblicas, então em que base eles afirmam princípios éticos que imitam os nossos? E por qual autoridade eles afirmam princípios que diferem? Se suas pressuposições não podem justificar até mesmo suas crenças mais básicas em assuntos essenciais como metafísica e epistemologia, muito menos ética, ciência, política, economia, educação e história, então suas cosmovisões são irracionais e inúteis.

A Escritura revela que o próprio Deus está por trás de todas as proposições bíblicas e exige que todos creiam e obedeçam a tudo o que ele diz. Portanto, uma vez que uma pessoa assume ou emprega qualquer premissa bíblica, ela logicamente se compromete com Deus e adota todo o sistema cristão. Isto é, a menos que uma pessoa aceite a infalibilidade e inerrância de toda a Bíblia, ela não tem o direito de usar qualquer proposição bíblica. Com que autoridade ela julga algumas proposições bíblicas como verdadeiras e outras falsas?

Se alguém usa ou afirma usar uma autoridade ou princípio não bíblico anterior pelo qual avalia cada proposição bíblica, então ele está de fato se submetendo a essa autoridade ou princípio em vez da Bíblia, e é a partir dessa autoridade ou princípio não bíblico que ele deve derivar o restante do seu sistema. Se ele não pode derivar uma proposição exigida ou necessária desta autoridade ou princípio, e esta proposição exigida ou necessária só é encontrada ou justificada na Escritura, então a cosmovisão não bíblica dessa pessoa falha.

Se ele adotou uma autoridade ou princípio não bíblico pelo qual ele deve derivar o restante do seu sistema, e essa autoridade ou princípio não produz a proposição exigida ou necessária, mas que essa proposição só é encontrada ou justificada na Escritura, então ele não tem o direito racional de adotar essa proposição exigida ou necessária da Escritura, porque isso envolveria um salto irracional e ilegítimo do que é dedutível da sua autoridade ou princípio para uma proposição bíblica.

Portanto, uma pessoa que assume um primeiro princípio empírico é consistente quando avalia a Escritura com métodos empíricos, mas ela também deve defender seus métodos empíricos e produzir todos os aspectos de sua cosmovisão nesta mesma base empírica. Em outras palavras, se uma pessoa usa um princípio não bíblico para avaliar a revelação bíblica, então ela também deve derivar o restante da sua cosmovisão desse princípio não bíblico sem tomar emprestado da revelação bíblica. Se ela não puder fazer isso, ou se seu princípio não bíblico for falso ou injustificado, então sua avaliação da revelação bíblica e sua própria cosmovisão inevitavelmente entram em colapso.

Cada proposição bíblica pressupõe a infalibilidade da Escritura. Se alguém usa qualquer premissa bíblica, deve aceitar a autoridade que se autoconfirma por trás dessa premissa, ou ficará sem justificativa para usá-la. Visto que ele não tem justificativa para usar a premissa bíblica, o cristão tem o direito racional de retirá-la dele no decorrer da discussão e do debate. Mas se esta premissa bíblica é necessária para manter sua cosmovisão, então sua cosmovisão desmorona.

Alguns cristãos podem argumentar com confiança contra o ateísmo, mas têm dificuldade em desafiar outras religiões, especialmente aquelas que afirmam ter epistemologias baseadas na revelação. No entanto, alegar ter uma revelação divina é fútil a menos que a revelação seja real, e é a alegação do cristão que todas as revelações alegadas por sistemas não cristãos são falsas. Visto que os sistemas religiosos de pensamento são cosmovisões tanto quanto filosofias seculares, podemos argumentar contra as religiões não cristãs da mesma forma que argumentamos contra qualquer cosmovisão não cristã.

Mesmo que uma cosmovisão afirme ser baseada na revelação, a menos que seja um sistema cristão completo e bíblico, ela não pode satisfazer os requisitos e responder às perguntas que discutimos. Lançamos o mesmo tipo de desafio contra essas religiões não cristãs que fazemos contra outras cosmovisões não cristãs, embora as expressões possam diferir dependendo do conteúdo do sistema oposto e do contexto do debate. Com base na autoridade máxima desta religião não cristã, é possível algum conhecimento? Existem autocontradições inerentes ao primeiro princípio ou às proposições subsidiárias desta religião? Ela toma emprestadas premissas bíblicas? Se a religião afirma reconhecer ou seguir o Antigo e o Novo Testamento, ela mesmo assim os contradiz?

