A Santidade de Deus e os Maus Pensamentos

As Obras de Vincent Cheung
7 min readNov 12, 2019

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Um amigo meu levantou duas perguntas relacionadas à sua visão da soberania divina. Ele não usa e-mail e, portanto, pensei em fazer essas perguntas em nome dele: (1) Como Deus pode causar e controlar ativamente os maus pensamentos de homens não regenerados sem anular sua santidade? (2) Ou seja, Deus não está pensando nos maus pensamentos antes de fazer com que os homens pensem neles?

Se você leu muito dos meus materiais, deveria ser capaz de responder a essas duas perguntas por si só, visto que tratei desse assunto várias vezes e de muitas maneiras. Essas duas perguntas não são diferentes das que eu abordei ao escrever sobre “the author of sin” [o autor do pecado] e “the problem of evil” [o problema do mal]; portanto, revise esses materiais para obter mais detalhes.

Primeiro, suponho que essa pessoa implica que minha visão é estranha à Bíblia, de modo que as perguntas são levantadas contra minha opinião em particular e não contra a própria Bíblia. Vindo de um cristão, isso indica ignorância e preconceito. Não estou usando essas palavras como insultos, mas para rotular as áreas problemáticas.

Existem inúmeras passagens na Bíblia indicando que o pecado é ideia de Deus, tanto em geral como em casos particulares. Reveja meu artigo “The Problem of Evil” [O Problema do Mal] para exemplos bíblicos. Dado o fato de que é a Bíblia que ensina isso, a pessoa que faz essas perguntas contra minha opinião é ignorante e/ou preconceituosa contra aquelas passagens que ensinam que é Deus quem inventa o mal contra as pessoas e que ele decreta que as pessoas devem cometer certos pecados para serem julgadas e destruídas, ou de outra forma disciplinadas ou para promover algum outro propósito. As pessoas muitas vezes desassociam um ensino na Bíblia que não gostam da pessoa que o ensina a partir da Bíblia, e então fingem atacar a pessoa pelo ensino, quando na realidade estão atacando a própria Bíblia.

Não faria diferença para as perguntas mesmo se Deus causasse “passivamente” o mal (seja lá o que isso signifique) — visto que a ideia do mal ainda se originaria em Deus. A única saída é dizer que Deus não tem nenhum conceito de mal e que o mal deve ser totalmente atribuído a outra entidade. Esta é a heresia do dualismo e a conclusão lógica de que Deus não é o autor do pecado.

Segundo, as perguntas estão incompletas. Elas assumem um pressuposto que a pessoa falha em justificar ou mesmo mencionar. Visto que está tão impregnado, a pessoa provavelmente não está ciente disso. Ele pergunta: “Como Deus pode causar e controlar ativamente os maus pensamentos de homens não regenerados sem anular sua santidade?”. Mas qual é exatamente o problema? A pergunta não nos diz. A suposição parece ser que controlar diretamente o mal é cometer o mal — causar pecado é cometer pecado, e criar o pecado é ser pecador. Mas onde na Bíblia encontramos isso?

O mal é definido por Deus, não pelo homem, e a menos que Deus diga que ele controlar diretamente o mal é cometer o mal, então ele controlar diretamente o mal não é cometer o mal. Não cabe ao homem dizer o contrário. De fato, a pessoa que faz a pergunta se colocou acima de Deus. Parafraseando, a pergunta é realmente: “Como Deus pode permanecer santo se ele faz algo que é contrário ao meu padrão do que significa para Deus ser santo?”. Eu literalmente estremeço com a própria ideia de que alguém ousaria pensar dessa maneira, mas é isso que a pergunta implica.

Então, quanto à pergunta: “Ou seja, Deus não está pensando nos maus pensamentos antes de fazer com que os homens pensem neles?”. Minha primeira reação é: “E daí?”. O mesmo se aplica ao pré-conhecimento (aqui a palavra significa presciência, e não o significado bíblico de pré-ordenação). Estamos dizendo agora que Deus não pode prever nenhum mal para permanecer santo? Se sim, Deus sabe sobre o mal depois que alguém o cometeu? Isso não mancharia sua santidade também? Imagine todos os pensamentos de assassinato, estupro, perjúrio, roubo e inúmeros outros pecados que estão na mente de Deus! Nesse sentido, Deus tem ainda mais pensamentos malignos em sua mente do que o próprio Satanás. As Escrituras e eu não achamos que isso seja um problema, mas a pergunta implica que sim. Você percebe quão antibíblica e até sinistra é essa linha de raciocínio? Mas esta é a maneira comum de pensar. As pessoas não percebem o quão inconsistente e perverso é proibir a Deus algo que ele nunca proíbe a si mesmo.

