A Questão do Contexto Histórico
Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em Cristo Jesus,
a Timóteo, meu amado filho:
Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor. (2 Timóteo 1:1–2)
Temos aqui uma carta de Paulo a seu associado júnior, Timóteo. Uma carta representa apenas um lado de uma conversa. Supostamente, o desafio de ler uma carta está no fato de não conhecermos a natureza exata das questões e situações que o escritor considera em sua carta, e é presumido que precisamos de alguma compreensão desse outro lado da conversa para ter contexto suficiente para interpretar a carta. Visto que os documentos bíblicos são literatura antiga, a distância entre o contexto original e os leitores modernos é alegadamente ampliada.
Os eruditos constantemente assumem essa dificuldade e tentam lidar com ela enquanto examinam o texto. No entanto, o problema é exagerado, mas visto que é teimosamente assumido, não é incomum ver um comentarista apresentar uma interpretação falsa que ignora ou contradiz o que está na face do texto devido à sua obsessão em descobrir ou especular sobre o contexto histórico. Mesmo se alguém chegar ao significado correto, não é incomum encontrar um comentarista baseando sua interpretação em algo que pertença ao contexto histórico, quando as palavras na face do texto oferecem o mesmo significado, tornando supérflua sua árdua investigação. O contexto histórico, apurado com precisão ou não, geralmente não afeta o significado de forma alguma.
A dificuldade é uma mera possibilidade em cada caso. Se há uma dificuldade real, depende do que o escritor inclui em sua carta. Se Paulo escreve: “Tito, o que eu disse para você fazer, por favor, faça-o em breve”, então não teremos ideia do que Paulo quer que Tito faça, embora ainda saibamos que Paulo quer que ele faça alguma coisa. Por outro lado, se Paulo escreve: “Tito, constitua presbíteros em cada cidade, como eu o instruí”, e inclui uma lista detalhada de qualificações, como ele faz em sua carta a Tito, devido à abundância de informações incluídas deste lado da conversa, não precisamos especular sobre o outro lado.
Os eruditos podem considerar isso uma simplificação ingênua, mas não é. Em vez disso, o problema é que eles exageraram tanto o problema da falta de contexto histórico e subestimaram a uniformização do pensamento e da cultura humana ao longo dos séculos que complicaram a própria clareza e se recusam a permitir que a linguagem direta seja o que é. O erro deles é superestimar e exagerar o trabalho de detetive no processo de interpretação. A Bíblia é uma revelação confiável, atual e independente, oriunda de Deus. Porém, ao pressupor constantemente que informações externas são necessárias para fornecer contexto para interpretação, eles subestimaram a suficiência e perspicácia da Escritura.
Outro problema relacionado à obsessão por descobrir o contexto histórico, ou talvez até mesmo um que tenha surgido dessa obsessão, é a tendência de pensar que, seja o que for que Paulo diga, ele diz para abordar uma questão correspondente entre seus leitores. Ou, o que quer que ele afirme, ele afirma porque pelo menos alguns de seus leitores acreditam no contrário, e o que ele diz que eles devem fazer, ele diz porque eles não estão fazendo isso ou estão fazendo o contrário. Parece que Paulo nunca mencionaria algo a menos que houvesse um problema relacionado a ele, ou a menos que seus leitores estivessem acreditando ou praticando o oposto do que é defendido pelo apóstolo.
Essa suposição ridícula é extremamente comum nos comentários bíblicos. Mas é inválida e enganosa, e deve ser descartada. Certamente, é sempre aplicada de maneira inconsistente, ou teríamos que pensar que Paulo escreve apenas para ateus anticristãos, visto que ele menciona Deus e Cristo com muita frequência em suas cartas.
Vincent Cheung. The Question of Historical Context. Disponível em Reflections on Second Timothy (2010), pp. 15–16. Tradução: Luan Tavares (15/06/2020).