A “Oferta Sincera” do Evangelho
A doutrina em questão tem sido chamada de “livre oferta”, “oferta bem-intencionada” e “oferta sincera” do evangelho. É um falso ensino que faz de Deus um tolo esquizofrênico. É antibíblico e irracional e deve ser combatido.
Não sabemos de antemão quem estão contados entre os eleitos e que estão contados entre os não eleitos, e a Escritura nos ordena pregar a toda pessoa. Portanto, não devemos tentar decidir quem são os eleitos e quem são os não eleitos, e depois pregar o evangelho somente àqueles a quem consideramos os eleitos. Nós devemos pregar o evangelho a todos os homens.
Dito isto, é errado pregar o evangelho como se houvesse uma chance para os não eleitos obterem fé e serem salvos, como se Deus estivesse sinceramente lhes dizendo que ele deseja a salvação deles e que eles poderiam ser salvos (Lucas 10:21; João 6:65). Nós não sabemos o conteúdo do decreto de Deus na eleição em termos de quem são os eleitos e quem são os não eleitos, e por isso não devemos agir como se soubéssemos, mas isso não significa que devamos falar como se ele não tivesse feito tal decreto quando pregamos o evangelho.
Em nossa pregação, devemos deixar claro que Deus ordena a toda pessoa, seja eleita ou não, creia no evangelho, testificando assim a obrigação de cada pessoa de crer — aqueles que crerem serão salvos, e aqueles que não crerem serão condenados. No entanto, não devemos apresentar isso como uma “oferta sincera” da salvação de Deus, mesmo para os não eleitos.
A fé é o dom soberano de Deus, e Deus decidiu retê-la dos não eleitos, mas em vez disso ele escolhe endurecê-los; portanto, oferecer salvação aos não eleitos como se Deus desejasse que eles fossem salvos e como se fosse possível que eles fossem salvos seria mentir para eles em nome de Deus. Não há oferta de salvação para os não eleitos, mas apenas um mandamento que eles nunca podem obedecer, e Deus os punirá com o fogo do inferno.
Isso não nos impede de pregar o evangelho a todos os homens, já que não é nosso dever ou direito escolher os eleitos e pregar somente para eles, ou escolher os não eleitos e excluí-los. O ponto é que não devemos apresentar o evangelho como uma oferta sincera a todos, como se o “desejo” de Deus pudesse diferir de seu decreto, como se Deus pudesse ou quisesse decretar contra seu “desejo”¹ e como se fosse possível até mesmo para o não eleito ser salvo.
Deus ama os eleitos e deseja (e assim decretou) sua salvação; ele odeia os réprobos e desejos (e assim decretou) sua condenação (Romanos 9:13). A pregação do evangelho deve ser consistente com isso. Portanto, devemos apresentar o evangelho como uma ordem séria para todos, como se fosse exigido de todos que cressem (Atos 17:30), e como se Deus pretendesse chamar os eleitos e endurecer os não eleitos pela mesma pregação do evangelho (2 Coríntios 2:15-16).
Assim, devemos pregar o evangelho a todos os homens por pelo menos três razões: 1. Deus nos ordena pregar o evangelho a todas as pessoas; 2. Não sabemos e não devemos considerar de antemão quem são os eleitos e quem são os réprobos; 3. O propósito da pregação do evangelho não é apenas chamar os eleitos para a fé, mas também endurecer os réprobos em sua incredulidade.
Embora o tópico nem sempre apareça, não é errado anunciar que Deus deseja salvar apenas os eleitos e escolheu apenas eles para a salvação, e que concederá fé somente a eles, de modo que somente eles possam crer. E não é errado anunciar que Deus deseja condenar os réprobos e os escolheu para a condenação, e que ele não apenas reterá a fé deles, mas também endurecerá suas mentes contra o evangelho, tornando impossível para eles crerem.