É claro que, com o pré-conhecimento, quando Deus pensa em assassinato e estupro, é porque ele possui informações sobre como suas criaturas violariam suas leis dessa maneira. Certamente não é que Deus cometa assassinato e estupro. (Se assassinato é matar alguém sem a aprovação de Deus, então Deus pode matar alguém sem cometer assassinato, já que ele sempre tem sua própria aprovação, portanto o conceito de assassinato não se aplica. Quanto ao estupro, Deus é incorpóreo e não sexual, portanto, também não se aplica.) Mas se essa é uma explicação satisfatória para o pré-conhecimento, também é satisfatória para a ordenação ativa e a causa do pecado. Não é que Deus cometa esses pecados, mas que ele ativamente faria com que suas criaturas os cometessem. E — aqui está o ponto importante — não há lei moral revelada nem revelação sobre sua natureza dizendo que ele poderia ou não fazer isso. O problema ocorre apenas quando o homem inventa a premissa e a impõe a Deus, e ao fazer isso, na verdade ele pensa que está protegendo a santidade de Deus!

Terceiro, se somos contra a ideia de que Deus causa ativamente o mal, o que significa quando dizemos que ele o decreta ou causa passivamente? Sim, você pode dizer isso, mas isso significa alguma coisa? Ou é um absurdo? Peça que a pessoa explique e prove. Esqueça os slogans populares, vá mais fundo e veja o que você consegue. Como é metafisicamente possível ordenar infalivelmente algo e não causá-lo? E como é metafisicamente possível causar algo infalivelmente, mas fazer isso de forma passiva? Como é possível ordenar os tipos e números precisos de todos os pecados e as formas que eles seriam executados, de modo que todas as coisas devem acontecer como ele ordenou, sem usar nenhum poder ativo para realizá-lo? Como é possível que Deus apenas permita o mal sem causar-lhe quando ele é quem sustenta todas as coisas, momento a momento? Note que, ou devemos atribuir ao homem um status e poder metafísicos que a Bíblia diz que ele não possui — ou seja, o poder da autoexistência e da causa própria, transformando o homem em Deus — ou devemos dizer que Deus ativamente causa todas as coisas.

Nem todos são desatentos à inconsistência, mas em vez de deduzir sua teologia da Bíblia, eles apelam ao “mistério” para manter sua inconsistência. A opinião que defendo não tem mistério nem inconsistência. As pessoas simplesmente não gostam disso porque é contra o que elas impuseram a Deus. Além disso, se elas podem apelar para o mistério quando quiserem, por que não posso simplesmente dizer mistério, mistério, mistério repetidamente até que as pessoas me deixem em paz? Seja como for, o mistério deles é superior à minha clareza. O que a Bíblia nos diz claramente não é mistério, mas revelação. O apelo ao mistério é muitas vezes uma distração do fato de que alguém pecaminosamente se recusa a aceitar o que a Bíblia revela claramente.

Em suma, a resposta básica é que causar o mal é diferente de cometer o mal. Causar o mal se refere a uma relação metafísica, enquanto cometer o mal se refere a uma violação da lei moral divina. Para que seja errado para Deus causar o mal, ele deve estabelecer uma lei moral e impor a si mesmo, afirmando que é errado para ele causar o mal. Se ele não faz isso, então ele não o definiu como mau. Pelo contrário, precisamente porque Deus é justo, tudo o que ele faz é justo por definição. Portanto, é justo que ele cause o mal sempre que desejar. E é mau se opor ou questioná-lo nisso. Em outras palavras, a pergunta ignora uma premissa — ou assume uma premissa injustificada ou que não é mencionada. Ou seja, é a suposição de que, para o criador, causar uma criatura realize o mal é para o próprio criador executar o mal. Essa visão não é apenas ilógica, mas é blasfema.

O tópico é muito educativo e revelador. Ele expõe o quão comum é para nós ditarmos a Deus como ele deve se comportar — ele deve aderir ao nosso padrão para permanecer o que ele diz que é! Basta examinar todas as publicações teológicas da história da igreja. É quase unânime que Deus não pode ser “o autor do pecado” — mas nenhum deles pode lhe dizer o porquê, mesmo que alguns deles mencionem a afirmação injustificada e antibíblica de que, para ele, causar o mal seria o mesmo que cometer o mal. Ninguém na história da igreja conseguiu provar essa premissa, e poucos tentam.

Vincent Cheung. God’s Holiness and Evil Thoughts. Disponível em Blasphemy and Mystery (2007), pp. 43–45. Traduzido: Luan Tavares (02/11/2019).

Sobre o autor: Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos.
Site oficial: https://www.vincentcheung.com/

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Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos. “Tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23)

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