Algumas religiões afirmam tomar emprestado ou adicionar ao Cristianismo, mas como suas crenças contradizem o Cristianismo, e visto que o Cristianismo afirma ser a única verdade, isso significa que elas são de fato religiões não cristãs, de modo que podemos argumentar contra elas como tais. O próprio Cristianismo afirma ser a revelação final e não deixa espaço para suplementos e revisões. Portanto, se uma religião afirma suplementar ou revisar o Cristianismo, ela contradiz o Cristianismo e se torna uma religião não cristã.

Às vezes, os “profetas” dessas religiões afirmam ser os novos ou os mensageiros finais de Deus, até mesmo revisando os ensinamentos de Cristo. No entanto, visto que Cristo é Deus, nenhum profeta pode substituí-lo ou contradizê-lo — não pode haver um profeta superior ou mais autoritativo do que Cristo. Embora Deus possa completar sua própria revelação, ele não contradiz o que disse antes com novas revelações. O Antigo Testamento predisse a nova aliança, e Cristo veio para instituí-la e confirmá-la. Então, ele comissionou seus apóstolos para completar a revelação divina de Deus para nós, e depois disso o Novo Testamento não permite qualquer revelação adicional (Judas 3). Visto que a Escritura está completa, todas as religiões não cristãs não têm o direito de reivindicar o apoio bíblico.

Muitas pessoas que ignoram as religiões acham que a maioria ou todas as religiões são semelhantes. Eles deveriam ser mais espertos, mas por serem estúpidos e pecadores (Romanos 1), eles se recusam a ver as diferenças claras entre a religião cristã e a não cristã. Por exemplo, eles podem pensar que o Cristianismo e o islamismo são semelhantes, mas na verdade esses dois sistemas de pensamento se contradizem no nível mais fundamental. O Cristianismo afirma a Trindade, mas o islamismo a rejeita. O que o Cristianismo afirma sobre Deus permite o conhecimento sobre Deus, mas o que o islamismo afirma sobre Deus o torna uma divindade incognoscível.

Depois de apontar as diferenças essenciais, procedemos a criticar o conteúdo dessa religião. O islamismo tem uma doutrina do pecado, então é apropriado discutir sua doutrina de salvação. O islamismo tem uma doutrina de salvação adequada e coerente? Ou falha como o catolicismo, mormonismo, budismo e arminianismo? A doutrina da salvação responde às questões levantadas na doutrina do pecado? A doutrina do pecado é consistente com a doutrina do homem? A doutrina do homem segue da doutrina de Deus e da doutrina da criação? O cristão logo descobrirá que o islamismo falha em todos os pontos, incluindo o importantíssimo ponto de partida da epistemologia. Sob exame, ele desmorona facilmente, assim como todas as cosmovisões não cristãs.

Eu delineei uma estratégia de apologética bíblica na qual uma pessoa pode usar qualquer proposição e evento para lançar uma defesa pela verdade do Cristianismo e para demolir qualquer cosmovisão não cristã.[31] Este método simples de argumentação, derivado do conteúdo e autoridade da Escritura, permite que até mesmo uma criança que aprendeu os fundamentos da teologia cristã humilhe totalmente os maiores cientistas e filósofos não cristãos.

A Bíblia nos diz que todos os não cristãos são estúpidos e pecadores, e nós também éramos como eles antes de Deus nos converter pela sua graça. Agora que fomos iluminados por Deus, não derrotamos nossos oponentes na argumentação pela sabedoria e eloquência humanas, mas é o conteúdo superior da fé cristã que triunfa sobre todas as cosmovisões não cristãs. Como diz Paulo: “Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? […] Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem” (1 Coríntios 1:20, 25). Quando seguimos a estratégia bíblica para a defesa e vindicação da fé, confrontamos os não cristãos com a sabedoria de Deus em vez da mera sabedoria humana, e nossa vitória é certa.

