A Cultura que se Envergonha da Fé
Vincent Cheung, “Backstage” (2016).
A igreja cultiva uma cultura que se envergonha da fé. Os cristãos são repreendidos quando esperam que Deus honre o que disse e lhes conceda o que prometeu. Jesus praticou apenas a vergonha da dúvida. E ele fez muito isso. Ele não insinuou seu desagrado. Ele repreendeu as pessoas sem rodeios por suas dúvidas. Ao contrário do que afirmam alguns mestres cristãos, Jesus exigia fé não apenas dos líderes religiosos e de seus discípulos imediatos, mas exigia fé até mesmo das pessoas comuns que estavam sofrendo. Quando um pai desesperado implorou: “Se você puder, por favor nos ajude”, Jesus empurrou a responsabilidade de volta para o homem e disse: “Se eu posso? Qualquer coisa é possível para aquele que crê”. O homem se apressou em dizer que tinha fé, mas confessou que tinha alguma incredulidade. Em outra ocasião, uma mulher caiu a seus pés e implorou que salvasse sua filha possuída por um demônio, mas ele recusou até que ela lhe mostrasse um pouco de fé.
Quando eu me comporto da mesma maneira, os cristãos me atacam como insensível e, ironicamente, como se eu não fosse “semelhante a Cristo”. Esta é uma das críticas contra aqueles que enfatizam o ensino da Escritura sobre a fé para receber de Deus. A reclamação é que, quando você exige que as pessoas tenham fé em Deus e vençam pela fé, você as faz se sentir culpadas e envergonhadas. Isso deveria estar errado. Eles afirmam que a vida é difícil, e um mestre cristão deve reconhecer isso. As mesmas pessoas atacam um evangelho “seeker-friendly”¹ e continuam falando sobre pecado e arrependimento, pecado e arrependimento, pecado e arrependimento. Mas e o pecado da incredulidade? E o arrependimento por ser fraco? Deus exigiu que até mesmo Jeremias se arrependesse quando o profeta mostrou fraqueza ao enfrentar adversidades e perigos. “Onde está Deus quando estou sofrendo?” Cara, onde está a sua fé?! Você percebe? Essas pessoas adoram falar sobre pecado e arrependimento quando se referem a coisas que se sentem confortáveis o suficiente para enfrentar, mas quando os assuntos realmente começam a ameaçar seu orgulho e identidade religiosos, de repente é insensível e até antibíblico mencioná-los. A verdade é que elas amam um evangelho seeker-friendly mas que seja amigável para elas mesmas, e não necessariamente para qualquer outra pessoa.
Jesus era insensível? Não! Você não entende? Ele se recusou a patrocinar as pessoas. Ele se recusou a tratá-los como se fossem irremediavelmente inferiores à elite religiosa. Você não pode entender isso? A fé em Deus é o que tira as pessoas do abismo. A fé é o que o salva de sofrimentos sem sentido e desnecessários. A fé o livra deste mundo hostil de pecado e morte. Jesus amou as pessoas. Ele tinha uma compaixão avassaladora por elas. O amor verdadeiro não oferece mero conforto, mas conecta as pessoas de fé em fé e as tira de seus problemas, mesmo que seja necessário um milagre. Quando você está desesperado, é quando você mais precisa de fé. Você não quer ser dispensado disso. Nossa mensagem é que se eles alcançaram Deus pela fé, então você pode alcançar Deus pela sua fé. Isso soa como heresia? Hermenêutica ruim? Para aqueles a quem Deus chamou, é a melhor notícia que já ouviram, o evangelho de Jesus Cristo.
A maioria dos que vieram a Jesus com fé não conhecia as promessas de Deus tão bem quanto os fariseus. Muitos eram o povo comum de Israel, que não eram profissionais de teologia e não tinham o mesmo acesso à Escritura. Mas eles tinham fé, e os eruditos não. Alguns dos que tinham a fé mais forte eram gentios. Eles mal sabiam o suficiente sobre Jesus para presumir que ele poderia ajudá-los, mas sua fé diminuía os eruditos e fanáticos. Em um caso, Jesus disse: “Não encontrei em Israel ninguém com tamanha fé”. Em outro caso, embora ele já negasse o pedido, ele cedeu quando a mulher gentia insistiu no que ela queria pela fé. Jesus disse que muitos de todos os cantos da terra se sentariam com Abraão, Isaque e Jacó, mas aqueles que eram religiosos privilegiados seriam lançados nas trevas. Muitos que se apresentam como defensores da ortodoxia são, na verdade, incrédulos. Esta não é uma teoria para ponderarmos apenas para podermos admirar nossa própria profundidade. É uma realidade. Isso está acontecendo agora. Olhe a sua volta. As pessoas que parecem ser as mais religiosas, mais informadas, mais rígidas sobre sua ortodoxia, mais zelosas pela debate — muitas, muitas delas, irão queimar no inferno.