Assim como não podemos determinar de antemão quem são os eleitos e quem são os réprobos quando pregamos o evangelho, nossos ouvintes não devem tentar determinar por si mesmos se estão entre os eleitos ou os réprobos, e então fazer disso a base para saber se eles devem clamar a Deus para a salvação. Quando alguém ouve o evangelho, ele não deve dizer: “Deus salva somente os eleitos, e eu estou provavelmente entre os réprobos, por isso é inútil para mim buscar a Deus”. De fato, se alguém teimosamente pensa assim mesmo quando recebe um explicação clara do evangelho, isso é uma indicação de que ele é de fato um dos réprobos, e Deus escolheu estabelecer essa pessoa em sua condenação por meio desse engano persistente.
Em vez de esconder o decreto de Deus de nossos ouvintes, devemos explicar as verdades relativas ao pecado e à graça, e quanto à eleição e reprovação. Mais do que isso, devemos apresentar a eles todo o sistema de doutrinas bíblicas, da forma mais clara e completa possível (Atos 17:23–31; Mateus 28:19-20; Lucas 14:27–33). Então, devemos adverti-los a buscar a salvação de Deus por meio de Jesus Cristo.
Como é impossível que as pessoas realmente busquem a Deus a menos que seu poder já esteja operando em seus corações, aqueles que sinceramente clamam a Deus para salvá-los por Jesus Cristo estão entre os eleitos, e Deus já iniciou sua obra de conversão neles. Aqueles que obedecem insinceramente ou superficialmente, e que depois de um tempo caem, ou aqueles que se recusam a vir, estão entre os não eleitos, cujas mentes Deus endureceu ainda mais pela pregação do evangelho (2 Coríntios 2:15-16; 2 Tessalonicenses 1:8).
Portanto, ao rejeitar a chamada “oferta sincera” do evangelho, a pregação do evangelho não é diminuída ou tornada restrita e seletiva. Em vez disso, nossa doutrina é uma aplicação consistente e necessária da Escritura sobre a soberania de Deus, eleição e reprovação, e a pregação do evangelho. É uma visão bíblica e coerente que valoriza a pregação do evangelho e, de fato, a propagação de todo o sistema de doutrinas bíblicas, para todos os homens em todos os lugares. Além disso, ela reconhece o que a Escritura ensina sobre o propósito e o efeito da pregação do evangelho, isto é, chamar os eleitos e endurecer os réprobos.²
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¹ A Escritura ensina que Deus decreta o que ele deseja, e o que ele deseja, ele decreta e faz acontecer. Ele determina todas as coisas de acordo com seu “bom propósito”. Dabney tenta preservar a “oferta sincera” afirmando que há motivos complexos em Deus, de modo que, embora Deus deseje a salvação dos não eleitos, um motivo ou razão mais forte nele se sobrepõe, e é por isso que ele não escolheu para salvar os não eleitos. Dabney espera que essa explicação preserve sua crença de que Deus deseja salvar a todos e que Deus escolhe apenas algumas pessoas. Contudo, ele falha em mostrar que existem esses motivos divergentes e conflitantes em Deus. Além disso, mesmo se assumirmos, por uma questão de argumento, que existem motivos conflitantes em Deus, isso não resgata a “oferta sincera”, porque no ponto do decreto divino de apenas algumas pessoas para a salvação e depois no ponto da pregação do evangelho, o motivo mais forte para escolher apenas algumas pessoas para a salvação já anulou o desejo de salvar a todos, de modo que o decreto divino e nossa pregação não mais expressam ou permitam que qualquer desejo em Deus salve a todos. Não resta “oferta” aos não eleitos. Em outras palavras, mesmo que os motivos de Deus sejam autoconflitantes, o decreto e a pregação não são, mas o decreto e a pregação são sobre o que estamos falando. Portanto, não há razão para acreditar que Dabney esteja correto sobre motivos conflitantes em Deus, mas mesmo se ele estiver correto, isso é irrelevante.
² Veja David Engelsma, Hyper-Calvinism and the Call of the Gospel and Common Grace Revisited, para mais sobre este assunto.
Vincent Cheung. The “Sincere Offer” of the Gospel. Disponível em The Author of Sin (2014), pp. 30–32. Tradução: Luan Tavares (13/11/2018).