Assim, o fracasso das filosofias seculares é total; a derrota das religiões não cristãs é completa.

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[1] Realizado na University of California (Irvine); Covenant Media Foundation, 1985.
[2] Aqui, a palavra alude a “uma teoria de que a razão é em si mesma uma fonte de conhecimento superior e independente das percepções sensoriais” (Merriam-Webster).
[3] GEISLER, Norman L. Baker Encyclopedia of Christian Apologetics. Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1999, p. 371.
[4] Veja GEISLER, Norman, Answering Islam.
[5] Ou seja, a vontade de Deus determina tudo e, visto que ele conhece perfeitamente tudo o que determinou, ele também sabe tudo.
[6] Veja CHEUNG, Vincent, Presuppositional Confrontations.
[7] MCCULLAGH, C. Behan. Justifying Historical Descriptions. Cambridge: Cambridge University Press, 1984, p. 19.
[8] CRAIG, William Lane. God, Are You There? Norcross, Georgia: Ravi Zacharias International Ministries, 1999, p. 48.
[9] SCHREINER, Thomas R. Baker Exegetical Commentary on the New Testament: Romans. Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1998, p. 86.
[10] HODGE, Charles. A Commentary on Romans. Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1997 (original: 1835), p. 36.
[11] MORRIS, Leon. The Pillar New Testament Commentary: The Epistle to the Romans. Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1988, pp. 78–80.
[12] A NJB [New Jerusalem Bible] usa o termo “innate sense” [sentido inato].
[13] Isso significa que, embora os gentios não tivessem a revelação explícita da Escritura, seu conhecimento inato da lei moral de Deus é suficiente para condená-los (2:12). Isto é, “Eles mostram que em seus corações eles distinguem o certo do errado. Eles demonstram que a lei de Deus está escrita dentro deles” (NLT).
[14] HALDANE, Robert. Commentary on Romans. Grand Rapids, Michigan: Kregel Publications, 1996 (original: 1853), p. 99.
[15] PACKER, J. I. Concise Theology. Wheaton, Illinois: Tyndale House Publishers, Inc., 1993, p. 96.
[16] Ibid., p. 97.
[17] A tradução de Henry Beveridge diz: “[…] a memória da qual ele constantemente renova e ocasionalmente aumenta […]” (I, iii, 1); CALVINO, João. Institutes of the Christian Religion. Grand Rapids, Michigan: William. B. Eerdmans Publishing Company, 1998; Vol. 1, p. 43.
[18] Beveridge: “[…] tão completamente esta convicção comum possuiu a mente, tão firmemente está estampada nos coraçãos de todos os homens”; Ibid., p. 43.
[19] Beveridge: “Pois o mundo […] trabalha tanto quanto pode para sacudir todo o conhecimento de Deus, e corrompe sua adoração de inúmeras maneiras. Eu apenas digo que, quando a dureza estúpida do coração, que os ímpios avidamente cortejam como um meio de desprezar a Deus, torna-se enfraquecido, o senso da Divindade, que de todas as coisas que eles mais desejavam que fosse extinta, ainda está em vigor e de vez em quando irrompe. Daí inferimos que esta não é uma doutrina que foi aprendida primeiro na escola, mas uma doutrina na qual todo homem é, desde o ventre, seu próprio dono; uma que a própria natureza não permite que ninguém esqueça, embora muitos, com todas as suas forças, se esforcem para esquecê-la”; Ibid., p. 45.
[20] CALVINO, João. Institutes of the Christian Religion. Editado por John T. McNeill; Traduzido por Ford Lewis Battles; Philadelphia: The Westminster Press, 1960, pp. 43–46.
[21] Mesmo com essas formas e categorias mentais, o conhecimento ainda não pode vir da sensação, uma vez que o empirismo é inerentemente irracional e impossível.
[22] Veja AGOSTINHO, De Magistro.