Jesus disse que você os reconhecerá pelos seus frutos. O que isto significa? Ele disse que uma árvore boa dá frutos bons, mas uma árvore ruim dá frutos ruins, e o homem fala do que o coração está cheio. Em outras palavras, entre outras coisas, o fruto se refere ao que uma pessoa diz. Os eruditos religiosos disseram coisas depreciativas sobre Jesus porque seus corações eram maus. Você reconhecerá falsos profetas e falsos mestres da mesma maneira. Eles vão dizer as mesmas coisas que os eruditos religiosos disseram. Assim como os falsos mestres atacaram Jesus em seus dias quando ele realizava sinais e maravilhas, os falsos mestres de hoje reagirão da mesma forma contra o ministério da fé, cura, profecia e milagres que é realizado em nome de Jesus. Eles chamaram Jesus de enganador e mágico. Eles disseram que ele manipulou as pessoas, e operou milagres pelo poder dos demônios. Os falsos mestres dizem as mesmas coisas hoje, embora os cristãos que eles atacam estejam dizendo e fazendo as mesmas coisas que Jesus fez com base nos ensinamentos dele… bem, precisamente porque eles estão dizendo e fazendo as mesmas coisas que Jesus fez.
Você pode pensar que os teólogos e apologistas proeminentes de nossos dias estão isentos de condenação. Talvez eles estejam equivocados em certas questões, mas estão a salvo de julgamentos. Certamente eles são servos de Cristo. Esta é uma suposição perigosa. Os fariseus defenderam a lei de Moisés e a ressurreição dos mortos, mas quando o Legislador e o Príncipe da Vida se tornaram um homem e se colocaram diante deles, eles o mataram! E depois eles foram atrás de seus discípulos! Eles eram os teólogos e apologistas da ortodoxia, mas Jesus disse que eles não poderiam escapar da condenação do inferno. Por quê? Talvez suas palavras às vezes estivessem corretas, mas Deus disse: “Essas pessoas me honram com os lábios, mas seus corações estão longe de mim.” Eles realmente não creram. A religião deles não tinha nada a ver com Deus. Eles estavam apenas afirmando sua filosofia pessoal sob a cobertura da religião do Antigo Testamento.
Só porque alguém parece ensinar e defender a ortodoxia cristã não significa que ele seja um exemplo de fé. Tudo isso pode não ter nada a ver com Cristo. A fé cristã é o que ele prefere como cobertura para sua filosofia pessoal. Ela é adequada à sua personalidade, para que defenda com veemência a fé cristã, porque está protegendo sua própria identidade. Isso não significa que ele acredita em nada disso. Ele pode ser aquele que honra a Deus com os lábios, enquanto seu coração está longe dele. Não há necessidade de ser paranóico e desconfiar de todos. Você o reconhecerá por seus frutos. Observe o que ele produz e como reage. Como os fariseus, quando a situação se torna muito real, quando se trata de exigir fé, quando se trata de esperar as promessas e milagres de Deus, quando se trata de realizar cura e profecia, ele quebra e mata a coisa. Pronto — ele é um impostor. Se ele se endurece, se ele ataca e critica, e se ele conspira para impedir, então ele está crucificando Jesus novamente em seu coração.
E é por isso que ele vai queimar.
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¹ Nota do Tradutor: “Seeker-friendly” (algo como “amigável àquele que busca”) se refere a certas igrejas que evitam qualquer conversa “negativa” sobre por que precisamos de Cristo, evitando, por exemplo, falar sobre a realidade do inferno, sobre o pecado e a necessidade do arrependimento.
Vincent Cheung. The Culture of Faith-Shaming. Disponível em Backstage (2016), pp. 84–86. Tradução: Luan Tavares (26/05/2021).