A Ceia do Senhor: Misticizada e Miniaturizada
Três conjuntos de versículos são considerados em conexão com a Ceia do Senhor. O primeiro vem dos Evangelhos Sinóticos: Mateus 26:26–29, Marcos 14:22–25 e Lucas 22:14–20. O segundo é 1 Coríntios 11:20–34. E o terceiro é João 6:53–57.
Esta terceira passagem é geralmente incluída em uma exposição da doutrina; no entanto, é improvável que ela se refira à Ceia do Senhor e, portanto, deve ser excluída. Robert Reymond oferece quatro razões. Primeiro, o contexto não se encaixa. Jesus estava se dirigindo a pessoas que não teriam entendido uma referência a um decreto que ele ainda não havia instituído. Segundo, “carne” não é a palavra que ele usou mais tarde quando instituiu a ordenança. Terceiro, suas palavras são absolutas e dizem respeito à salvação. É impossível que, para alcançar a salvação, Jesus exigisse a participação em uma ordenança que ainda não havia instituído. E, de fato, o ensinamento bíblico é que uma pessoa alcança a salvação antes de participar. Quarto, o contexto enfatiza ouvir e crer em suas palavras (v. 63), de modo que o consumo de sua carne e o consumo de seu sangue sejam melhor entendidos como metáforas para a aceitação de seus ensinamentos.
Para ilustrar o quarto ponto, Jesus se chamou o pão do céu, ou maná (João 6:30–40), mas que se referia ao alimento espiritual pela fé nele, e não à obra de expiação simbolizado pelo pão partido. Ele faz exatamente isso neste contexto: “Porque a vontade de meu Pai é que todo o que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna” (v. 40). Assim, seria um equívoco identificar esse pão de nutrição com o pão da comunhão.
Portanto, a doutrina do Novo Testamento da Ceia do Senhor se baseia principalmente nos versículos Sinóticos e Paulinos.
A doutrina Reformada da Ceia do Senhor é sem dúvida superior à abominação do Catolicismo. Dito isto, ela tem seus próprios problemas. Embora menos sérios, esses problemas continuam a manter a tradição humana e a superstição acima do ensinamento claro da Escritura. É claro que nem todos são exclusivos da tradição Reformada. Aqui vou listar dois deles.
Primeiro, a Ceia do Senhor foi misticizada. Isto é visto em dois aspectos da doutrina Reformada, e estes são a presença “real” e a nutrição espiritual associada aos elementos. A formulação de Calvino era indefinida e ininteligível, até absurda. Como Reymond ressalta, Charles Hodge considerou-a “peculiar”, e William Cunningham disse que era “tão ininteligível quanto a consubstanciação de Lutero” e “talvez, a maior mancha na história das obras de Calvino como instrutor público”. Robert Dabney denunciou-a como “estranha” e “não apenas incompreensível, mas impossível”. Talvez o próprio Calvino tenha percebido as dificuldades e finalmente recorrido a um apelo ao mistério — uma desculpa favorita dos teólogos Reformados para afirmar algo que eles não podem defender, ou que não podem nem mesmo afirmar de forma inteligível.
Em qualquer caso, o obstáculo definitivo é que os versículos Sinóticos e Paulinos não mencionam ou sequer insinuam qualquer tipo de presença ou nutrição quando se trata da Ceia do Senhor. Não há base bíblica para eles. Eles parecem ser completamente inventadas para romantizar a ordenança e infundi-la com piedade mística. Portanto, a formulação de Calvino não pode ser resgatada, e na medida em que as variações Reformadas mantêm esses dois aspectos da formulação, elas perpetuam o absurdo.
Segundo, a Ceia do Senhor foi miniaturizada. Os versículos Sinóticos indicam que a ordenança foi instituída no contexto de uma refeição completa. Os versículos Paulinos presumem que a Ceia foi substancial o suficiente para satisfazer a fome e para alguém se embebedar. O apóstolo ordenou que os crentes esperassem um pelo outro antes de comerem, ou se estivessem com muita fome, que comessem em casa (1 Coríntios 11:20–21, 33). Isso não faria sentido se a ordenança consistisse em pequenos cálices e bolachas que eram consumidos em poucos segundos.
A Ceia do Senhor é uma figura para festejar na mesa do Mestre. Nas culturas orientais e de forma mais fraca também nas culturas ocidentais, jantar com outra pessoa é um sinal de amizade, e é um sinal de rejeição recusar-se a comer com ele (1 Coríntios 5:11). Sentar-se à mesa do rei era uma tremenda honra (2 Samuel 9:7), e aqueles que comem juntos são os mais queridos amigos e companheiros. Na Ceia do Senhor, os cristãos sentam-se à mesa do rei — independentemente de raça, status ou sexo — para comer e beber para sua honra, em lembrança de seu sacrifício por nós e na expectativa de seu retorno. Esse vínculo em virtude de nossa lealdade comum ao Rei dos Reis é mais forte que a relação de sangue, e a Mesa fornece o contexto para que esse vínculo se manifeste e se desenvolva.
Tudo isso é obscurecido quando a ordenança é reduzida a pequenos cálices e bolachas. O pleno significado da Mesa, a profunda comunhão, a alegria e o riso, o conforto e o encorajamento, a plena lembrança do que o Senhor fez durante horas de conversação, estão todos perdidos. Todos os debates sobre os elementos são limitados em significância, enquanto estamos discutindo sobre minúsculos cálices e bolachas, porque todo esse tempo não há de fato nenhuma ceia real para falar, e toda a prática tem sido muito mais antibíblica, ritualística e sem sentido do que as pessoas percebem.
Vincent Cheung. The Lord’s Supper: Mysticized & Miniaturized. Disponível em Sermonettes — Volume 1 (2010), pp. 88–89. Tradução: Luan Tavares (03/03/2019).