[23] Aqueles que nunca ouviram o evangelho são condenados por rejeitar o que já sabem por seu conhecimento inato de Deus. Além das informações necessárias para a salvação, várias outras doutrinas bíblicas estão ausentes desse conhecimento inato, como aquelas relacionadas ao governo da igreja e a segunda vinda de Cristo. Mesmo o que é parte desse conhecimento inato, claro o suficiente para tornar uma pessoa culpada, é frequentemente obscurecido e distorcido pelos efeitos noéticos do pecado. Portanto, embora o homem de fato possua conhecimento inato específico e detalhado sobre Deus, a Escritura é necessária.
[24] Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary, Tenth Edition. Springfield, Massachusetts: Merriam-Webster, Incorporated, 2001; “weltanschauung”. The Cambridge Dictionary of Philosophy, Second Edition: “Uma cosmovisão constitui uma perspectiva geral da vida que resume o que sabemos sobre o mundo”; New York: Cambridge University Press, 2001; “Wilhelm Dilthey”, p. 236.
[25] The Cambridge Dictionary of Philosophy, “Skeptics”, p. 850.
[26] Merriam-Webster, “probability”.
[27] Algumas pessoas definem o racionalismo como uma abordagem que rejeita toda revelação sobrenatural desde o início, e isso é de fato verdade para alguns sistemas racionalistas. Mas, como abordagem do conhecimento, o racionalismo não inclui uma rejeição inerente da revelação; antes, se ele aceita ou rejeita a revelação depende do primeiro princípio selecionado para um sistema particular.
[28] “Os problemas da história, política e ética, como se tem argumentado, exigem alguns pressupostos teístas para sua solução […]. Aparentemente, o melhor procedimento geral para alguém que deseja propor o teísmo cristão é mostrar que as outras formas de teísmo são combinações incoerentes. Se algumas de suas proposições fossem levadas às conclusões lógicas, resultariam no naturalismo e, mais tarde, no ceticismo; e se vamos fazer justiça às possíveis interpretações de outras de suas asserções, o cristianismo teria que ser assumido” (CLARK, Gordon H. Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013, p. 219).
[29] Uma escola de apologética, representada por Cornelius Van Til e Greg Bahnsen, afirma que a cosmovisão cristã fornece uma base para a crença na uniformidade da natureza. No entanto, eles inferiram muito mais do que a Escritura permite. O sistema sincrético deles força junto os princípios cristãos e não cristãos, frequentemente dando prioridade aos últimos. A visão deles sobre a ciência é um exemplo e exibe a transigência e a irracionalidade que caracterizam seus ensinamentos. Eles desejam afirmar muitas, senão a maioria, das suposições não cristãs, e seu método é colocá-las em um fundamento cristão para que eles possam “prestar contas” delas. Assim, eles tornam Deus e a Escritura cúmplices da falsidade, e umem Cristo e Satanás em um matrimônio profano.
[30] Como outro exemplo, Bahnsen afirma que a visão cristã fornece uma base para se posicionar contra o racismo com base neste versículo. Novamente, isso é inferir mais do que o versículo permite. Claro, a Bíblia pode fornecer uma base contra o racismo, mas a doutrina precisa de mais do que este único versículo para se sustentar. Alguns seguidores de Van Til e Bahnsen me criticaram por fazer essa inferência injustificada; entretanto, eu estava apenas relatando o que seus próprios mestres afirmavam.
[31] Para mais sobre apologética bíblica, veja CHEUNG, Vincent, Presuppositional Confrontations, Apologetics in Conversation e Captive to Reason.

Vincent Cheung. Ultimate Questions (2010), pp. 50–72. Tradução: Luan Tavares.

© Vincent Cheung. A menos que haja outra indicação, as citações bíblicas deste livro pertencem à BÍBLIA SAGRADA, NOVA VERSÃO INTERNACIONAL ® NVI ® Copyright © 1993, 2000, 2011 de Sociedade Bíblica Internacional. Todos os direitos reservados.

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As Obras de Vincent Cheung
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Written by As Obras de Vincent Cheung

Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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